Foi-me solicitada a divulgação desta nota e não podia deixar de o fazer. É longa mas vale a leitura e uma tomada de posição.

1. A ACCVE (Associação para Cooperação com Cabo Verde), criada em Espanha a 2003 e registrada em Cabo Verde desde 2006, é uma ONG que tem como vocação o desenvolvimento comunitário e a promoção da igualdade e equidade de género;

2. Neste âmbito, na Ilha de Santiago, tem trabalhado mais específicamente com as comunidades de Gouveia, Porto Mosquito, Salineiro e Cidade Velha;

3. Na comunidade de Gouveia, a ACCVE tem focado o seu trabalho na promoção da igualdade e equidade de género onde elegeu um grupo de cerca de 50 mulheres, com idades compreendidas entre 20 e 55 anos, que se dedicavam anteriormente à apanha ilegal da areia como meio exclusivo de subsistência para si e para as suas famílias;

4. Desde a intervenção da ACCVE (2007) as mulheres de Gouveia substituiram a apanha da areia por actividades alternativas geradoras de rendimento, tal como, tecelagem, costura, artesanato, feitura de sabão, patchwork, licores, entre outros.

5.Estes produtos são vendidos na loja "Sulada", gerida por elas com apoio da ACCVE, na Cidade Velha.

6. Esta loja trouxe uma nova e inquestionável dimensão ao turismo local ,pois passsou a ser mais uma oferta de produtos artesanais, neste caso com marca nacional/local, já que o que se vendia anteriromente eram produtos representivos do nossa região africana;

7. Além disso, esta produção e seu escoamento tem tido um grande impacto directo nas suas vidas e nas dos seus familiares em termos de renda e autoestima;

8. Tudo isto foi um processo longo/consistente e que contou com muito investimento (nacional e internacional), precedido de acções de diagnóstico, com técnicas de pesquisa-acção, com envolvimento das populações locais, em todas as fases;

9. Ao mesmo tempo, houve lugar a uma série de actividades de empoderamento das mulheres, nomeadamente alfabetização, formação em auto-estima, cidadania, reforço da democracia, combate à Violência Baseada Género; entre outros;

10. Para que tal fosse possível, a ACCVE levou a cabo um acordo verbal com a então Comissão Instaladora do Munícipio de Santiago, em 2007, que cedeu o espaço do Centro Comunitário de Gouveia, onde puderam, desde então, guardar todos os seus materiais e equipamentos, e levar a cabo a grande parte das suas acções;

11. Com efeito é para lá que as mulheres do projecto "Marra Sulada" diariamente se deslocam para trabalhar na produção;

12. Contudo, a 9 de Fevereiro de 2010, a ACCVE recebeu uma nota assinada pelo Secretário Municipal da Câmara Municipal da Ribeira Grande de Santiago (CMRGS) em que solicitava a desocupação do espaço no prazo de 1 (um) mês para instalação do Centro de Juventude de Gouveia;

13. A 10 de Fevereiro do mesmo ano, a então coordenadora do projecto respondeu pela mesma via que não estavam preparadas para dar seguimento ao pedido explicando as actividades que estavam a ter lugar e solicitando um encontro para negociação;

14. Nessa sequência, houve um encontro (25 de Maio) entre a Presidente, Alice Mascarenhas, e o Presidente da Câmara, Manuel de Pina, em que foi acordada uma solução mista de adequação do espaço, de forma a poder albergar os dois projectos (Centro da Juventude de Gouveia e "Marra Sulada");

15. Paralelamente, o mesmo presidente assinou um acordo em que assumiu o "compromisso com a ACCVE em atribuir-lhe um terreno na região do Alto Gouveia e em autorizar-lhe a construção de um centro multi-usos naquela localidade";

16. Na mesma carta, reiterou ainda "o seu interesse em continuar a reforçar os laços de cooperação e parceria com a ACCVE";

17. Entretanto, os contactos entre os dois foram sempre informais em que o Presidente da CMRGS garantia-lhe sempre que não havia motivos de preocupação;

18. Todavia, e surpreendentemente, a 8 de Fevereiro do corrente ano de 2011 o mesmo Presidente, Manuel de Pina, vem solicitar por escrito a "desocupação imediata (...) e entrega das respectivas chaves", desta vez para albergar o "centro infantil de Gouveia";

