Foto de zvaella





Fui ver este espectáculo da Companhia Clara Andermatt, «Void», com dois protagonistas cabo-verdianos, Avelino Chantre e Sócrates Napoleão. Uma palavra, apenas: sublime. Há muito que não via nada tão repleto de chão e energia das ilhas. A Clara está em grande forma enquanto criadora; o Avelino e o Sócrates estão crescidos enquanto intérpretes. Falam, muito. Dançam, bem. Tocam e fazem música. Muito bom.

Ah, o anúncio? Sim, este espectáculo vai estar na cidade do Mindelo, no próximo festival Mindelact 2010. Tinha que ser.Vai ser. Na segunda quinzena de Setembro.








Hoje, 31 de Maio é, ao que parece, o Quit Facebook Day. Em português, o Dia de Desistir do Facebook. Segundo esta notícia, «é uma iniciativa de utilizadores descontentes, que têm apelado a que as pessoas apaguem as respectivas contas. E é mais um dos muitos protestos recentes. Até ontem, porém, apenas 25 mil pessoas tinham manifestado interesse em abandonar o site - uma minúscula fatia dos mais de 460 milhões de utilizadores.»

Pois bem, tendo em conta que neste momento me encontro num país onde 22% da população tem uma página no Facebook, resolvi saltar fora. Por várias razões, a mais óbvia das quais é o facto de não ter tempo para ela. Não faz qualquer sentido estar ali com um sítio, mesmo que virtual, com 369 «amigos» e não ter tempo para estar com eles. Nem sequer são seguidores, como no Café Margoso. Esses seguem-me e eu sinto-os por cá. Vem tomar um café, deixam uma morabeza e vão à suas vidas. Não tenho qualquer obrigação para com eles a não ser, talvez, manter o café activo, interessante, com debate e partilhas que possam interessar a todos. E mesmo assim, é tão difícil, nem vos passa pela cabeça.

Pelo que, meus caros, lamento, mas resolvi desconectar-me destas redes sociais. Não fazem mais sentido para mim. Com o Google, não há como não me encontrar. Quem quiser saber de mim, é a coisa mais fácil do mundo. O Twitter também vai pelo mesmo caminho. Delete. Gosto cada vez menos de fingir que estou não estando. Preciso cada vez mais de estar, estando mesmo. Além de que, quem quiser me enxovalhar ou fuscar na minha vida privada, fica com um bocadinho mais de trabalho. Portanto, nada de dramas porque como é óbvio, a gente se vai continuar a ver por aí. Se for num local físico, público ou não, com um vinho ou uma cerveja, para uma boa conversa, melhor ainda. 





O facto de as mulheres nuas ficarem sensuais calçadas e os homens nus ficarem ridículos com sapatos comprova, se preciso fosse, que ainda temos muito caminho a fazer nesta luta pela igualdade do género?

À melhor resposta, ofereço um café






Afortunado

Sacrificou toda sua juventude em troca de um futuro melhor. Anos e anos, trabalhou duro até chegar à velhice amparado por invejável fortuna. Hoje, orgulha-se: não precisa mais trabalhar. Cabe-lhe agora usufruir tudo o que conquistou.

É o que tem procurado fazer. Nas noites de sábado, por exemplo, gosta de circular pelas ruas da cidade, refestelado no conforto de sua limusine. Sempre pede ao chofer para parar diante da Praça Central.
Do automóvel gasta um bom tempo a olhar os jovens de mãos dadas, passeando por entre os canteiros, beijando-se sob a copa das árvores...

Em silêncio, inveja-os. Para eles, o futuro não vale mais que um beijo.

wilson gorj (fonte aqui)











Jogo da bola, na cidade da Praia
Fotografias de Pedro Moita (via Nha Terra Nha Cretcheu)







Pelos vistos, a selecção de Cabo Verde devia ter aberto as suas portas antes, durante e depois da partida com Portugal, para levantar a moral das tropas lusitanas. Pelos vistos, este empate criou alguma azia nalguns sectores. Pelos vistos, mais valia terem feito um treino e não um jogo a sério, porque ao que parece toda a gente ficou espantada pelo facto dos técnicos e jogadores cabo-verdianos terem encarado a partida como um jogo a sério. Esta prosa do jornal O Jogo é qualquer coisa de inacreditável:

«Surpreendente. É o mínimo que se pode dizer sobre a forma como João de Deus, treinador de Cabo Verde, encarou a partida de ontem. O jogo era de carácter amigável e, por razões óbvias, bem mais importante para Portugal - o Mundial está prestes a começar e o apuramento para a CAN só arranca em Setembro -, mas comparando a estratégia adoptada pelos dois seleccionadores junto dos jornalistas, no domingo, parecia exactamente o contrário. (...)

De resto, o objectivo de esconder o jogo ou ludibriar Carlos Queiroz por parte de João de Deus foi evidente também noutro episódio, quando afirmou que a sua equipa se ia apresentar em 4-4-2 com losango a meio-campo e de seguida pediu aos jornalistas para não escreverem nada sobre esse mesmo assunto.

Além destes, houve um outro caso que causou alguma estranheza. Quando lhe perguntaram, também na véspera do jogo, se a equipa de Cabo Verde iria ter algumas cautelas para não colocar em risco a integridade física dos jogadores de Portugal e se teria existido uma conversa prévia nesse sentido com a Federação Portuguesa de Futebol, João de Deus respondeu com uma outra pergunta, marcada por uma ponta de ironia. "E Portugal vai ter algum cuidado especial para connosco?", ripostou o técnico da selecção cabo-verdiana.

