Café Cinematográfico

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A referência a este filme não é ocasional. Acabamos de saber que na cidade da Praia, dois homens encapuçados invadem um bar de um bairro da capital e matam dois homens à queima-roupa. Um deles fica com a cabeça desfeita. Armas de fogo, muitas delas artesanais, circulam pelas ruas de forma assustadora. Um destes dias, se juntarmos as condições de ensino com esta cultura da violência, não poderemos ficar admirados, se uma tragédia acontecer.

Numa escola secundária em Portland, Oregon, dois adolescentes matam alunos e professores, suicidando-se de seguida, numa tragédia cuja motivação é aparentemente banal.

Esse é o ponto de partida do filme Elefante de Gus Van Sant que pretende discutir o que aconteceu na Columbine High School em 1999, nos EUA. Van Sant parece querer limitar-se a descrever o quotidiano dos adolescentes da escola na tentativa de, a partir daí, retirar possíveis pistas que poderiam explicar as motivações de tão bárbaro crime. Os tradicionais culpados, como os violentos jogos de video e familias desajustadas, são de certa forma descartadas como as únicas causadoras dos desvios de condutas, pois se um dos assassinos se diverte nos jogos de guerra, outro dedilha peças de Beethoven ao piano.

Mas o filme, além da temática, apresenta soluções formais inovadoras e criativas ao mostrar as mesmas cenas ao longo filme do ponto de vista de vários personagens, utilizando prolongados planos onde cada um dos personagens é «seguido» pela câmara. Parece que estamos a ver a mesma cena várias vezes, mas a partir de olhos diferentes. Todos os alunos que a câmara «persegue» serão, no culminar do filme, vítimas do sangrento atentado.

Elefante dá que pensar. No fim, ficamos a olhar para os créditos, atónitos, digerindo a um tempo aquele turbilhão de imagens. Um grande filme. Obrigatório.




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6 comentários:

Anónimo disse...

Com este argumento é obrigatório sim. Quanto ao tragédia ocorrida na Columbine High School, com certeza tem subjacente outros factores e um deles com certeza é o "bullyng" (comportamentos e atitudes agressivas intencionais e repetidas). Os autores deste acontecimento podem ter sido vítimas do bullyng durante muito tempo e depois quando resolveram mudar a situação, movidos pelo desespero e medo, atingiram inclusive quem não teve culpa. É um problema mundial e muito sério, presente nas escolas, que ainda bem tem tido mais atenção dos especialistas da educação, que têm encontrado relações entre o bullyng e acontecimentos como este.

Unknown disse...

Mesmo a sério, Sisi. Temo que este acontecimento horrendo possa um dia vir acontecer num dos nossos liceus. Já faltou mais...

Alex disse...