16. Nesta sequência, a fechadura do centro foi inclusivamente retirada por funcionários da Câmara Municipal!!!

16. Caros parceiros e parceiras,

17. Facilmente poderão compreender a desorientação e revolta que tal missiva provocou no seio das mulheres da "marra sulada";

18. De forma unilateral e intempestiva, o Presidente da Câmara pretende que as mulheres abandonem o seu local e os seus meios de trabalho, seu sustento, e o das suas famílias, sem que se lhes dê uma alternativa - o risco de vermos estas mulheres novamente a dedicarem-se à apanha (ilegal) de areia é por demais real;

19. Revoltadas e cientes da importância do seu "ganha-pão", as mulheres encontram-se "barricadas" no Centro há cerca de dois dias, para que os seus bens de produção não sejam esbulhados;

20. Este é um projecto que não beneficia apenas as mulheres directamente abrangidas pelas actividades alternativas geradoras de rendimento, mas toda a comunidade da Ribeira Grande de Santiago - é, precisamente, considerado um projecto-sucesso que tem inspirado muitos outros (por todo o Arquipélago!);

21. Pretendemos, por esta via, sensibiliza-los/as a apoiar estas mulheres e este projecto para vermos, em conjunto, que solução e que tipo de apoio imediato e sustentado pode-lhes ser dado;

22. Com efeito, pedimos a todos e todas que se posicionem ACTIVAMENTE: enviando missivas, reencaminhando este email, fazendo declarações, dando apoio jurídico e apoio moral e presencial a estas mulheres; outrossim, buscando soluções alternativas e sustentáveis que possam albergar este tão acarinhado projecto.

Sem mais de momento, grata pela atenção, disponibilidade e solidariedade, envio, desde já, as minhas mais cordiais saudações. Atenciosamente,


Claudia Rodrigues
Presidente do ICIEG
Rua Serpa Pinto nº68
Tel. 2616271
www.icieg.cv






Fotografia de Henry Cartier Bresson, a ilustrar o tema Songs from Different Times, interpretado por Jack Savoretti.

Bom fim de semana




«Na Líbia usou-se a força na tentativa de esmagar a crescente ameaça dos protestos nas ruas contra o regime em vigor no país. Em Tripoli, testemunhas afirmaram, nesta terça-feira, que alguns bairros foram atacados por meios aéreos e mercenários leais ao regime.

Em Benghazi, a segunda maior cidade da Líbia e o centro da actual revolta, caiu nas mãos dos manifestantes. Na cidade foram organizados grupos de vigilantes para garantir a segurança, de acordo com um morador.

Na Time, Vivienne Walt escreve que a Líbia vive um estado de guerra civil no momento e que o número de mortos é difícil de calcular, mas muitas organizações humanitárias falam em mais de 400.»



Comentário Cafeano: não é de hoje. Lembro-me com grande clareza de, nos meus tempos no Instituto Superior de Agronomia, ter participado, activamente e com grande emoção, nas manifestações de protesto depois do massacre de Tiananmen de 1989. Para quê? O poder dos países é medido pelo petróleo e pelo poder económico. Os discursos sobre democracia e liberdade, sejam de Obama, dos principais líderes europeus ou das Nações Unidas são muito bonitos mas esbarram sempre na ditadura comercial que domina o mundo global. Não hajam ilusões quanto ao carácter hipócrita das intervenções indignadas dos principais líderes "democráticos". Ou os sistemas mudam por dentro, como aconteceu recentemente no Egipto ou nada feito. E pensar que a maior parte dos países pode escolher os seus parceiros de cooperação é outra ilusão. Mais uma vez, é a economia que manda. Tem petróleo, tem poder de investir no país? Então que venham. Os direitos humanos ficam para depois.





As pessoas que se referem a si próprios na terceira pessoa sofrem de algum distúrbio mental ou são apenas potenciais jogadores de futebol em final de carreira?