Foram demasiados cuidados para quem está a dar os primeiros passos na carreira de treinador principal e, sobretudo, para quem é português

Desculpem lá perguntar, mas o que é que o cu tem a ver com as calças? Ser português e em início de carreira implicaria encarar este jogo de forma menos séria e profissional? Esta forma de escrever sobre o jogo por parte da comunicação social portuguesa foi estranha, para não lhe chamar outra coisa. Aliás, os próprios comentários na televisão mostraram um desconhecimento total de quem era quem numa das equipas em jogo - a de Cabo Verde, evidentemente - e reflectiram um desrespeito pelos homens que equipavam de azul (algo comum aliás na imprensa desportiva portuguesa, de uma forma geral, que nunca gostou do azul).

Se a selecção de Cabo Verde tivesse «aberto as pernas» às vedetas lusas e tivesse levado uma cabazada das antigas, certamente os artigos da imprensa desportiva portuguesa teriam outro teor, seriam os jogadores e técnicos tratados com alguma simpatia e benevolência e ninguém estranharia a estratégia do seleccionador cabo-verdiano. O que vale é que as equipas que vão jogar contra Portugal no Mundial, não vão ter segredos para ninguém, estando inclusive previstas algumas reuniões entre os seleccionadores com Carlos Queirós para esclarecer a forma de jogar de uns e outros, não vá ninguém ser apanhado desprevenido, o que seria completamente inaceitável, mais a mais, num mundial de futebol!







O Instituto Camões - Centro Cultural Português (Pólo do Mindelo), e a Rabidá Audiovisual Cultural estão organizando a estreia oficial do filme “ULIME”, realizado por Tambla Almeida. A apresentação desta obra, curta-metragem de 19 minutos, acontece no próximo dia 28 de Maio, sexta-feira, às 18h30 , na Academica de Música Jotamont, no Monte Sossego (São Vicente), seguido de uma conversa com o realizador.

Sinopse
Na secura da paisagem saheliana, Blimunde, boi-gente, sofre os tormentos da canga que já não existe e da falta de recursos que ainda subsiste. Desterrado e sem encontrar razões para uma condição nova, este herói esquecido começa a desentender-se com o seu próprio isolamento.


Quem é quem nesta produção
Realização – Tambla Almeida
Produção Executiva – Matilde Dias
Som – David Medina
Fotografia – Bob Lima
Montagem – Jack Dias
Assistente de produção: Manuel Lima Fortes
Música – Mick Lima e Baptistinhas
Concepção gráfica - Elson Fortes (Kriativ)
Distribuição/Divulgação – Rabidá - Audiovisual Cultural
Interpretação (Blimunde) – Herlandson Duarte 






«A acção do teatro, tal como a da peste, é benéfica, pois, ao compelir os homens a verem-se tais como são, faz com que a máscara tombe, põe a nu a mentira, o relaxe, a baixeza, a hipocrisia deste nosso mundo.»

Antonin Artaut in «O Teatro e o seu duplo»






Esta foto de Alexandre Conceição, mostra a mesa de honra da cerimónia de entrega do Prémio Camões 2009 ao poeta cabo-verdiano Arménio Vieira e nela estão sentados, respectivamente, da esquerda para a direita, Lula da Silva (Presidente do Brasil); Cavaco Silva (Presidente de Portugal), José Sócrates (Primeiro-Ministro de Portugal) e Gabriela Canavilhas (Ministra da Cultura de Portugal).

O blogue Terra Longe chamou atenção neste post e eu concordo, por isso deixo aqui a pergunta: porque não há ali nenhum representante de Cabo Verde? Pedro Pires, Presidente da República de Cabo Verde, foi convidado? José Maria Neves, Primeiro-Ministro de Cabo Verde, foi convidado? Fernanda Marques, Ministra do Ensino Superior, Ciência e Cultura, foi convidada?  A propósito Pedro Pires terá dito que (não ouvi directamente), «só se está bem onde se é convidado», expressão que denota, no mínimo, algum mal-estar presidencial. Sendo o premiado, e pela primeira vez, um poeta de Cabo Verde não vos parece que há aqui alguma coisa que não bate certo? Que souber as razões, que as explique.






A propósito da situação de desemprego em Cabo Verde, vou ser politicamente incorrecto. Completamente desfasado da realidade. Dar uma perspectiva que será a menos aceitável, principalmente para quem sofre directamente na pele este terrível flagelo. Mas entendam-me, se não tivéssemos um problema de mentalidade grave entre o pessoal mais jovem - e que perfaz mais de dois terços da população cabo-verdiana - acredito que o problema do desemprego poderia ser encarado numa outra perspectiva. Ou pelo menos, com outro optimismo.

Muitas vezes se discutiu aqui a forma como todos nós, directa ou indirectamente, acabamos por adubar o terreno que permite a sementeira, o crescimento e o aumento da célebre cultura do sabe-pa-caga. O pessoal aqui gosta muito de festa, é só paródia e quem visita uma cidade como o Mindelo ao fim de semana não tem do que se queixar. Qualquer motivo é razão para se festejar: um aniversário, um baptizado, um casamento, uma data, uma vitória de um clube de futebol, umas eleições, um festival, um dia especial, um dia do município, um dia santo, um feriado, a lista é interminável. Não admira nada que o Primeiro-Ministro queira implementar no arquipélago uma plataforma de entretenimento.  Se ela até já existe. Pelo menos nos alicerces.

Isto tudo para dizer que no fundo e sem desvirtuar todas as dificuldades estruturais imensas das ilhas crioulas, que talvez o problema do desemprego fosse um pouco menor, apenas um bocadinho menos grave, se estivesse implementado na mentalidade da juventude essa coisa básica chamada vontade de trabalhar.  Iniciativa própria. Não esperar pelo colo. Quantos casos conhecemos de pessoal que recebe dinheiro de familiares de fora e tem como principal ocupação em primeiro lugar a paródia, em segundo a festa, em terceiro a bebedeira permanente? Porque uma das leis que impera no nosso pessoal, para além dessa máxima de vida que é despos de passa sabe morre ka nada, é a lei do menor esforço. E quando um dos problemas de base é a mentalidade, lá está, nesta questão do desemprego como em muitas outras, talvez a solução esteja mesmo é na educação: a da escola e a da casa.












