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A montagem de um novo laboratório de investigação criminal na ilha de S. Vicente foi encarada com grande entusiasmo pelas autoridades locais e centrais, mais ainda por ter sido conseguida graças a um acordo de cooperação resultante de um apurado processo de negociação entre a PJ do Mindelo e os estúdios americanos responsáveis pelas mundialmente famosas e amplamente divulgadas séries CSI - Crime Scene Investigation. Trouxeram maquinaria impressionante, com computadores do tamanho de paredes, tudo movido com a fenomenal tecnologia touch screen, cenário ou realidade ninguém sabe ao certo, com alguns dos actores e actrizes mais famosos das diferentes cidades, Las Vegas, Miami e Nova Iorque, para um curso rápido de «como ser um CSI cheio de style e impregnado de fashion», tendo para o efeito convidado uns agentes teatrais locais para acompanhar o workshoop artístico e profissional.  Intervieram no processo ainda algumas agências internacionais de modelos, porque um investigador CSI que se preze, como se tem visto nos inúmeros episódios, tem que ter pinta de modelo, tudo no lugar, além de uma inteligência fora de série e altamente preparado em matérias tão díspares como química orgânica, engenharia dos materiais, sistemática de guerra ou anatomia humana. Se em relação a estas últimas características o caso ficou mais complicado, já que o pessoal não gosta muito de estudar, no que diz respeito ao aspecto físico, foi limpinho, uma passagem pela Laginha daria, sem muito esforço, para encontrar algumas dezenas de candidatos e candidatas dignos de aparecerem num cartaz do novel CSI Soncent. 

Tudo acabou por não resultar lá muito bem e os americanos como vieram assim se foram, quando depois de uma manobra de avaliação prática, resolveram fazer uma demonstração à população de como se podia confiar no trabalho desta recém formada equipa cheia de novas competências e ainda por cima extremamente agradável à vista para quem aprecia corpos jeitosos e caras bem compostas. Com efeito, num exercício surpresa, assim tipo prova prática de avaliação final, os novos agentes invadiram as instalações da Câmara Municipal e durante horas mantiveram todo o pessoal lá dentro, confiscando computadores, documentos e material outro não identificado. Conta quem lá esteve que tudo foi feito com muito glamour e simpatia, os funcionários nem se importaram muito com aquilo, o ambiente não era propriamente de cortar à faca, até se podia dizer que o pessoal estava ali mais ou menos na descontra.

Acabou por ser de todo inesperado, inclusive para os que vivenciaram aquele experiência multimédia por dentro, que algumas dezenas de pessoas, assim tipo figurantes mas trabalhando sem cobrar qualquer cachet ou gratificação, tivessem saído à rua protestando contra o facto de haver na cidade uma polícia fazendo o seu trabalho. «Não pode ser, não podem entrar assim, investigar desta forma, sem avisar ninguém, isto aqui não é a casa da Maria Joana», disse um indignado, como se não soubéssemos todos que a actual presidente da Câmara não carrega esse nome de baptismo, nem pouco mais ou menos. «Isto não pode ser», clamava outro, com sentida indignação, «estão aqui estão a prender gente, era só o que faltava!». Um antropólogo que se juntou à manifestação, dando um ar mais composto e académico à coisa, clamava que aquela acção punha «em risco uma das nossas mais preciosas idiossincrasias, uma das nossas maiores heranças dos portugueses. Isto não pode ser, é um perigo para o nosso património intelectual», além de que, defendeu, essa mania de imitarmos tudo o que se passa em Portugal nunca deu resultado: «não é por estarem lá a investigar o Sócrates que agora aqui temos que estar com estas coisas. Era o que faltava!», clamou outro individuo, um bem informado secretário de um dos departamentos visados. 

Foi assim que o pessoal dos estúdios americanos resolveu dar corda aos sapatos e ir embora, não valia a pena, mesmo considerando que aquela manifestação, com duas centenas de figurantes, ainda por cima actuando sem qualquer custo adicional, poderia dar uma boa ajuda para fazer-se um novo episódio inovador, quem sabe no arranque de uma nova temporada. Conta quem ouviu que um deles, penso mesmo que o pequenino actor do CSI Miami que parece uma cenoura, comentou como quem não quer a coisa, ao mesmo tempo que entrava no avião: «estes mindelenses são loucos!» E assim se foi, colocando os óculos escuros com um estilo que ninguém mais consegue sequer imitar. 






