Magoa-me a saudade

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Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
sói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés

Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas

Seja eu de novo a tua sombra, teu desejo,
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu, que longe de ti sou fraco
eu, que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta

Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono

Mia Couto
Fotografia de Manuel Libres Librodo Jr.




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1 comentário:

argumentonio disse...

deste poema disseram-me, ipsis verbis:

- «Ah pois.Mia Couto. Muito obrigada. Uma pessoa para escrever assim....tem que sentir na corrente sanguínea, não......tem que sentir nas células..........uf até a mim me doi...
"do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar"
É muito bonito isto. É um!»

e eu cá concordo!!!

obrigado pela partilha ;->>>