Um dos aspectos mais interessantes na Internet é descobrirmos autênticas jóias que, de outra forma, passariam certamente despercebidas à maioria dos mortais. Um dos últimos tesouros que se cruzou comigo  graças ao meu amigo Fernando Mota, neste fantástico mundo virtual, foi uma conferência do maestro americano, de origem inglesa, Benjamim Zander, sobre música clássica. Segundo ele, apenas 3% da população gosta ou aprecia este género musical e em vinte minutos ele nos dá uma inestimável lição, partindo de uma obra de Chopin que vai, ou tem essa pretensão, diz ele, de nos por a todos a adorar música clássica.

Vale a pena ver. Ouvir com atenção. Entre outras coisas, e esta espantosa frase queria deixar aqui registada, ele afirma o seguinte: «eu tenho uma definição de sucesso: para mim é muito simples. Não está relacionado a dinheiro, fama ou poder. Está ligado a quantos olhos brilhantes eu tenho ao redor de mim.» Isto é algo que me diz muito porque eu sempre defendi que a minha função, enquanto criador na área das artes cénicas, era ajudar a que as pessoas fossem um pouco mais felizes depois de ver um espectáculo. Essa felicidade pode estar relacionada com divertimento, claro, mas também com reflexão e com emotividade.

Infelizmente, ainda vivemos num país onde ouvir música clássica nas rádios é sinal de que alguém importante terá falecido, provavelmente alguma figura de Estado. Num país musical como o nosso é fundamental alterar esse paradigma, combater esse preconceito. Mesmo tendo em conta o pessoal que vive no arquipélago e que tem que se sujeitar aos limites de navegação impostos pela Telecom, volto a frisar, vale a pena parar e ver este video com atenção. Sublime lição. Aqui.

 










Cerimónia de entrega do Prémio Camões 2009 ao poeta cabo-verdiano Arménio Vieira. Fotografias de Alexandre Conceição.






Carta de uma mulher a seu marido embarcado em baleeira

"Meu quirido esposo da minha triste coração.

Receber onte sua carta que Narciso trazer e incommenda que me mandei, dezejar saúde e fortuna. Eu ficar bom e nós filho.

Minha marido, dentro da minha peto tenho na meu coração, uma lambique de prata, de palmanhã estar ferbendo cudado de tarde estar estilan sodade. Senhor eu ten muito que dizer mas senhor só de nha boca pa de sel, mas pacencia, dentro da minha peto in ten 24 gabetinha abrir com sodade fichar com cudado, in ten tanto sodade dél cumá conto folja tibe n'um albre, sodade é ambre é tambre é doce é sucre é mel, ma pacencia só cu boca terá fim, in ten tanto sodade dél cuma ôque el tâ subi na mastro de meio e cu ta subi na altura de Barras branca ai triste bide d'uma muljer sem sé marido, mas in stâ razando brija Maria pa trazeme el pa nu bem gozar nós casamento, se Deus prometer estou no "cutello Longavulonva" qui ca tem sono pa dormir, ai sede ai sodade qui acima é Deus, baxo de Deus é senhor que é minha Pai e mais e tudo, carta que tenho mandado é desenove, cum agora eu mandar um garrafa de ago de chero de Lavadura e um saco com mil qulidade de ramo, ter tanto sodade cuma canto estrella ter na ceo cuma pexe que ter na mar cuma que ter na lanxa cumâ arêa que ter na Praia, cuma canto pancada mar ta dei, ai mar di sodade, ai mar de baleia, désta sua muljer de vida unte a morte"

Cidade do Mindello, de S.Vicente de Cabo Verde, 31 de Julho de 1884»


Fonte: "Breves Estudos Sobre O Creôlo Das Ilhas de Cabo Verde" de autoria de Joaquim V.Costa de 1886. Um agradecimento ao Artur Mendes que nos fez chegar esta pérola.



*Diazá: termo do crioulo que significa, «há muito tempo».






Já se falou disto aqui no Café Margoso, mas nunca é demais. Sabiam que:

1. A cada 3 mortes de pessoas adultas, 2 são de homens;
2. A cada 5 pessoas que morrem entre os 20 e os 30 anos, 4 são homens;
3. Os homens vivem em média 7 anos menos que as mulheres.


As explicações são óbvias. Ser macho é um desporto radical. E implica uma série de preconceitos como aquele que nos diz que ir ao médico ou cuidar da própria saúde é algo típico de maricas. Ou que se tem que resolver tudo à base da porrada. Ou ainda que temos que mostrar que só seremos verdadeiros homens se conseguirmos quebrar cinco regras do código de estrada, de preferência aquelas que colocam em risco todos as outras pessoas. Isso já passou de moda, pessoal. Por minha parte, não pretendo abdicar dos meus sete anos! Palavra de macho.







O Secador de Legumes

(ao almoço, em minha casa)

Ela - Vais fazer a salada com essa alface?
Eu - Qual é o problema da alface?
Ela - Está molhada.
Eu - Está húmida, sim, mas isso é porque a lavei.
Ela - Tenho que te oferecer um secador de legumes.
Eu - Um secador de legumes?
Ela - Sim, um secador de legumes.
Eu - Nunca tinha ouvido falar em tal coisa...
Ela - É essencial ter um em casa. É um tupperware mas que faz centrifugação.
Eu - Essencial não deve ser. Eu nunca tive nenhum e estou vivo.
Ela - Para mim é essencial que um homem que me convide para almoçar em casa dele e, no mínimo dos mínimos, não tenha a alface já lavada e seca, tenha um secador desses...
Eu - Repito que nunca ouvi falar em tal coisa...
Ela - Uma questão de cultura geral...