As propriedades daquela zona despertaram a curiosidade de muitos. Melhor, de muitas agências. As mais reputadas agências de espionagem do planeta, americanas, israelitas, russas, alemãs, japonesas e chinesas enviaram pessoal camuflado para vir investigar o que se passava. Uma zona que captava não só o que acontecia, como também o que não acontecia ou o que estava ainda por acontecer. Uma mistura explosiva de saber, espionagem e contra-informação. Haveria que existir por ali algum radar super potente invisível manobrado por alguma força oculta, terrena ou mesmo extra-terrestre, todas as possibilidades eram válidas perante aquele fenómeno extraordinário. E as pessoas que por ali ficavam mais que uns minutos também adquiriam logo uma capacidade inata para adivinhar o futuro, ver o invisível e adivinhar o imperceptível, lançar boatos susceptíveis de provocar a maior das agitações. Alguma feromona especial estaria sendo largada por ali?  Alguma substância especial estaria sendo largada na atmosfera devido ao arrastar dos sapatos polidores nas calçadas ou nas paredes circundantes? Pelo sim pelo não, os respectivos agentes, escondidos uns dos outros, lá foram para a Rua de Lisboa, na cidade do Mindelo, Cabo Verde, recolher amostras de ar naquelas redondezas, sendo certo que era ali mesmo, na zona dos cafés, que o fenómeno se tornava mais evidente. Então desde que o jornal A Semana noticiou a possibilidade de terroristas andarem a maquinar novos golpes na maior das tranquilidades, aproveitando o tal pacote de Sol e mar todo o ano, bastou juntarem dois mais dois e avançar para o terreno, implacáveis. E foi assim que, sem que ninguém tenha dado por isso, a Rua de Lisboa, a mais famosa rua da ilha do Porto Grande, se transformou num centro internacional de espionagem. Vai dar uma bela manchete, quando se souber...






Depois de um dia como todos os outros, saiu de casa, já noite feita, sem rumo certo. Não falou com ninguém - raramente falava fosse com quem fosse e portanto foi aprendendo com o tempo a arte de se tornar invisível. Não que esta capacidade de não ser visto pelos outros pudesse ser considerada como um desígnio vital da sua existência, antes pelo contrário, aquilo tudo o deixava um bocado deprimido, afinal de contas era um ser social como todos os outros e invisível, no sentido prático e concreto da palavra, ele sabia que não era - tinha espelhos em casa, embora quase não fizesse uso deles por razões mais do que óbvias. E portanto, foi neste dia igual a tantos outros, que este homem igual a tantos outros, saiu de casa sem que ninguém lhe notasse os passos ou da ocorrência desse devida conta, nem os que estavam dentro de casa e lhe eram mais próximos, quanto mais os que cá fora se encontravam e pouca ou nenhuma ligação tinham com a sua vida. Andou, sem rumo e chegou na praia. Sentou-se num dos bancos de pedra, em frente ao mar, ouvindo as ondas e vendo ao longe as luzes dos barcos, numa noite triste e sem luar. Foi então que este homem, igual a tantos outros e depois de um dia igual a tantos outros, se levantou e caminhou em direcção às ondas, sem parar nem ninguém que o impedisse. Entrou nas águas frias e continuou. Mergulhou naquela água salgada e sorriu. Encontrara, finalmente, uma forma simples de se sentir abraçado pelo mundo. Se voltou ou não, é o que menos importa.





Abraça-me. E pronto, foi com esta simples palavra que ele enterrou definitivamente (assim pensava) o machado de guerra, pronto para se entregar ao inimigo. Ao inimigo é uma forma um pouco paradoxal de se dizer, porque o amor de alguém por um outro alguém apenas é inimigo de quem tem medo de viver ou, sobretudo, de quem tem medo de ser feliz. Sim, abraço-te. Isto já não foi falado assim, mas sim feito em acção realizada, sendo que a escrita, por muito rebuscada e trémula que seja, nos permite avançar no terreno das palavras sem necessidade de grandes transcrições, sim, abraço-te, pressupõe que ao apelo desesperado (assim pareceu) se seguisse uma resposta em consonância com o desejo e isso é meio caminho andado para a sementeira, que é o que provoca, havendo condições, que algo de novo nasça e veja a luz, não necessariamente ao fundo de um túnel qualquer pleno de angústia e amargura. Abraça-me. Sim, abraço-te. E para terminar esta prosa insonsa dizer apenas que assim ficaram os amantes por um tempo não determinado, a poesia talvez o possa dizer infinito, mas como isto poesia não é, podemos concluir que mais minuto menos minuto irão acordar e chorar ou rir o tempo que permaneceram ligados (desligados do resto do mundo. Quem bom! Que sabe!).






