Quem morre?

14 Comments


    Morre lentamente,
    quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música,
    quem não encontra graça em si mesmo.

    Morre lentamente,
    quem destrói o seu amor próprio, quem não se deixa ajudar.

    Morre lentamente,
    quem se transforma em escravo do hábito,
    repetindo todos os dias os mesmos trajectos, quem não muda de marca,
    não se arrisca a vestir uma nova cor, ou não conversa com quem não conhece.

    Morre lentamente,
    quem faz da televisão o seu guru.

    Morre lentamente,
    quem evita uma paixão,
    quem prefere o preto sobre o branco e
    os pontos sobre os “is” em detrimento de um redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos,
    sorrisos dos bocejos,
    corações aos tropeços e sentimentos.

    Morre lentamente,
    quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho, seu amor,
    quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho,
    quem não se permite pelo menos uma vez na vida fugir dos conselhos sensatos.

    Morre lentamente,
    quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante.

    Morre lentamente,
    quem abandona um projecto antes de iniciá-lo,
    não pergunta sobre um assunto que desconhece,
    ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

    Evitemos a morte em doses suaves,
    recordando sempre que estar vivo
    exige um esforço um pouco maior que o simples facto de respirar
    .

    Pablo Neruda

    Imagem: fotografia de Maria José Amorim




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14 comentários:

velu disse...

SIMPLESMENTE DIVINAL! GRANDE PABLO!
Abraço João.

Anónimo disse...

Morre lentamente, quem ñ sabe aproveitar as pequenas grandes coisas da vida.

Abraço!

Unknown disse...

Velu: este é para mim um dos mais belos poemas jamais escritos na história da literatura. Não me canso de (re)ler. Uma verdadeira lição em forma de poesia.

Sisi, a tua frase resume aquilo que o poema pretende transmitir.

Alex disse...

Nem de perto nem de longe um dos melhores do Plabo. Não sei se já reparaste, mas hoje é dia de espírito de contradição.
Abç
ZC

PS- O mal do Pablito é que ele escreveu demais. E as jóias (as verdadeiras) vão ficando perdidas lá pelo meio do pechisbeque. Mas gostos não se dicutem, não é verdade! Quando inaugurares a prometida Biblioteca de Babel aí no teu Café mando-te o meu Pablo Neruda. Até lá, que remédio, vou mesmo morrendo lentamente.

Anónimo disse...

Di mas.
E mesmo de virar hino pessoal.

Obrigado pelo poema e o que despertou em mim.

Sara

Unknown disse...

ZCunha, duas observações e um remate final: as coisas mais simples são muitas vezes as mais belas. O que este poema tem de desarmante é a forma simples como diz, a transformação de lugares comuns em pura poesia, do melhor que li. Seja como for, é como dizes, uma questão de gosto.

Finalmente, pelo que escreves, percebe-se o que lês, o que vês, como vais utilizando os dias que a vida nos dá. Definitivamente, tu não és dos que morrem lentamente. Vai contar essa a outro. Abr.

Sara, foi um prazer.

Anónimo disse...

Teve um efeito em mim...do sagrado/do principio e do fim!
reacreditando!!
Lindo, Lindo esta Poesia.
Sara Barreto

Unknown disse...

É de se (re)ler, sempre, não é? Mesmo que haja clientes como o ZCunha que não se entusiasma por aí além (mas compreende-se; com aquela cultura geral, é muita informação para assimilar!) Abr.

Alex disse...

ZCunha diz: ah, ah, ah, ah!!!!

Unknown disse...

Uma gargalhada cafeana, ZCunha. Com essa dás mais um passo, dos muitos que nos tens mostrado, para mostrar o quando recusas a morrer lentamente. Então como se explica o primeiro comment a este poema? Excesso de modéstia, só pode ser!

Miguel Barbosa disse...

Lendo este poema, CONFESSO QUE MORRI!
mas vou VIVER!

Unknown disse...

Nem mais, MB!

Alex disse...

Só para vos recomendar, mais uma vez hoje, uma visitinha ao blog "MOMENTOS", para a leitura do poema não-nerudiano do Arménio Vieira. Uma esgrima interessante (contrapontística) entre o lirismo encantatório nerudiano e a desconstrutiva ironia armeniana.
O poema do Arménio é um bom digestivo! Está para o texto do Neruda comos as Rennie's estão para os enfartamentos, ou a Sinvastatina para o colesterol.
Ajuda-nos a entender, mas, sobretudo, a digerir melhor.
Ide, e lede!
ZC

P.S.- Esta não é uma provocação ao Neruda.

Unknown disse...

Isto não devia ser dito assim, de chofre, mas cá vai: o Arménio é um génio. E poeta.