Comentário Cafeano: Não conhecia este «aparelho essencial» e por isso publico este delicioso diálogo do Bagaço Amarelo. As mulheres são mesmo loucas (só às vezes...). Oh César Schofield, que aqui nos aconselhas a comer mais legumes: há destes aparelhos nas lojas dos chineses da Praia?

Fonte: não compreendo as mulheres, aqui









O facto de sermos capazes de diminuar a taxa de desemprego de 20 para 13%, mantendo o mesmo número de Cabo-verdianas e Cabo-verdianos sem emprego, não é uma fantástica prova do quanto estamos mesmo preparados para os tempos que aí vem?

À melhor resposta, ofereço um café





Apareçam. Valerá certamente a visita.






A propósito das professoras belas, eis um (excerto) de um texto do humorista José de Pina que vale bem a partilha:

«Nunca me esquecerei da minha professora de geografia do 1º ano no Liceu Pedro Nunes. Tinha umas belas pernas e, talvez por isso, fazia questão de usar sempre mini-saia. Eu e os meus colegas passávamos o tempo a tirar-lhe as coordenadas: "Olha ali, latitude 30ºS - longitude 65ºE". Era um sinal que ela tinha na coxa esquerda. Sendo o umbigo o equador, havia dias em que a mini-saia nem chegava ao trópico de Câncer. Cartografámo-la toda, o que foi óptimo, sendo ela professora de geografia. Também me lembro de uma professora de inglês a quem se aplicava bem o piropo "por ti até aprendia a falar francês". Foi o ano em que tive melhores notas a francês. A inglês nem por isso; passei as aulas todas distraído, a pensar no French kiss.»

Comentário Cafeano: todos nós tivemos quedas ou paixões assolapadas por professoras (ou professores, conforme o caso), capazes de nos por a dominar matérias antes intragáveis ou mesmo inacessíveis. A minha maior lembrança neste sector específico do meu percurso pedagógico, foi uma professora de Filosofia, no 10º ano de escolaridade. A coisa foi tão grave que por ela, ou por causa dela, li os gregos todos, incluindo os diálogos de Platão completos e a poética de Aristóteles, acontecimento inusitado para um rapaz de quinze anos mas que me fez pensar, tendo em conta que foi na Grécia Clássica que nasceram as Artes Cénicas enquanto fenónemno artístico e espectacular, se não terá sido aí que tudo tenha efectivamente começado. Mais uma vez, o amor, sempre o amor, é o motor das coisas boas da vida. 





«Filhos, só para Eu entender: como darwinistas acreditam em uma teoria que trata os humanos como seres evoluídos?»

Deus, no Twitter criado para comunicar com os mortais (aqui)






«Em vinte anos de democracia a justiça desenvolveu uma miopia de tal forma que um dos olhos já não vê a podridão que é a teia de políticos aracnídeos que infestam o cofre do país; tudo porque, dentro do nosso sistema judicial há advogados e juízes que quando não são corruptos; são preguiçosos e quando não são nem uma coisa nem outra, são homens medrosos e desleixados.»

Rony Moreira - Geração 20.J.73









Foi notícia nos últimas dias por aqui: uma professora que posou para a revista Playboy foi afastada das actividades lectivas e transferida para um serviço «onde não tem contacto com os alunos.» Acho mal. Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que não se trata de uma professora qualquer, mas sim de uma professora de Actividades Extra Curriculares do 1.º Ciclo do Ensino Básico.E depois não se admirem que a educação esteja no estado em que está!

Entretanto, a Câmara Municipal, responsável por este género de contratação já anunciou que o contrato da professora, de 25 anos, não será renovado. Um outro representante camarário faz outras revelações: que a autarquia foi obrigada a tomar uma medida por causa do “alarme social” provocado pela notícia e por causa do “ambiente desagradável” que se instalou na escola de Torre de Dona Chama, onde referiu que os alunos trocavam fotocópias das fotografias e alguns colegas a começaram a olhar de lado.

Duas coisas rápidas, em jeito de comentário: com o nome da escola, ficou parte do mistério explicado. Esta é uma professora ideal para estar numa escola designada «de Torre de Dona Chama»! Queriam o quê? Além de que, como já li noutros locais, a revista Playboy hoje não tem como público alvo os homens da mesma idade que há 20/30 anos andavam quilómetros para comprar a revista e a escondiam debaixo do colchão da cama. Já não interessa. Para isso - e muito mais, à escolha do freguês - há a televisão por caso e, principalmente, a Internet. O público alvo é mesmo aquele. A escolha da professora modelo é tudo menos inocente.
 
Dúvidas: por causa da professora, a revista esgotou há três semanas em Mirandela, concelho da escola, os alunos trocaram fotografias por telemóvel e até fotocópias e os pais ficaram preocupados. «Preocupados», dizem eles! Este faz me lembrar um outro caso de uma célebre pequena cidade cujas esposas ofendidas se juntaram para expulsar as mulheres profissionais das casas de alterne, lembram-se? 

Seja como for eu não me importava nada que todas as professoras do ensino básico e primário fossem assim, como esta, completamente despidas de preconceitos. E pronto, agora quem insinuar que eu estava mesmo à espera de uma notícia como esta como pretexto para publicar uma mulher toda descascada no Café Margoso está, hum, completamente enganado!






Qual o tipo de banho mais indicado, 
para quem precisa de lavar a alma?

À melhor resposta, ofereço um café







Portugal acabou de assistir à maior encenação dos últimos anos. Maior do que esta, talvez só aquela que ocorreu durante o Euro 2004 e que teve o Scolari como principal mentor e encenador, com as suas bandeirinhas nas varandas. Mas há que pensar como é que um Estado, constitucionalmente laico, gasta tantos e tantos recursos para receber um líder espiritual, por mais importante que ele seja para o seu povo.  O Dalai Lama, que aqui esteve há bem pouco tempo, é que se deve estar a rir com tudo isto. Há que pensar como é que um Estado, que se encontra praticamente na bancarrota e se prepara para sacar o 13º mês aos funcionários públicos, pára de produzir durante três longos dias, para que esse mesmo povo pudesse apreciar o espectáculo da alienação total e absoluta.