Febre de Sábado à noite. Todo o cerimonial tem que ser bem preparado, não é algo que se possa desprezar ou minimizar, é como ir à missa aos Domingos. Sim, no fundo, isto é uma espécie de missa, tem os preliminares encontros à porta da igreja, o reconhecimento do terreno, as piscadelas inocentes e as trocas de olhares aparentemente ocasionais, vidas futuras que se desenham por entre sombras e arrepios, a eucaristia propriamente dita, música, bolachas de água e sal com vinho acompanhar, todo um colectivo celebrando o sofrimento de um terceiro que deu a vida pelos pecadores do universo. Febre de Sábado à noite. Escolher bem a roupa, a primeira fase é fundamental para o sucesso do resto da noite. A noite dos vampiros, dos chupadores de sangue, dinheiro e esperma. A noite dos fluídos. Dos cheiros. Sim, não abuses do perfume, na medida certa, as mulheres hoje não apreciam homens a cheirar a cavalo, mas também não é preciso tomar banho em colónias baratas, o mais certo é ficarmos tipo loja de chinês ambulante, fazendo grogue na Praça Nova. Febre de Sábado à noite. Sim, tudo na medida certa. Tecidos, líquidos, percings e tatuagens. Finalmente, colocar a render as horas de sofrimento passadas nos salões de beleza, autênticas câmaras de tortura da modernidade. Preliminares encontros, reconhecimento de terreno, troca de olhares mais ou menos inocentes, vidas futuras que se adivinham por entre cheiro de marijuana e passos perdidos no cimento, seduções, repelentes vários, a dança propriamente dita, todo um colectivo celebrando a arte do esfreganço ou da passada conforme a ocasião e a oportunidade, todo um colectivo celebrando o sofrimento daqueles que não podem querer. No Sábado à noite na cidade do Mindelo celebra-se, sim, é isso mesmo, a eucaristia dos vampiros. O sangue, também aqui, presente no momento mais alto da cerimónia.




Esquece o amor, os tempos não estão para isso. Vamos mas é festejar o anúncio da abertura do aeroporto internacional do Mindelo pela 57ª vez ou o novo plano para a recuperação da réplica da Torre de Belém. Será uma festa ainda maior do que as outras cinquenta e seis anteriores e na festa não se ama. Bebe-se, dança-se, grita-se, exalta-se, conforme os locais, havendo aqueles locais de cem escudos a entrada com direito a uma garrafada ou aqueles outros de cinco contos casal com direito a bar aberto num local tão inacessível que oitenta por cento do pessoal desiste de beber seja o que for a meio caminho. Vamos lá, vai-te habituando à ideia que vem aí o Reveillon e desta vez nem o banho na praia de catxor da marginal do Mindelo te vai salvar. Esquece o amor, que a tua festa pode muito bem ser invadida por um grupo de jovens em fúria de pedras na mão prontos para quebrar carros, vidros e até cabeças, nunca se pode adivinhar o que se passa nas mentes de um gang urbano. Esquece o amor, que as doenças andam por aí e mesmo que tenham sido anunciados projectos fantásticos e irresistíveis para acabar com o lixo em todo o arquipélago, parece que já vimos este filme, mas esquece, nem penses em começar a engendrar grandes ficções que isto não é o amor em tempos de cólera, isto não é um romance, é a vida real, vai mas é tratar da tua que eu trato da minha. Até porque daqui a nada temos eleições e é importante ouvir o que o Filú tem para dizer sobre o mosquito maldito ou o que o Veiga tem a falar sobre o seu desejo altruísta de voltar a ser o bigboss do pedaço e não podemos andar distraídos com coisas menores. Esquece o amor, que os tempos não estão para isso. E se mesmo assim insistires nessa ideia peregrina, prepara-te meu caro, que o pior ainda está para chegar.





Não te metas nisso. Como disse um poeta, os seres apaixonados tornam-se muitas vezes susceptíveis, perigosos. Perdem o sentido da realidade. Perdem o sentido de humor. Tornam-se nervosos, psicóticos, chatos, assassinos. Quero lá saber, vou mesmo escrever um romance, tenho que aproveitar este estado de espírito que num momento me coloca a voar entre-nuvens e num outro me dilacera nas chamas de um inferno que não consigo dominar (por isso mesmo se chama inferno), agora sei o que é ser enterrado vivo. Enterros? Romances? Mas quais romances, bo ta parvo?! Isto não está tempo para romances, amigo, deixa-te disso, é pura perda de tempo. Preocupa-te antes com a crise económica, com esses assassinatos brutais em plena via pública ou com o aquecimento global, pelo menos faz alguma coisa de útil na vida, vem, a sociedade precisa de ti. Pode até ser, mas agora não, deixa-me, deixa-me. Oh dor, vem cá depressa, dá-me uma melodia rápido!, que tenho aqui pronta para ser servida uma letra para uma morna revolucionária, tem tudo para ficar no ouvido, vai conquistar a juventude, vai ser uma morna no número um do top as dez mais, acredita! Vamos cantar juntos, sim? Bo ta dod, mim j'm bai. Preciso de ir a correr ler a biografia do Veiga e o Orçamento de Estado para 2010, não tenho tempo para essas mariquices. E como veio, se foi, com o vento. E o outro ficou, a pensar no quando, no como e no onde poderia começar a escrever o seu romance. Ou pelo menos um poema, concluiu. Afinal de contas "um bom poeta pode fazer uma alma despedaçada voar." É disso mesmo que ando a precisar, foi o seu último pensamento, antes de se estatelar no chão de pedra, directamente oriundo do décimo sétimo andar do prédio mais alto da cidade.




