Um Café com a classe média

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Costuma-se dizer que a classe média é uma espécie de barómetro social que, entre muitas outras características, é a mais sacrificada na aplicação de políticas fiscais do Estado ou é aquela que decide os resultados das eleições. Em Cabo Verde, só recentemente podemos afirmar que temos uma classe média, pois para esta existir é fundamental que haja também uma classe mais abastada acima do seu nariz, o que só mais recentemente, com o advento da aplicação das políticas liberais capitalistas e o desenvolvimento de alguns dos negócios do século (entre os quais os ligados ao narcotráfico), se tornou realidade no país. Hoje sim, podemos dizer que temos em Cabo Verde uma classe média com existência real e significado sociológico, pois que os seus membros já tem para quem ver quando olham para cima, já tem quem invejar e o que almejar para o seu futuro a curto-médio prazo: sair da condição miserável de membro da classe média e atingir, finalmente, o oásis dos novos ricos cabo-verdianos.

Claro que isto tudo tem latente, para quem ainda não tenha percebido, uma ironia que reflecte o actual estado de coisas e permite a partilha de uma das mais inovadoras e divertidas descobertas da blogosfera dos últimos tempos: um blogue dedicado a esmiuçar - diria mesmo, a autopsiar - a classe média (brasileira, neste caso, mas muito do que ali está se aplica ao nosso caso, o que nem é para admirar). Esta pérola tem a designação The Classe Média way of live e os seus textos são divertidos e poderosos. Alguns exemplos (títulos da minha responsabildiade):

1. Como encara o cidadão da classe média a possibilidade de um filho seu ir para a tropa: "Muitos pais de família medioclassistas guardam boas lembranças da época do serviço militar obrigatório. Normalmente o período é tido como uma fase de grande aprendizado e da conquista de boas amizades. Mas quando o patriarca pensa em seu rebento pós-adolescente às voltas com a possibilidade de enfrentar as situações que conhece bem, imediatamente aciona os mecanismos de superproteção em seu cérebro medioclassista. O Papai Classe Média sabe muito bem que aquelas mãos de pele fina, acostumadas apenas ao videogame, não são adequadas ao manuseio de fuzis, e aquele físico nada avantajado de “filho de apartamento” não é adequado para as flexões e para os terríveis cangurus diários. Imagine então ter que acordar o menino todos os dias de madrugada!"

2. Como encara o cidadão da classe média a questão da pena de morte: "Como representante da gente de bem deste País, o membro da Classe Média é contra a violência e pode provar isso, com muitas fotos em que veste branco nas “passeatas pela paz”. Mas quando se traz à baila o assunto “pena de morte”, normalmente se encontra na Classe dois tipos de posicionamento: os simpatizantes e os defensores."

3. O cidadão da classe média e o espírito de manada: "Um verdadeiro membro da Classe Média precisa estar em sintonia com seu grupo social, principalmente quando se trata do “instinto de manada” que lhe é característico. Como qualquer rebanho, este instinto é um recurso que o grupo possui para manter e perpetuar seu modo de vida, mesmo em qualquer adversidade. Como forma de justificar tudo o que faz de errado, ilícito, fora do padrão ou desaconselhável, ou mesmo algo que nada tem de errado, mas não se tem a mínima vontade de fazer, o médio-classista sempre pode apelar para o velho argumento: “todo mundo faz, então não tem problema se eu fizer”. (...) As aplicações para esta ferramenta são muitas: estacionar em fila dupla, comprar um produto que não precisa, deixar de assinar a Carteira de Trabalho da empregada, comer no McDonalds, sonegar imposto, beber e dirigir, gostar de música sertaneja."

4. O cidadão da classe média é, por definição, um sofredor e deve saber divulgá-lo: "Uma coisa que o aspirante à Classe Média tem que saber: dizer a todos que leva uma vida difícil. Na lógica médio-classista, sofrer de estresse com o trabalho e martirizar-se pagando impostos para manter o carro e a empregada faz com que a pessoa emane respeito e admiração. Por isso, nada melhor do que tornar-se um deprimido para em seguida poder tornar pública esta condição. A melhor maneira de mostrar a todos que você carrega o mundo nas costas é ser consumidor de antidepressivos de tarja preta."

Os exemplos são muitos e devo confessar que vergonhosamente me vi retratado em algumas das situações referenciadas, enquanto membro de uma classe média crioula invejosa, recalcada e desejosa para subir de posto e poder ter condições para, finalmente, comer no Poeta mais do que uma vez por mês e ir ao Kapa todos os fins de semana sem se preocupar com quantos uisquis (graças a Deus a classe média consome cerveja importada) vai consumir ou mesmo oferecer, isto sem falar de férias em destinos um pouco menos rascas que Fortaleza ou as Canárias que esses, desde que os TACV se lembraram de fazer voos directos, passaram a ser lugares banais, para não dizer outra coisa.



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4 comentários:

Unknown disse...

Não esquecer que há classes intermédias: a média-baixa e a média-alta ou seja, a dos quáse pobres e a dos quáse-ricos...Entre uns e os outros existe um abismo de marcas de luxo, de olhares de soslaio, de cima para baixo e vice-versa, mas é entre essas duas que se aloja o centro vital das sociedades capitalistas de cuja virilidade financeira dependem.

Departamento de Português disse...

Excelente. Gostei imenso deste artigo; obviamente sou classe média, ou como também se diz, para não ficar muito envergonhado, classe média-média. Eu gosto do termo "pequena burguesia cultural", mas há pessoas que ficam apavoradas.

José Maria Durán

Amílcar Tavares disse...

Segundo relatos, também gostam de fazer compras no Colombo.

Carla disse...

Amilcar
As compras é no "Kilombo", como diria uma amiga minha.
e hoje em dia a classe média-alta (Ou quáse-rica) pefere o El Corte Inglês. é que o Kilombo encheu-se de pretos.....