A principal e mais emblemática praça da cidade de Lisboa, a Praça do Comércio, foi o local escolhido para a missa. Com recursos do Estado, claro. Milhares de polícias foram mobilizados para promover a segurança de um homem, colocado na posição de santo sem o ser, com recursos do Estado, claro. Foi distribuído à população um livrinho com o guião da missa, ponto por ponto, com todos os pormenores: quando fala o santo padre, quando responde o povo, quando genuflexe o santo padre, quando levantam as mãos o povo, tudo marcado, como uma grande encenação, paga por um Estado hipócrita, que pede sacríficios e nos remete para esta despendiosa grande produção de 3 longos dias.

Edifícios públicos foram completamente cobertos com a cara do santo padre, os autocarros dos transportes públicos levavam todos bandeiras do Vaticano que, entretanto, ficou certamente mais rico, com as cadeiras forradas a ouro onde se sentou o santo padre uma única vez, com o microfone banhado a ouro por onde falou o santo padre uma única vez, com os pratos onde comeu a sopa o santo padre uma única vez, todos eles também banhados a ouro. Uma ostentação que vai contra o pouco que conheço da mensagem de Jesus Cristo,  como aliás uma visita ao museu do Vaticano facilmente nos faz compreender.

Podem chamar embirração, o que quiserem. Mas estas manifestações fizeram lembrar outros tempos. Tristes tempos. Em que Estado Novo e a Religião Castólica se encobriam mutuamente para manter um regime fascista. E não deixa de ser significativo que o bispo português citado pelo santo padre numa das suas interenveções tenha sido o Cardeal Cerejeira, um dos maiores terrores de quem, naqueles dificeis tempos, lutou (e morreu) pela liberdade e pela democracia. Nem de propósito. 

Numa das suas falas, na missa de Lisboa, falou assim o santo padre: «confesso a Deus todo-poderoso e a vós, irmãos, que pequei muitas vezes, por pensamentos e palavras, actos e omissões, por minha culpa, minha tão grande culpa.» Isso já nós sabíamos, e ouvido assim até comove o mais incauto. Mea culpa, mea culpa. E eu peço desculpa a quem goste e se possa ofender com a presente declaração, mas eu não confio, não gosto deste homem, como nunca confiaria, nunca teria qualquer simpatia, por quem tenha encoberto, de forma continua, velada e consciente, actos hediondos contra crianças inocentes.






«A história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele.»

Caim in «Caim» de José Saramago»







O gatinho

Havia um gato que todos os fins de tarde se aproximava do dono e lhe lambia os sapatos com a sua língua minúscula.

Vencendo uma certa timidez e uma certa precaução higiénica, o homem um dia decidiu descalçar-se para observar se o gato lhe lambia os pés como fazia aos sapatos.

Foi aí que o tigre, que se disfarçara de gato durante anos, decidiu quer o seu momento, e em vez de lamber, comeu.


Gonçalo M. Tavares in «O Senhor Brecht»







No meu primeiro dia em Cabo Verde, em Outubro de 1992, aterrei no antigo aeroporto de S. Pedro, fui para casa do Vasco Martins e logo depois para uma outra casa, de amigos do compositor muindelense. Não se via quase ninguém nas ruas da cidade, era um Sábado da tarde. Quando chegamos na tal casa, estava tudo grudado na televisão, a ver um derby entre os dois clubes rivais de Lisboa. Sofrendo, roendo as unhas, gritando golo ou insultando o árbitro por ter marcado uma falta ao contrário do que deveria ser. Tudo em crioulo, claro.

Alguns anos depois, uma grande festa tomou conta da cidade do Mindelo. A selecção de Cabo Verde de futebol tinha acabado de vencer a Taça Amílcar Cabral, uma importante competição entre países desta região de África. O povo saiu à rua. Quem visse concluiria que a selecção cabo-verdiana equipava de verde e tinha o leão como símbolo maior, porque era essa a cor e a figura dominante na grande festa popular. Ah! É que no mesmo dia, no mesmíssimo dia, o Sporting Clube de Portugal quebrava um jejum de 19 anos e sagrava-se campeão nacional, de Portugal. A festa foi muito mais verde que azul. A verdade é que houve muitos mais rugidos de leão do que mordidas de tubarão (os seleccionados crioulos tem a alcunha de tubarões azuis).

Vem isto a propósito desta crónica de Odair Rodrigues sobre os festejos apoteóticos dos (muitos) cabo-verdianos adeptos do clube da Luz no passado fim de semana, que se sagrou campeão português. Questionava ele onde estaria a lógica de tal alegria? Se fosse o caso, festejariam uma qualificação de Cabo Verde para a Copa das Nações da mesma forma?, pergunta o articulista. Nada a ver, diria eu. Há que se olhar isto como um fenómeno sociológico abrangente sem complexos de qualquer espécie, até porque esta é uma realidade mais ou menos comum nos chamados PALOP's. 

O Porto, Sporting ou Benfica não são, apenas, clubes portugueses disputando um campeonato de futebol em Portugal. Fazem parte de uma herança cultural, tal como a língua portuguesa. E por alguma razão as discussões públicas mais acesas entre cabo-verdianos são, precisamente, sobre futebol e, na maioria dos casos, sobre futebol português. Será isso produto do colonialismo? Talvez. Mas hoje em dia, a forma como se sofre pelos clubes citados em Cabo Verde está de tal forma impregnada que uma análise séria do fenómeno terá que ir bem além dessa constatação histórica que é, diga-se de passagem, bastante redutora.





        Desbaratamos deuses, procurando 
        Um que nos satisfaça ou justifique. 
        Desbaratamos esperança, imaginando 
        Uma causa maior que nos explique. 
         