O homem sentiu uma estranha dor de cabeça. Um mal estar terrível. De imediato se dirigiu a um centro de saúde, onde foi visto, numa primeira fase pelo médico de serviço. Os sintomas e as estranhas manchas azuis que lhe foram aparecendo na ponta do nariz, induziam que se poderia tratar de uma doença nova, algum tipo de virose nunca vista por aqueles lados. De imediato, mais pelo dado científico invulgar do que pela preocupação humanitária, se reuniu uma junta médica composta pelos maiores especialistas para um diagnóstico mais profundo. Exames mais rigorosos foram feitos, especialistas ouvidos, organizou-se mesmo um Fórum sobre o homem das manchas azuis no nariz. Nesse encontro, onde os maiores cérebros nacionais e internacionais se juntaram para analisar o caso, foram feitas várias recomendações e uma conclusão importante: o diagnóstico estava feito e 40 medidas, entre paliativas, de precaução e curativas, com remédios, doses e efeitos secundários perfeitamente definidos. Mas como não havia ainda a certeza das causas e do grau de contágio de tão estranha enfermidade, as autoridades centrais optaram, e assim anunciaram com toda a pompa e circunstância, por elaborar, num prazo de seis meses, um Plano Estratégico de Combate às Doenças Cromáticas. Um plano destes é sempre bem-vindo, concluiu-se, até porque nunca se sabe o que pode acontecer e mais vale prevenir do que remediar, diz o povo com a sabedoria que lhe é peculiar.

Mandaram o homem das manchas azuis para casa. Ele foi. Passaram seis meses e ele achou estranho que nunca mais o tivessem contactado. Do tal plano estratégico, nunca mais ouviu falar. As dores de cabeça aumentaram, as manchas alastraram a outras partes do corpo, o mal-estar tornara-se insuportável. Telefonou para o centro de saúde responsável pelo seu caso mas ninguém estava disponível para o atender. O senhor doutor neste momento não está, lamentamos. E quando o poderei encontrar, o caso é urgente. Ah é urgente? Mas o que não é urgente neste país? A verdade é que não estavam, porque nessa mesma altura estava tudo participando activamente numa mesa redonda sobre as potencialidades da aspirina e a possibilidade de uma fábrica deste remédio global poder vir a ser montada algures em Ribeira da Torre, foi o facto mais importante do encontro, o que teve grande eco na imprensa cabo-verdiana, com uma manchete a toda a largura das primeiras páginas: "o nascimento da aspirina crioula". Um investimento importantíssimo para o país e que poderia mesmo, quem sabe, alterar por completo o panorama da saúde no arquipélago, anunciou com entusiasmo mal contido o senhor Director Geral do sector.

Passaram mais alguns meses e o homem já estava todo coberto de manchas e as dores eram tão insuportáveis que ele já nem conseguia ver a luz do dia. Enfiado em casa há semanas sem respirar o ar da rua, tornara-se um autêntico bicho, sujo, abandonado, quase um autêntico homem das cavernas na sua própria casa. Prometeram-lhe enviar os remédios, mas nunca recebeu nada. Asseguraram-lhe que iria receber um completo e pormenorizado plano, com referência a dieta e exercícios próprios referenciados, mas até àquele dia não recebeu nada. Desesperava perante aquele abandono. Foi então que ouviu no noticiário das treze da rádio nacional que um comité especializado universitário em doenças-que-provocam-manchas-coloridas-em-superfícies-cutâneas havia sido contratado pelo Ministério da Saúde para o estabelecimento de um Plano Nacional de Combate às Doenças Cromáticas. Ouviu aquela notícia, respirou uma, duas e três vezes e caiu no chão, vitima de um ataque cardíaco fulminante. Felizmente, foi esse o seu último pensamento, doei o meu corpo à ciência. Que façam bom proveito!





"Aguardemos então por Novembro, esse mês místico e mágico, quando se quebram promessas e se constroem sonhos sobre o manto dourado de um sol tímido e gasto… que em verde ouro se agitam." Leu a frase que acabara de escrever. Está bom. Quer dizer, escapa. Tem ritmo, metáfora quanto baste, poesia na medida certa, sem ser nem demasiada lamechas ou saudosista. Logo depois pensou, "mas porquê aguardar Novembro, se é Outubro quem nos visita neste preciso momento e se espraja dentro da nossa casa, com o seu vendaval mais o tempo que passa?". Eis uma pergunta que poderia fazer a si próprio. Vive a vida, diacho, deixa-te de merdas. O que adianta chorar por um mês no início do mês anterior, é como deitar uma folha do calendário inteira ao mar, com dias, horas, minutos e tudo o que neles couber. Um desperdício: a vida, o tempo que passa ou lá como se chama esta nossa travessia por este mundo, é um bem demasiado precioso para ser assim largada ao desbarato, mesmo que seja em pensamento. Já nos basta ter que fazer isso a cada momento que passa por causa do ordenado que esticado nem chega ao início do mês e aí sim, temos razão para ficar ansiosos, desejando que os dias passem depressa e as contas tardem em chegar. "Olha, sinceramente! Isto não pode ser senão um sinal dos tempos: começo um texto todo simbólico, cheio de poesia e acabo a pensar como é que vou comprar leite e pão para amanhã. Filha da puta da crise, já não se pode ser criativo!"




