Cafeína

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«Apenas as palavras quebram o silêncio, todos os outros sons cessaram. Se eu estivesse silencioso, não ouviria nada. Mas se eu me mantivesse silencioso, os outros sons recomeçariam, aqueles a que as palavras me tornaram surdo, ou que realmente cessaram. Mas estou silencioso, por vezes acontece, não, nunca, nem um segundo. Também choro sem interrupção. É um fluxo incessante de palavras e lágrimas. Sem pausa para reflexão. Mas falo mais baixo, cada ano um pouco mais baixo. Talvez. Também mais lentamente, cada ano um pouco mais lentamente. Talvez. É-me difícil avaliar. Se assim fosse, as pausas seriam mais longas, entre as palavras, as frases, as sílabas, as lágrimas, confundo-as, palavras e lágrimas, as minhas palavras são as minhas lágrimas, os meus olhos a minha boca. E eu deveria ouvir, em cada pequena pausa, se é o silêncio que eu digo quando digo que apenas as palavras o quebram. Mas nada disso, não é assim que acontece, é sempre o mesmo murmúrio, fluindo ininterruptamente, como uma única palavra infindável e, por isso, sem significado, porque é o fim que confere o significado às palavras

Samuel Beckett, in «Textos para Nada»

Imagem: fotografia de Cesar Schofield\série fotosintizi




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4 comentários:

Anónimo disse...

Muitas vezes esquecemo-nos do poder das palavras e principalmente do poder do tom em que elas são ditas.

Abraço!

Unknown disse...

E muitos se esquecem do poder demollidor do silêncio...

Alex disse...

Pois é João. Já te mandei, por mail, o tal conto. Este texto tem quase tudo a ver com ele, com a forma como devemos lê-lo, senti-lo, escutá-lo.

Bela foto César. De repente, senti-me a passear pelas margens do Coa (Foz Coa) namorando extasiado as figuras furtivas lavradas na pedra.
Para quando uma galeria tua na Net. Aonde é que podemos espreitar, roubar, usar, e já agora, AMAR os teus trabalhos, se preciso for, até às lágrimas.
Obrigado por esta (tua) Arte Maior de espreitar o mundo.
Abç's
ZCunha

Unknown disse...

ZCunha: 1. vou ler atentamente, em silêncio e de mim para mim; 2. também penso que o Cesar já devia ter um espaço onde partilhasse o seu talento.