        Pensando nos secamos e perdemos 
        Esta força selvagem e secreta, 
        Esta semente agreste que trazemos 
        E gera heróis e homens e poetas. 
         
        Pois Deuses somos nós. Deuses do fogo 
        Malhando-nos a carne, até que em brasa 
        sexos furiosos se confundam, 
         
        Nossos corpos pensantes se entrelacem 
        E sangue, raiva, desespero ou asa, 
        Os filhos que tivermos forem nossos.
         
        José Carlos Ary dos Santos 
         
         





Vai acontecer na Zero PointArt, na cidade do Mindelo, a inauguração da exposição de fotografia "The delicate sounds" do fotógrafo Joe Wuerfel.








«Vocês riem de mim por eu ser diferente, e eu rio de vocês por serem todos iguais.»

Bob Marley - músico, morreu no dia 11 de Maio de 1981





O Espantoso Mundo das Revistas Femininas

1. De tempos em tempos aconselho todos os homens a comprarem certas revistas (ditas) femininas. Há de todo o tipo, umas mais utilitárias do que outras, umas com mais classe que outras, umas mais elitistas outras mais populares, umas mais diversificadas outras orientadas para jovens e adolescentes. 

2. Aqui é preciso separar o trigo do joio, porque neste bloco editorial de que falo na presente crónica não cabem as marias, caras ou novas gentes, que são uma espécie de revistas buraco da fechadura, cuscam a vida dos famosos e dos menos famosos, colocam alguns em situações ridículas, quase sempre em posses inusitadas perto de móveis de gosto duvidoso mas sempre muito chiques.

3. As revistas a que me refiro concretamente são as que se dedicam ao mundo da moda, mas cujos conteúdos vão muito para além do que se deve ou não deve vestir em cada época Primavera - Verão ou Outono - Inverno, as cores predominantes, os acessórios respectivos e as maquilhagens mais aconselhadas em cada ocasião.

4. Como exemplos mais antigos temos a Marie Claire, a Elle ou a Vogue, pelo menos falando daquelas que tem edição própria em Portugal há bastantes anos. Todas estas revistas tem artigos de elevado interesse para as mulheres e, aqui está o busilis deste texto, para os homens que se interessam por mulheres, ou dito de outra forma, pelo seu bem estar (delas, das miulheres), ou ainda para aqueles que, como eu, ainda não desistiram de compreender o fascinante e misterioso mundo feminino.

5. Graficamente, as revistas tem uma relação qualidade preço imbatível. São autênticos calhamaços, cheios de páginas de papel de luxo e a cores, com não menos que trezentas páginas, publicidade incluída,  infindáveis brindes e amostras de cremes, perfumes, shampoos e outros produtos misteriosos, muito que ler e apreender, assimilar mesmo para aqueles que mais se interessam por esta ciência de melhor compreender as mulheres que por natureza foram feitas para ninguém entender ou alcançar de forma absoluta. O preço varia entre os duzentos e os quatrocentos escudos, o que, tendo em conta o que atrás foi dito, fica muito em conta. 

6. Pois bem, está bom de conversa fiada, vou passar agora ao exemplo concreto. Comprei o último número da revista Happy Woman, que custou 2,20 euros (mais ou menos 250 escudos) e tem trezentas e quarenta páginas e muitos assuntos de elevado interesse. A principal manchete do número deste mês diz assim: «mude de vida em 59 segundos. A ciência mostra que podemos alterar o nosso rumo em menos de um minuto.» Mais nada!

7. Que a possibilidade de mudar de vida em menos de um minuto possa interessar também um homem é algo que qualquer simples mortal pode entender, embora estes sejam bem mais fáceis de contentar (diz-se). Umas cervejas, uma vitória do clube de futebol de que é adepto e um despertar erótico, e está o assunto arrumado. Mas nem todos são assim. Vamos lá esmiuçar esta coisa um pouco mais. As surpresas são mais que muitas.

8. Vamos começar pela moda propriamente dita, com conjuntos de «tendências», todas elas extremamente criativas. Se não nas roupas e acessórios, pelo menos nas suas justificações. Estilo newspaper: «o preto e branco em peças cool com mensagens gráficas»; estilo navajo: «a tendência étnica é movimento em destaque»; estilo watch: «cores e reflexos metálicos marcam a tendência mais chocante da estação»; estilo military: «peças cool com tachas e camuflado completam um look army»; estilo juicy: «prints berrantes misturam-se com demim para um look ultra casual»; e finalmente, estilo cocktail: «peças sofisticadas saltam da passarelle para o mundo urbano». Como se vê, a imaginação é o limite.

9. Mas vamos aos artigos de fundo. Além desse que faz manchete, o tal que muda a nossa vida num tempo recorde, um outro texto responde à questão metafísica «o que nos move? - a motivação pode fazer milagres pela nossa felicidade; descubra como acreditar sempre.» Um artigo de fácil leitura e bons conselhos, como aquele que diz para que elas, as mulheres, estejam rodeadas «de pessoas que a estimulem, que a incentivem, que sejam gotas de gasolina para o seu motor avançar.» Quem escreve assim não é gago!

10. Mais umas páginas à frente, dão-nos algumas pistas sobre os grandes testes da vida, ou seja, «como reagir perante as mudanças, as crises e as rupturas», onde mulheres testemunham casos de mudança brusca de desemprego ou a descoberta repentina de que tem um cancro. Alguns dos testemunhos são tocantes, as conclusões do articulista nem tanto.

11. As entrevistas não faltam, geralmente com estrelas, nacionais ou internacionais. Nesta revista é tudo em grande. Os dois entrevistados do mês são Leonardo DiCaprio (que sempre que está mais agitado publica poemas na net) e Diane Kruger que afirma ninguém saber as suas origens. Ah, e fiquei ainda a saber que Jessica Alba tem o corpo perfeito, segundo investigadores da Universidade de Cambridge, mas isso eu já desconfiava.   