É preciso fazer alguma coisa, caraças!, disse com uma fúria inusitada. Isto não pode continuar assim, estamos fartos de ser pisados, fartos desta propaganda terceiro mundista, fartos de sermos ignorados. Porra! Suspirou, uma, duas, três vezes. E continuou a manifestar a sua profunda revolta. Isto não pode continuar assim, temos que fazer alguma coisa. As chuvas acabaram com a nossa cidade, a irresponsabilidade e a intolerância parecem ter tomado conta dos responsáveis, não pode ser! Todos concordaram com aquele homem, que sabia falar, tinha uma capacidade de argumentação acima da média, um futuro líder deste país, não haja dúvidas. E como futuro líder ficava deliciado ao ver o efeito que conseguia com as suas palavras, os olhares admirados, as cabecinhas abanando para cima e para baixo em sinal de concordância a cada nova frase emitida para o espaço circundante. Voltou a suspirar, uma, duas, três vezes satisfeito consigo próprio, com o resultado alcançado. Tinha conseguido impressionar, novamente. Levantou-se basofo, bebeu o resto do whisky velho (25 anos!) que ainda tinha no copo com um sonoro ahhhh, com pena de ter que sair daquela nova esplanada, sem dúvida o lugar mais in da capital. Mas tinha que ser: por causa da lama, o seu jipe último modelo estava muito sujo, tinha que ir para a oficina, ser revisto e lavado, não havia desculpa um gajo como ele, sempre preocupado com tudo e com todos, andar pela cidade com o carro naquele estado lastimável.




Onde estás quando mais preciso? Será assim tão ridículo cantar o amor quando precisamos dele? O amor não se precisa, é. Resta seduzir a poesia, lembrar em Álvaro de Campos, que escreveu: todas as cartas de amor são ridículas, com mais razão escreveu que ridículas são aquelas pessoas que nunca as escreveram. Vem, meu amor. Um espaço vazio é um espaço puro pronto para ser preenchido, não é? Então vem, fica, aguarda, dá-me e dá-te, deixa resquícios de memórias que possam ser revelados em situações inesperadas com o leve sorriso das lembranças entrelaçadas. As lembranças entrelaçadas. Inesperadas. E preenche, preenche-me, volta, fica, aguarda, vem, lembra, viaja e me envia essa dávida única de quem sabe e pressente o quanto preciso de tudo, de tudo, de tudo. Mas é preciso ter calma, não é? Não vamos cair no ridículo, pois não? Mãos são mãos em qualquer lugar. Se encontram em qualquer estrada, se tocam em qualquer beco perdido, se deixam descobrir em qualquer instante. Em qualquer instante. Num beco perdido, em qualquer instante. Vem, fica, pensa, vive, vive-me.






Um homem só, numa sala fechada com paredes metálicas à prova de som. Uma mesa e uma cadeira. O homem está sentado na cadeira. À sua frente, na mesa, uma folha de papel, uma caneta. Silêncio. O som de uma chave. A única porta existente abre-se. Entra um segundo homem.

- Então, já está?
- Já está o quê?
- O texto que tens que escrever, onde está? Essa folha continua em branco.
- Pois...
- Pois, uma porra! Tens que escrever!
- Mas...
- Nem mas nem meio mas. É um processo muito simples. Pegas nessa caneta e nessa folha e escreves.
- Mas escrevo o quê?
- Ainda não entendeste?
- Não.
- Escreves qualquer coisa.
- Qualquer coisa?
- Qualquer coisa.
- Qualquer coisa, como?
- Porra! Qualquer coisa, homem. Um romance, um poema, uma crónica, um blogue, uma crítica, um desaforo, qualquer coisa.
- Mas...
- Olha, estou a perder a paciência. Não tenho mais nada a sugerir-te a não ser isto: - [coloca uma pistola sobre a mesa] - se daqui a 15 minutos continuares sem produzir nada, dá um tiro nos cornos. Vai ser melhor para ti.
- Um tiro...
- Sim, um tiro. Bem no meio da testa. Não te preocupes com a sujeira. Depois limpamos tudo. Já estamos mais do que habituados, limpar a merda que os outros fazem. [Dirigindo-se para a porta]. Então já sabes...
- Estou sem nenhuma ideia. Vazio. Completamente vazio.
- [Por enquanto que sai] Olha, queres uma sugestão? Escreve sobre o estado da Nação. Está por este dias a ser discutido na Assembleia Nacional. Dará, certamente, uma excelente crónica.