À melhor resposta, ofereço um café






Para quem ainda duvida que na arte, o acto de criação não é um acto de sofrimento e de entrega total, deve ver este filme magnífico. Quem acredita, também deve ver. Extraordinária interpretação de Natalie Portman, que com este trabalho se coloca como principal favorita a receber o Óscar de melhor actriz deste ano. Fantástica realização: nunca a dança - nomeadamente a dança clássica - foi filmada com esta profundidade, leveza e intensidade. A realização faz-nos ser o ar que esvoaça com cada movimento de cada bailarino, ser o chão onde eles deslizam e sentir, um pouco, as imensas dores que lhe é exigido para dançar com tanta paixão. Obrigatório.





Nha Nacia Gomi, vista pela lente de Omar Camilo



Influx Contemporary Art (Lisboa) apresenta a exposição Do Arco da Velha de Tchalê Figueira - Pintura, Escultura, Poesia, Instalação - de 26 de Fevereiro a 9 de Abril 2011.

Inauguração Sábado 26 de Fevereiro as 18.00 horas







"O estudo da língua cabo-verdiana não prejudica o português", - defende professora. Antes pelo contrário, favorece a aprendizagem da língua portuguesa.

A professora Júlia Pereira comprova esta tese no seu estudo "Alfabetização de crianças cabo-verdianas na língua materna" levado a cabo no âmbito de um doutoramento na Universidade de Extremadura (Espanha).

Ler notícia completa, aqui


Se esqueço a minha língua materna
E as canções que o meu povo canta
Para que servem os meus olhos e as minhas orelhas?
Para que serve a minha boca?
Se esqueço o cheiro da terra
E não lhe sou útil
De que me servem as minhas mãos?
Que faço neste mundo?
Como pude admitir a insensata ideia
De que a minha língua é fraca e pobre
Se as últimas palavras da minha mãe
Foram pronunciadas em evenki?

Alitet Nemtushkin, um poeta evenki (minoria étnica da China)





Dicionário do Diabo Margoso



Educação
Aquilo que revela aos sábios e esconde aos tolos
a sua falta de inteligência.

Ambrose Bierce in "Dicionário do Diabo"




«Em entrevista ao A Semana, Onésimo Silveira, cabeça-de-lista do PTS por S. Vicente, afirma que só se retirará da política com a morte biológica.» (aqui)


A sério? Juro que ainda não tinha reparado. Depois de ter conseguido praticamente o dobro dos votos do místico PSD crioulo, é normal que se queira continuar. Isto da política é como o teatro. Fica o tal "bichinho" dentro da gente e não há quem o possa ou consiga arrancar de lá. Fazer o quê?



        Um beijo em lábios é que se demora e tremem no abrir-se a dentes línguas tão penetrantes quanto línguas podem. Mais beijo é mais. É boca aberta hiante para de encher-se ao que se mova nela. É dentes se apertando delicados. É língua que na boca se agitando irá de um corpo inteiro descobrir o gosto e sobretudo o que se oculta em sombras e nos recantos em cabelos vive. É beijo tudo o que de lábios seja quanto de lábios se deseja. 
          Imagem do belo filme My Blueberry Nights


    «Em ti há um marinheiro demandando uma ilha onde ninguém ainda esteve. Também em ti encontrarás o mapa, a bússola e o navio. Há coisas a que não deves atribuir nomes. A tua ilha não tem nome.»

    Arménio Vieira - poeta






    Uma das características mais interessantes da recente campanha eleitoral para as últimas e recentes eleições legislativas cabo-verdianas foi, sem dúvida nenhuma, o alargamento do debate para as redes sociais. Aqui o destaque vai inteirinho para o Facebook, já com inúmeros cabo-verdianos aderentes, e que tem funcionado como um local para comentar e discutir sobre um pouco de tudo, partilhar fotos e informações mais ou menos pessoais, nada muito diferente de outras redes também conhecidas e de elevada audiência, como o Orkut, o My Space ou o Hi5. Este último parecia mesmo ser o preferido, mas a onde facebokiana parece ter tomado conta dos espíritos crioulos e é hoje, muito provavelmente, a rede social mais usada pelos cabo-verdianos.

    Mas o Facebook não é «apenas» uma rede social; já que pode-se transformar num fura casamentos. O número de divórcios que se efectivaram à conta do «livro de caras» e de outras redes sociais não tem parado de aumentar. Um estudo realizado recentemente revela que o Facebook foi evocado em quase todas as causas de separação nos últimos meses. O total de divórcios provocados, directa ou indirectamente, pelas redes sociais análogas ao Facebook, ronda os 28 milhões, imagine-se.