Os problemas sociais são como os problemas de saúde. Dão sempre sinais. Umas vezes ignoramo-los, seja por pura negligência, seja porque julgamos que AINDA é cedo e temos muito tempo, seja porque não nos apercebemos deles como problemas potenciais. Outras, quando resolvemos dar-lhes atenção, descobrimos que se trata de um "câncro" em estado terminal. Idividualmente ou socialmente, é assim que acontece. É tudo uma questão de leitura, caso contrário ficamos paranóicos.
ELEFANT foi Palma de ouro em 2003, tal como o "Bowling for Columbine" do Michael Moore em 2002, foi Óscarizado e Palmeado em Cannes(não foi a Palme D'Or). Eu cá prefiro o cineasta ao documentarista, mesmo reconhecendo alguma pedagogia utilitarista-choque de Moore.
ELEFANT mostra-nos o inevitável. Devolve-nos a perplexidade de Columbine. Diz-nos simplesmente, estes passos, estes olhares, são os dos vossos filhos. O horror, e a tragédia, caminha com eles, com a mesma naturalidade que as mochilas que eles carregam. Genial, mas terrível, não é? Quase não dá para acreditar. Mas acreditem é mesmo assim.
Qual é a fronteira que nos separa da catástrofe? Onde e quando acontece o Clique mortífero? Dito de outra forma, haverá forma de "policiarmos" o que vai na cabeça das pessoas. A verdade é que há sempre um momento anterior, algures nas nossas vidas, na relação com os nossos filhos, amigos, vizinhos, há sempre um momento preciso da nossa distracção, em que viramos a cara para o lado errado, em que (quem sabe, cansados) fingimos não ver, que a tragédia já aconteceu e vem a caminho, como um rio enfurecido, um tsunami, ou uma manada em fuga, pronta para atropelar quem lhe aparecer pela frente.
Daria pano para mangas. A nossa relação com o que nos rodeia é de perfeita e total indiferença. Só nos "incomodamos" depois da tragédia, com aquele ar estupidefacto de quem não sabia, ou não estava à espera. E não passa só pelas pessoas. O Estado, o Status Quo, também prefere que assim seja. Nada é por acaso. É que assim eles "demonstram-nos" como um teorema, o quão necessária é a Polícia, e benéfica a repressão, de entre outros métodos de controlo da liberdade. É MAIS FÁCIL POLICIAR, REPRIMIR, CONTROLAR, do que ir à raíz dos problemas. Sai muito mais barato, e o tal Status Quo até nem importa de a pagar.
ELEFANT? Columbine? Putos com armas? Violência à nossa porta?
E o resto? Nada disto cai do céu aos trambolhões, nem é fruto do acaso.
A miséria (social, cultural e humana) não explica tudo. O seu oposto, o bem estar social e o nível de vida elevado tb não. Onde está o mal?
O teu cartoon mais acima ajuda a explicar muita coisa. Andamos adormecidos, e anestesiados ao que é essencial. Vivemos empaturrados de coisas supérfluas, que têm por única missão alimentar a nossa desatenção. Não, não se trata de ócio. Santo ócio.
ELEFANT é um grande filme, um filme sintoma. Incómodo como deve ser. Mas só para quem o vir, e estiver atento. Caso contrário é um filme "chato", claro! E ele ser um filme chato, já faz parte do sintoma.
Lá se foi o meu sábado.

Abç'ZC

Unknown disse...

ZCunha, posso fazer deste teu último comentário um post? está muito bom, e vale o destaque. Abraço!

Alex disse...

Saiu com alguma raiva. Mas raiva benéfica. É daqueles filmes que deveria ser visto obrigatoriamente nas Escolas, por alunos, prof's e Pais, e debatido a seguir (com sociológos, psicólogos, filósofos, antropólogos, políticos, ... a assistir).
Mas a raiva não tinha só a ver com esta nossa impotência face às inevitabilidades.
Explico-me. No outro dia o Djinho Postou sobre o tema da Lusofonia. Está lá o que eu disse a respeito. Ninguém pegou na coisa. Sinceramente este desinteresse por temas que valem a pena uma boa discussão não me deixa frustrado, deixa-me FODIDO de todo! Como podes ler, saí em defesa da Lusofonia, porque acho que é uma boa ideia, se despida de folclore, oportunismo, paternalismos, e outras merdas que tais.
Quase que tenho de dar razão aos cépticos, àqueles que não acreditam nessa merda. É que alguns estão mesmo decididos a dar cabo dela (da Lusofonia), a brincar com ela, e brincando com ela é brincar connosco, os que nela acreditam e estão apostados a que dê certo, sem o mínimo pudor, vergonha, ou consideração.
Para perceberes tudo terei de te mandar dois textos que rabisquei sobre o assunto, e se quiseres fazes com eles o que entenderes. TAL COMO O COMMENT SOBRE 'ELEFANT'. O que aqui comento é teu. Eu é que agradeço a consideração.
Amanhã, ou segunda, explico-me melhor, mas para o teu mail pessoal.
Ab
ZC

Unknown disse...

Espero os teus textos e 2ª feira vou fazer um post com este teu comment. Vamos lá discutir estas coisas... Cabo Verde está a ficar um local onde começa a ser possivel, ou melhor, provável que tragédias como estas possam vir acontecer.