O homem sai e fecha a porta. Ouve-se a chave que roda. Silêncio. Naquela sala fechada, de paredes metálicas à prova de som, apenas uma mesa e uma cadeira. Na mesa, um papel, uma caneta e uma pistola carregada.

- Escrever sobre o estado da Nação...

Pega na pistola e dá um tiro bem no meio da testa. Silêncio.




"Essa noite, que teve tanto de inesperada quanto de inesquecível, tinha sido tudo menos planeada. Foi um doce que caiu do céu, como se costuma dizer, era ver-lhe o sorriso estampado no rosto, meio aparvalhado, algo se havia modificado no mais íntimo da sua individualidade, agora sabia ser verdade quando ouvia dizer que depois de se fazer amor pela primeira vez, ficamos diferentes sem que tenhamos que dizer que algo mudou no nosso aspecto exterior, é um brilho nos olhos, uma confiança na forma de caminhar, uma relação diferente com a própria vida, enfim, a uma porta descomunal escancarada dessa forma ninguém consegue ficar indiferente, há todo um campo novo e vasto que se abre em frente dos nossos olhos, fascinante para uns, perturbante para outros, um mundo por uns maldito, por outros bendito. Nele foi como uma luz que se acendeu, essa mesma luz que lhe permitia olhar para o rosto tranquilo da mulher que dormia imperturbável a seu lado, que exagerado que eu fui, até que é bem bonita, tem um corpo que não é nada de se deitar fora, maneira um pouco grosseira de colocar a questão, admita-se, corpos não são propriamente objectos descartáveis que se deitam fora definitivamente ou para reciclagem quando o padrão foge do minimamente aceitável, mas só conseguia era olhar para ela e sorrir para si próprio, já está, pensava triunfante, não no mesmo sentido de quem ganha a lotaria, mas de quem conseguiu realizar uma das viagens dos seus sonhos mais secretos, assim pensava e observava, em paz consigo e com o mundo. Como se disse, praticamente não falaram um com o outro durante todo esse período, e ele estava agora olhando para ela, a cabeça segura pelo braço, a outra mão mexendo muito ao de leve nos cabelos da sua amante, sem poder precisar quanto tempo se manteve naquela postura, não sentia os minutos a passar, sentia só uma enorme gratidão por ela, eram verdadeiros e sentidos os carinhos que lhe ofertava, e foi então que ela, quase sem se mexer, abriu os olhos e olhou para ele que já os tinha à muito pousado nos dela. Estás bem, perguntou ela. Muito bem. A sério. A sério, e tu. Muito sabe, disse sorrindo. Naquele preciso instante ele teve a certeza que tinha feito amor pela primeira vez com a mulher mais bonita do universo."






(Primeira parte, aqui)

Esperou, esperou e nada acontecia. Recitou de cor a peça "À Espera de Godot" e como seria de esperar, Godot não veio. Mas sabia que não estava louco. Não estava. Ele tinha visto o que tinha visto e nada o faria pensar de forma diferente. Os óculos não enganavam. Mindelo estava invadido de seres estranhos, com caveiras metálicas, e corpos em forma de gente, e apenas com aqueles óculos seria possível perceber quem era quem.

Depois de uma longa espera que lhe pareceu uma eternidade, ganhou coragem e resolveu telefonar a uma amiga de confiança. Ela era mesmo a única pessoa em quem ele realmente confiava na vida. Ligou o telemóvel, certo de que aquela chamada, se não caísse na caixa do correio, ira ser interceptada. Se houvesse uma enorme conspiração, certamente a companhia dos telefones estaria no centro das operações. Mesmo assim resolveu arriscar. 

"Vem cá depressa. O caso é grave", revelou. Pouco depois a amiga chegou e quando viu o companheiro naquele estado de ansiedade, e a casa virada de cabeça para baixo como se por ali tivesse passado um tornado, temeu o pior. Mas nem ela escapou ao teste definitivo. "Fica aí e nem penses em mexer-te, senão acabo contigo sem contemplações." Ficou renitente e até chocada com aquela violência verbal tão inédita quanto inusitada, mas o rapaz lá colocou os óculos e verificou, para seu enorme alívio, que a amiga não fazia, pelo menos por agora, parte deste esquema gigantesco. "Percebo agora porque é que ninguém faz nada. Ninguém quer saber. Ninguém diz nada. Ninguém reage. Está tudo adormecido. Qual crise qual quê! Isto está tudo dominado por uma corja que anda aí disfarçada, tu nem imaginas, eu com estes óculos posso muito bem ver quem é quem. Ah, mas a mim não me apanham eles, eu sei muito bem o que se está a passar!" 