    A rede social funciona como uma arca das infidelidades. «A razão mais apontada tem que ver com conversas sexuais inadequadas com pessoas com quem os utilizadores não as deveriam ter», revelou Mark Keenan, o director-geral do Divórcio-Online,

    A dimensão do fenómeno é tal que já há empresas a desenvolver softwares próprios para que as pessoas possam espiar os seus companheiros através das redes sociais. Estes sítios da Internet constituem já um meio de prova muito utilizado pelos advogados especializados em divórcios e o Facebook é já considerado um dos “maiores amigos” dos juristas, um pouco por todo o mundo. Para se ter uma ideia, 81% deste profissionais recorrem a redes sociais para encontrar indícios de comportamentos impróprios por parte do elemento «adversário» do (ainda) casal.

    Portanto, meus amigos, muito cuidado com a ténue fronteira entre o mundo real e o mundo virtual. Porque se começarmos a sonhar alto e a confundir realidades, muito possivelmente, e apesar de pensarmos que estamos a viver num sonho, acabamos por acordar num pesadelo.





    'Final de la sesión', de Jean-León Gérôme, 1886. (Museo Thyssen-Bornsemisza)







    Vá lá, é o assunto do dia. Propostas de nomes para o novo elenco governamental e a sua razão de ser. As mais solicitadas serão publicadas num post com o balanço final, dentro de uma semana. Quem se habilita?

    A gerência





    Aproveito este espaço para anunciar os mais distraídos de um novo blogue, administrado por Joaquim Saial, dedicado à história de S. Vicente. Praia de Bote é o nome e vale a pena uma visita.

    Aqui











    Companhia Raiz di Polon
    Fotografias de Ricardo Oliveira Alves (galeria completa, aqui)




    «Permanecer muito tempo na profundidade pode-se tornar aborrecido. Permanecer muito tempo superficial logo se torna banal. Permanecer muito tempo nas alturas pode ser intolerável. Temos que estar em movimento o tempo todo.»

    Peter Brook - encenador







    Que legenda para esta imagem?

    À melhor legenda, ofereço um café 


    * De onde se pode ver que os homens também podem ser comparados a gatos (e vice-versa)






    Bye bye Mubarak*



    *O presidente Hosni Mubarak abandonou o poder esta tarde, anunciou o vice-presidente egípcio Omar Suleiman. As ruas do cairo explodiram de alegria. "O Egipto está livre" (link)




    Lamento, sem qualquer tipo de ironia velada, que o Redy, do blogue Ku Frontalidadi, que sempre foi um paladino da livre expressão nos blogues, ou seja, da publicação de comentários sem qualquer crivo dos administradores, tenha decidido pura e simplesmente suprimir os comentários no seu blogue depois de um lamentável conjunto de intervenções nojentas de "clientes" cobardes e sem escrúpulos, que o fizeram, como habitualmente, sob a capa do anonimato. Como não posso debater por lá, faço-o aqui.

    Sobre a questão da maturidade democrática demostrada nestas eleições, não concordo com a visão catastrófica descrita neste post. Em primeiro lugar, as eleições não acontecem apenas de cinco em cinco anos. Temos eleições municipais e presidenciais nos entre-meios. Depois, nas agremiações, associações, clubes de futebol, sindicatos o hábito de processos eleitorais está plenamente enraizado. Vivemos num país onde a livre expressão é regra e não a excepção. Como alguém disse num comentário, basta ir ao Mindelo no último dia de campanha, com dois comícios de forças políticas rivais, lado a lado, com o povo circulando de um para o outro, sem problemas, sem distúrbios, sem pedradas, para ter um sinal inequívoco de respeito e cidadania, valores caros numa sociedade democrática.

    Há problemas, e alguns dos apontados pelo Redy já foram referidos aqui. Mas acontece que sou um optimista militante e acredito que se há muito para melhorar (e há)  temos certamente capacidade para que isso aconteça. Acredito numa abertura do Governo e dos serviços do Estado à sociedade civil, dependente da competência e não da filiação partidária. Acredito numa melhoria substancial do nível nos debates da Assembleia Nacional, com a entrada do sangue novo agora eleito. Acredito numa maior capacidade de mobilização das pessoas para protestar nas ruas e reivindicar os seus direitos, quando for caso disso. Acredito numa juventude menos passiva e mais crítica.

