Um café com... José Luiz Tavares

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A propósito da «Pergunta Cafeana» do K, o poeta José Luiz Tavares escreveu o seguinte comentário e que, com a devida vénia, passo a transcrever (sublinhados meus):

«Foi uma bela surpresa para mim, este teu blog, João. Da única vez que nos vimos (em setembro de 2004, lembras-te?), tivemos um arranca-rabo civilizado sobre a questão do crioulo.

Como sabemos a questão não é o K, né?

Eu dividiria em três grupos as pessoas que manifestam reservas em relação ao ALUPEC: os prudentes, os de má-fé e os desconhecedores.

Se as pessoas estudassem um pouco mais (mas aprender dá trabalho, não é?) não diriam tantas asneiras como tenho visto por aí (por exemplo, saberiam qual o estatuto das siglas, como ALUPEC, nomes próprios, etc),isso independentemente de serem a favor ou contra o ALUPEC. Acredita que os asneirentos não estão apenas de um lado.

É certo que o K (uma das mais esbeltas letras do alfabeto!) torna a escrita um bocado monótona, mas convenção por convenção...

Em todo o caso, já não se pode usar o argumento (usado não há muito por alguns) que os defensores do crioulo eram umas bestas na escrita em português, porque alguns deles têm obra literária num português que causa espanto até na metrópole, se assim se pode dizer.

Aos interessados recomendo o livro «Proposta de bases do alfabeto unificado para a escrita do cabo-verdiano», da autoria do «Grupo para a Padronização do Alfabeto», editado em 2006 pelo Instituto de Investigação e Património Culturais. Talvez assim se digam menos disparates, e possamos falar com conhecimento de causa, ainda que divergindo.

Um abraço de um admirador do teu trabalho

José Luiz Tavares»

Eu tomei a liberdade de dizer qualquer coisa mais a este respeito. E foi assim:

«Obrigado pelo comentário. Como disse acerca de uma outra «pergunta cafeana», isto não será para levar muito a sério, mas apenas para, tendo a ironia (minha figura de estilo predilecta) como força motriz, irmos conversando sobre algumas coisas, desmistificando, brincando, partilhando e fundamentalmente, nos aproximando uns dos outros.

Não sou linguísta e adoro a letra Kapa. Já fiz duas traduções de peças de Shakespeare para o nosso crioulo e o kapa lá está, imponente. Tenho pena é que o Cê também não esteja. Há simplesmente palavras que me custa abdicar do tradicional «cê de cão». É uma convenção, como dizes, e nada que o hábito não nos consiga tornar monges, mais tarde ou mais cedo.

Aliás, não tenho qualquer dúvida que os teóricos e linguístas que estão na origem da proposta do ALUPEC fizeram um trabalho cientificamente sustentado, rigoroso, empenhado. Isso nunca esteve em dúvida.

Agora, não é a mesma coisa ler as poesias do Sérgio Frusoni tal como ele as escreveu, ou passá-las para um «ALUPEC» puro.

Digo eu.

Aceita este abraço, aqui do Norte!
João Branco»




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3 comentários:

Anónimo disse...

Conversas destas — informadas e tolerantes — agradam-me, João.
O Sérgio Frusoni e os outros socorreram-se do instrumentário que tinham mais à mão, ou seja a língua superstratal – o português. Embora o Paula Brito, na sua «Gramática do crioulo…» de 1888, já propusesse tudo aquilo que o Alupec é hoje, excepto na questão da representação dos sons nasais. Aliás, ele avançou propostas até então desconhecidas da ciência linguística e que só mais tarde vieram a ser adoptadas.
Voltando a questão do Sérgio Frusoni: eu leio com o mesmo prazer as crónicas do Fernão Lopes ou os Sonetos de Camões (traduzi 80 para a língua caboverdiana) quer na linguagem coeva, quer nas adaptações modernas. Isto apenas para dizer que a língua é um corpo vivo, cuja fisiologia e modos de representação gráfica evoluem, ou, no mínimo, se modificam com o tempo.

Anónimo disse...

Olha João coube-me a honra de, no centenário de Sergio Fruzoni, produzir um pequeno texto e não tive dificuldades de entar e estar com o Sergio mindelense que conheci em pessoa. Tavares sublinhou "aprendisagens" temos de o fazer, nós, agora. Na apresentação do meu livro Konfisson na Finata em Mindelo lancei o repto. Escrevam vocês. Manuel de Novas já fez o que tinha para fazer. Que pós Fruzoni em Mindelo? Cadê poesia, prosa?
Eu já disse ao M. Veiga que chegou o momento de se pôr em cima da mesa, não linguistas e tecnocratas das linguas e das gramaticas. Os UTILIZADORES DE TODAS AS ILHAS MAIS AS OBRAS PRODUZIDAS, para se balancear o que é que se tem, o que se fez, para se poder reorientar o processo, que, quanto a mim, precisa de uma sugestiva reorientação. Obg por esta oportunidade. Kabarboza

Unknown disse...

Kaka

Não poderia estar mais de acordo com o teu último comentário.

Acho mesmo o termo que utilizaste «reorientação» a chave para um salto definitivo nesta questão do(s) crioulo(s). Assim como estou contigo, quando falas que é preciso dar voz aos utilizadores. Não teria dito melhor.

E plagiando: um blogabraço!

JB