E lá continuou frenético a despejar um enredo que para a sua amiga não fazia qualquer sentido e se bem já o tivesse como a pessoa mais desconfiada que conhecia, nunca pensou que algum dia o pudesse ver naquele estado de quase demência. "Empresta-me esses teus óculos milagrosos, para eu tirar esta história a limpo. Já sei que vou ficar ridícula com eles em plena morada, mas para que saias desse transe, todo o esforço é bem-vindo." O pragmatismo e o sentido prático das coisas sempre fora uma das suas mais elogiadas características. 

E embora muito contrariada pelo amigo, lá saiu à rua. Respirou fundo, colocou os óculos especiais e olhou em volta, pronta para tudo. Nunca acreditou em gongons, não ia ser agora.




P.S. Qualquer semelhança com a realidade, não passa de pura coincidência. Naturalmente.
P.S. 2 To be continued





Quando acabou de ver o filme "They Live" de John Carpenter, estava deveras impressionado. Aquele enredo, onde o protagonista descobre uns óculos especiais que uma vez colocados, para além de nos fazer ver o mundo a preto e branco, nos permite distinguir os humanos normais, dos extra-terrestres, seres ignóbeis com cara de caveira, que estão a invadir a Terra com o objectivo de dominar por completo o planeta, deixou-o a pensar no quanto podemos ou devemos confiar nas pessoas hoje em dia. Aquilo era uma conspiração à escala universal! E quem sabe se...

Por acaso, nesse mesmo dia, recebeu uma encomenda que após o visionamento do filme, foi buscar aos correios. Não queria acreditar: dentro de uma caixa, e sem qualquer outra explicação, encontravam-se uns óculos escuros, daqueles muito modernos, enormes e extravagantes, que nos fazem parecer moscas verjeiras em corpo de gente. Alguém estava a brincar com ele, só podia! Que coincidência! Bem, melhor mesmo é colocar os óculos e sair para a rua, decidiu.

Assim fez. Colocou os óculos e qual não foi o seu espanto, para não dizer profundo choque, quando verificou que tudo o que via através dos óculos misteriosos estava a preto e branco. E não só: tal como no filme que acabara de visionar, algumas pessoas, melhor, quase todas as pessoas, apareciam com cara metálicas horrendas e assustadoras! Ficou aterrado. Na Rua de Lisboa, em pleno centro da cidade do Mindelo, foi o cúmulo porque através dos óculos não havia um único mindelense que não se tivesse já transformado em extra-terrestre.

Correu para casa, desligou o telemóvel, o telefone, e qualquer contacto com o exterior. Pregou placas de madeira nas janelas e empurrou móveis contra a porta da entrada. Ficou paranóico. Sentou-se na porta de casa, em estado de choque, a cantar o Apocalipse, sem mais nenhuma reacção. À espera simplesmente, que o viessem buscar. Decidido, no entanto, que não iria sem dar alguma luta. Filhos da puta!




P.S. Qualquer semelhança com a realidade, não passa de pura coincidência. Naturalmente.
P.S. 2 To be continued
 



Foram descobertas em local identificado perto da aldeia de Salamansa, na ilha de S. Vicente, umas escavações com ossadas, cuja origem e data não se sabia ao certo. Esse conjunto de ossadas tinha uma característica espantosa e que nenhum dos maiores especialistas mundiais da área que visitaram o local em romaria, conseguiu explicar: era apenas constituído por costelas.

Foram enviadas amostras para vários dos maiores laboratórios do planeta e os resultados vieram confirmar a importância deste local, denominado pelo National Geographic, não sem uma ponta de inveja, como "o umbigo do Mundo". Dessas análises ao DNA, estudos de Carbono 14 e outros similares, com a ajuda de programas de computador altamente sofisticados, ficou-se a saber que estas costelas pertenciam a algumas das mais importantes figuras da história da Humanidade: uma costela do tetravô de Barack Obama; uma costela de Napoleão; uma costela de Mozart; uma costela de Gandhi; uma costela de Fernando Pessoa e, a maior descoberta de todas, uma costela de Jesus Himself.

Por isso, a notícia de que o melhor jogador do mundo terá deixado uma costela sua plantada, numa das passagens que fez pelas ilhas de Cabo Verde, não espantou ninguém. O próprio Pelé comentaria para os jornalistas: "é uma terra maravilhosa, ideal para as costelas de qualquer mortal. E quanto mais famoso for o dono da costela, melhor." Sabe-se que ele e o Maradona, inimigos de vida, já consultaram os respectivos advogados no sentido de conseguir que pelo menos uma costela de cada um seja plantada em solo cabo-verdiano.

As costelas de Cabo Verde passaram a ser, juntamente com as perfeitas bundas crioulas, os principais argumentos utilizados pelas agências de viagens internacional, para transformar as ilhas num destino turístico ainda mais desejado. "Venha e plante a sua costela" é um dos lemas da última campanha governamental.