12. E parece que nunca mais acaba. «Renascer aos 40 anos» (li com especial atenção); «como ser melhor» (um método de auto-treino); «os melhores refirmantes de corpo escolhidos por um júri»; «cirurgia da hora de almoço»; «barriga killer, como perdi a barriga em 20 dias»; «especial bronzeado perfeito»; «o que eles gostam & odeiam nas mulheres» (os homens preferem as que tenham sido casadas ou mães, pode ser ciumenta mas tem que ser fiel, claro); «a primeira vez com um acompanhante» (o que levou uma mulher atraente e bem sucedida a quebrar todas as regras?); «gosto de ser a outra» (quando elas escolhem ser a amante, histórias de um mundo tabu); e por aí fora. A lista é interminável!

13.  Um mundo fascinante, é o mínimo que se pode dizer. E muito se aprende, sendo que é preciso saber filtrar toda esta informação, porque nem tudo é pão pão queijo queijo. Vou continuar a comprar uma destas revistas por mês, a ler atentamente e aprender. Espero um dia que me expliquem como é possível que esta moda de os homens e jovens andarem a mostrar os seus truços e cuecas possa ter algum interesse real ou que esta seja uma mania que nos mostra, se preciso fosse, que o mundo anda mesmo louco.







Assim, sem ter dado por isso, reparei que o Café Margoso superou na semana passada as duzentas mil visitas. Nada mau. Obrigado a todos pelo carinho, pela força, pela participação, enfim, por tudo. Nunca se esqueçam que este espaço é um local de partilha e diálogo, mesmo que por vezes não pareça. Abraço.

A gerência





«É necessário sair da ilha para ver a ilha, não nos vemos se não nos saímos de nós.»

José Saramago - escritor






Foi uma cerimónia emocionante. E geralmente é assim quando alguém que fez teatro em Cabo Verde resolve deixar o seu testemunho, mais a mais, em forma de livro. Lançado no passado Sábado em Lisboa, na muito simpática Associação dos Antigos Alunos Liceais de Cabo Verde, o livro de Valdemar Pereira intitulado «O teatro é uma paixão, a vida é uma emoção» provoca diversas perplexidades e convoca múltiplos estados emocionais. 

Em parte substancial desta obra, um documento precioso, o autor relata a criação do Conjunto Cénico Castilhano, criado com o objectivo de reactivar o futebol do Grémio Sportivo Castilho, que pela primeira vez no seu historial associativo, se viu metido em tais andanças teatrais, tendo sido percursor neste género de actividades. Depois do Castilho, seguir-se-iam o Amarante, a Académica, o Mindelense, a desenvolver actividades cénicas ligadas aos clubes desportivos, uma realidade que marcou décadas do teatro Sanvicentino e originou um novo tipo de comédia popular crioula (e em crioulo).

O livro foi apresentado por Joaquim Saial, numa sede pequena para tanta gente, de várias gerações. Associados, familiares e amigos assistiram com emoção a mais este evento, e homenageram o autor Valdemar, grande percursor e dinamizador deste teatro popular.

Aliás, como sabemos, o teatro vive da sua própria natureza, ou seja, do contacto directo  entre quem vê e quem faz, e como arte do efémero, tem a sua historia dependente de testemunhos e documentos. Mais ainda se considerarmos o teatro de tempos idos, quando não havia forma de fotografar, filmar, enfim, registar, em forma de documento testemunhal, o objecto cénico. 

Essa será a principal razão porque este testemunho de Valdemar Pereira é absolutamente precioso. Explica o autor: «recorrendo ao pouco que restava nas abissais da memoria e com a ajuda de alguns amigos, consegui consagrar numa pequena brochura elementos que vos transportarão aos primeiros teatros do Grémio Castilho.» Modéstia do Valdemar, digo-vos. Isto que nos foi apresentado no passado Sábado é muito mais do que «uma pequena brochura», é uma peça nuclear para se entender o extenso e fascinante puzzle que constitui a história do teatro cabo-verdiano. Em Setembro, esperamos ter o autor no nosso festival Mindelact, para apresentar a obra e dar-lhe todo o valor e aplauso que eles (obra e autor), sem dúvida, nos merecem. 

Fotografia de Alexandre Conceição






Num país com a falta de produtividade e com a crise económica instalada como Portugal, fazer um feriado por causa da visita do Papa não é o mesmo que andar a brincar com coisas sérias?








Mais uma boa nova oriunda da I Gallery, situada na livraria Nhô Eugénio, na Achada de Santo António. A partir de hoje, podem lá ir e apreciar a exposição colectiva de fotografia “Ver”, concebida apartir de uma selecção das obras de alguns fotógrafos que participaram na Mostra de fotografia contemporânea Mosf09. Entre eles: Gisela Coelho, Abraao Vicente, César Schofield, Pedro Moita, Baluka Brazão e Jorge Marmelo. Vale a pena uma visita, além de que o ambiente nas inaugurações é sempre muito agradável.






«O facto de ninguém te entender não faz de ti um artista.»
Frase escrita na porta da casa de banho da Escola Superior de Teatro e Cinema







Vou vos confessar uma coisa que porventura já sabeis: sempre fui um puto atrevido. Agora sou menos puto, mas igualmente atrevido. Eu diria, em minha defesa, «atrevido no bom sentido do termo», se é que isso se aplica ao caso, mas não me querendo desviar muito do assunto que me trás a este texto, venho aqui falar-vos de um período glorioso do meu passado revolucionário.

Em Portugal, existiu um grupo musical de grande fulgor e impacto popular chamado GAC - Grupo de Acção Cultural - Vozes na Luta, no tempo em que a cantiga era realmente uma arma e atrás desse pessoal havia um autêntico exército popular. Um grupo que existiu entre 1974 e 1979 e segundo a reportagem do jornal I, o primeiro disco, gravado em 48 horas vendeu as suas cinco mil unidades em apenas um dia. O título? A Cantiga é uma arma, pois claro. E nessa época era mesmo.