P.S. Qualquer semelhança com a realidade, não passa de pura coincidência. Naturalmente.



Quero lá saber do Parlamento e dos jornais, dos cronistas e da destruição do património histórico, do ministério da cultura e dos seus funcionários, ou das grandes reuniões onde mentes brilhantes disputam entre si os cinco minutos de fama já largamente ultrapassados noutras ocasiões similares; quero lá saber do Obama, da crise económica, do preço do barril de petróleo, das falcatruas dos banqueiros, dos ataques terroristas, das grandes cheias ou do buraco de ozono; quero lá saber que não haja espaço para o debate, para o contraditório, para o erro, para o romance, para o silêncio, para o arrebatamento, para a exigência, para a autoridade, para o direito à opinião, para a humildade artística, para as loucuras em jardins e cafés cheios de gente adormecida; quero lá saber dos juízes que não se renovam, dos engenheiros que não se controlam, dos advogados que não se envergonham, dos polícias que não se impõem, dos militares que não conseguem explicar a necessidade da sua existência, dos políticos que não se esforçam, dos economistas que não se fazem entender, dos deputados que não evoluem, das elites que inexistem sem o pedestal e os pés de barro; quero lá saber das invejas, das meias palavras, dos segundos sentidos, das metáforas, das piadas espirituosas, dos labirintos, dos jogos psicológicos, das hipocrisias, das mentiras, das pancadinhas nas costas ao virar das esquinas da cidade. Hoje, vou ao teatro celebrar a vida e o amor. Amanhã, quem sabe, acordarei para a realidade.





Quando acordei estava ligado a uma série de tubos e um cheiro horrendo cobria toda a atmosfera, aquele odor que sempre toda a minha vida havia detestado e evitado a todo o custo. O cheiro de hospital. Fiquei apavorado, era só o que me faltava, vir parar assim aqui, sem mais nem menos, sou um tipo saudável, nunca tive problemas de saúde, pode lá ser uma coisa dessas. O seu coração está com problemas, disse-me uma enfermeira com o rosto embaciado, quem sabe uma daquelas deusas fenomenais da Anatomia de Grey. Problemas? Que problemas? O caso é grave, falta-lhe um pedaço, há um canto do seu coração que já não funciona como devia e tem que ser trocado, sei lá, sou apenas uma enfermeira, o doutor depois explica-lhe melhor. Mas não pode ser, não pode ser. Então ando eu a treinar no ginásio que nem um louco, estou aqui com uns peitorais de fazer inveja a muito desportista, corro, nado, escalo e faço amor pelo menos três vezes por semana, não fumo, não bebo para além da conta, isto tudo só pode ser um lamentável equívoco. Não é não. Vamos ter que operar e não sei, convém mesmo que se prepare para o pior, que é como quem diz, viva e aproveite o melhor que pode os momentos que lhe restam, nunca se sabe o que pode acontecer ao virar da esquina. Foda-se! Isto não pode ser bom. Acordei.





Levâm ma bô. Foi assim, sem mais nem porquê que ela quase suplicou que ele a levasse dali. Mas porquê, não entendo. Aqui tens paz, tens tempo, tens espaço, tens qualidade de vida. Levâm ma bô. Um abraço mais apertado ainda, uma mão numa perna. Mas tens a certeza que é isso que queres? Aqui tens mar, tens Sol todo o ano, tens razoáveis condições de saúde, tens como educar o teu filho. Levâm ma bô, un ka krê sabê. Desta vez era um aperto urgente, como quem quisesse desnascer, para de novo surgir no mundo dos vivos, mas num outro local qualquer que não esse lugar inóspito, ventoso e sem perspectiva de futuro, para além do facto de saber que num próximo fim-de-semana, aplicará toda a sua arte e sabedoria para tornar-se irresistível, sair à noite como uma sereia de duas pernas, cheirosa, decote saliente e um sorriso que transparecesse uma felicidade que nunca existiu. E à primeira oportunidade, aquele abraço, aquele apelo desesperado. Agora calá boca e levâm ma bô.


Imagem: fotografia de negateven




«Como havia previsto, ele não dormiu nada nessa mesma noite inefável em que a conheceu, os seus pensamentos estavam mais rápidos, perturbadores e inoportunos do que nunca, previsões futuras confundiam-se com memórias passadas, nessas horas tardias, deitado de barriga para cima, olhos fixos no tecto branco do seu quarto, congeminou múltiplas possibilidades de infinitas ocorrências, mediu e tornou a medir, quantitativa e qualitativamente, o grau de esperança a que podia almejar, espreitou por todos os ângulos possíveis e imaginários todos os contornos daquela história, tentando prever o imprevisível, adivinhar o inesperado, decifrar o indecifrável, prognosticar o imprevisto, tudo para velar, com todas as suas forças, aquele amor frágil, como são todas as coisas acabadas de nascer.»


Imagem: «beyond the sea b» de David J. Nightingale