Bem no ambiente da época, este foi um movimento cultural composto por anti-fascistas, pessoas que lutaram contra o colonialismo lusitano e algumas foram presas e torturadas por tê-lo feito. Entre eles estava José Mário Branco, meu pai, um dos integrantes do novo grupo musical. Para um puto como eu, aquilo era um mundo fenomenal. Adorava os comícios, as palavras de ordem, os congressos partidários, as reuniões intermináveis e, com certeza, os concertos e as digressões. Eu ia para o palco e cantava. «A cantiga é uma arma! Contra quem camaradas? Contra a burguesia! Tudo depende da bala e da pontaria!» Bons tempos. Andava ali feliz da vida.

Na foto, pode-se ver isso mesmo. O GAC passeando pelas ruas de Madrid. E eu lá estava, um puto completamente fashion, digam lá. A camisa aberta, o olhar directo para a objectiva, o colar que se adivinha no peito, um ciganito cujo futuro se poderia adivinhar, pelo menos, agitado. Infelizmente perdi um bom bocado do estilo e do sentido estético que me caracterizava nesses tempos idos da revolução dos cravos. O atrevimento, esse, foi ficando e ainda perdura.

Recordar é viver, dizem. Então vamos lá cantar. Em uníssono...






«No Dragão, só festejam os que de lá são!»

Novo ditado popular











A montagem de um novo laboratório de investigação criminal na ilha de S. Vicente foi encarada com grande entusiasmo pelas autoridades locais e centrais, mais ainda por ter sido conseguida graças a um acordo de cooperação resultante de um apurado processo de negociação entre a PJ do Mindelo e os estúdios americanos responsáveis pelas mundialmente famosas e amplamente divulgadas séries CSI - Crime Scene Investigation. Trouxeram maquinaria impressionante, com computadores do tamanho de paredes, tudo movido com a fenomenal tecnologia touch screen, cenário ou realidade ninguém sabe ao certo, com alguns dos actores e actrizes mais famosos das diferentes cidades, Las Vegas, Miami e Nova Iorque, para um curso rápido de «como ser um CSI cheio de style e impregnado de fashion», tendo para o efeito convidado uns agentes teatrais locais para acompanhar o workshoop artístico e profissional.  Intervieram no processo ainda algumas agências internacionais de modelos, porque um investigador CSI que se preze, como se tem visto nos inúmeros episódios, tem que ter pinta de modelo, tudo no lugar, além de uma inteligência fora de série e altamente preparado em matérias tão díspares como química orgânica, engenharia dos materiais, sistemática de guerra ou anatomia humana. Se em relação a estas últimas características o caso ficou mais complicado, já que o pessoal não gosta muito de estudar, no que diz respeito ao aspecto físico, foi limpinho, uma passagem pela Laginha daria, sem muito esforço, para encontrar algumas dezenas de candidatos e candidatas dignos de aparecerem num cartaz do novel CSI Soncent. 

Tudo acabou por não resultar lá muito bem e os americanos como vieram assim se foram, quando depois de uma manobra de avaliação prática, resolveram fazer uma demonstração à população de como se podia confiar no trabalho desta recém formada equipa cheia de novas competências e ainda por cima extremamente agradável à vista para quem aprecia corpos jeitosos e caras bem compostas. Com efeito, num exercício surpresa, assim tipo prova prática de avaliação final, os novos agentes invadiram as instalações da Câmara Municipal e durante horas mantiveram todo o pessoal lá dentro, confiscando computadores, documentos e material outro não identificado. Conta quem lá esteve que tudo foi feito com muito glamour e simpatia, os funcionários nem se importaram muito com aquilo, o ambiente não era propriamente de cortar à faca, até se podia dizer que o pessoal estava ali mais ou menos na descontra.

Acabou por ser de todo inesperado, inclusive para os que vivenciaram aquele experiência multimédia por dentro, que algumas dezenas de pessoas, assim tipo figurantes mas trabalhando sem cobrar qualquer cachet ou gratificação, tivessem saído à rua protestando contra o facto de haver na cidade uma polícia fazendo o seu trabalho. «Não pode ser, não podem entrar assim, investigar desta forma, sem avisar ninguém, isto aqui não é a casa da Maria Joana», disse um indignado, como se não soubéssemos todos que a actual presidente da Câmara não carrega esse nome de baptismo, nem pouco mais ou menos. «Isto não pode ser», clamava outro, com sentida indignação, «estão aqui estão a prender gente, era só o que faltava!». Um antropólogo que se juntou à manifestação, dando um ar mais composto e académico à coisa, clamava que aquela acção punha «em risco uma das nossas mais preciosas idiossincrasias, uma das nossas maiores heranças dos portugueses. Isto não pode ser, é um perigo para o nosso património intelectual», além de que, defendeu, essa mania de imitarmos tudo o que se passa em Portugal nunca deu resultado: «não é por estarem lá a investigar o Sócrates que agora aqui temos que estar com estas coisas. Era o que faltava!», clamou outro individuo, um bem informado secretário de um dos departamentos visados. 

Foi assim que o pessoal dos estúdios americanos resolveu dar corda aos sapatos e ir embora, não valia a pena, mesmo considerando que aquela manifestação, com duas centenas de figurantes, ainda por cima actuando sem qualquer custo adicional, poderia dar uma boa ajuda para fazer-se um novo episódio inovador, quem sabe no arranque de uma nova temporada. Conta quem ouviu que um deles, penso mesmo que o pequenino actor do CSI Miami que parece uma cenoura, comentou como quem não quer a coisa, ao mesmo tempo que entrava no avião: «estes mindelenses são loucos!» E assim se foi, colocando os óculos escuros com um estilo que ninguém mais consegue sequer imitar.