    Cabo Verde é um regime democrático desde 1991. Vinte anos. Não é nada, numa perspectiva histórica. No entanto, o país que somos hoje mostra o quanto se avançou no domínio de uma plena democratização do arquipélago e da sua sociedade. Comparem o ontem e o hoje e vejam as diferenças abismais, o que já se conquistou. Orgulhoso, sim. Sem fazer como uma avestruz, que mete a cabeça na areia para esconder os problemas, recuso-me a contribuir para um discurso característico dos velhos dos marretas, para quem o copo está sempre, inevitavelmente, meio vazio.






    Continente ou Pingo Doce?

    À melhor resposta, ofereço um café







    Gatos e mulheres são iguais, a gente é que nunca percebeu!

    Os gatos só recebem carinho quando querem...
    As mulheres também

    Os gatos só te fazem carinhos quando querem alguma coisa...
    As mulheres também

    Os gatos não ficam felizes quando chegas do trabalho, a menos que tenhas algum presente para lhe dar...
    As mulheres também

    Os gatos ficam mal-humurados sem nenhuma razão...
    As mulheres também

    Os gatos são egoístas e não te deixam aproximar de qualquer outro animal...
    As mulheres também

    Os gatos estão sempre reclamando e rorosnando...
    As mulheres também

    Logo, um gato não é um animal de estimação. Os animais de estimação servem para dar prazer aos seus donos.
    A mulher também não é nenhum animal de estimação. E é bom que os homens se lembrem disso, não acham?


    Comentário Cafeano: finalmente percebi porque gatos e mulheres me fascinam (quase) da mesma forma. Ah felinos!







    «A melhor forma de desacreditar 
    os anónimos é publicar os seus posts.»

    Comentário de um Anónimo, no Bianda







    Isabel Alves Costa, minha mãe e eu. Saudades.







    Impressões Eleitorais


    1. Não gostei da campanha eleitoral. Já escrevi aqui porquê. Temi mesmo que o pior pudesse acontecer e o pior seria a concretização de distúrbios, materialização de ameaças, revelação de maus perdedores, alimentação de discursos de fraude e outras encenações que já conhecemos de outros carnavais. Mas para minha grande alegria, nada disso aconteceu. 

    2. O líder do partido perdedor falou primeiro, aceitando a derrota. O líder do partido vencedor fez um discurso de vitória sem qualquer arrogância até aceitável tendo em conta as circunstâncias. Fiquei orgulhoso de Cabo Verde e dos cabo-verdianos. Limpo, tranquilo, transparente. Uma lição, aqui sim, de maturidade democrática.

    3. Outro motivo de orgulho de todos foi, certamente, a organização de todo o processo eleitoral. Com excepção de alguns percalços, com eleitores que não conseguiram saber a tempo e horas onde votar, nada de especial, embora seja sempre de lamentar que um cidadão que queira exercer o seu direito (e dever cívico, já agora) de votar não o tenha conseguido fazer por razões burocráticas. 

    4. Apesar disto, se pensarmos que a abstenção foi de pouco mais de 20%, num pais com a mobilidade social de Cabo Verde, só podemos concluir que a participação foi massiva e exemplar. O povo de Cabo Verde interessou-se pelos destinos do seu pais e foi votar em massa. Mais um sinal de maturidade democrática.

    5. A organização do processo eleitoral também deve ser elogiada pela rapidez e transparência com que os resultados foram sendo anunciados. E só não foram mais rápidos os mágicos da NOSI porque o clima de desconfiança instalado por uma campanha eleitoral pouco esclarecedora acabou por falar mais alto e os planos de se conseguir saber os resultados finais na própria noite das eleições acabou por se gorar.

    6. Mas se tivermos na memória – que tantas vezes é curta – eleições anteriores, só podemos ficar orgulhosos pelo que já avançamos neste domínio. Cabo Verde provou, mais uma vez, que pode ser sim um exemplo para o mundo! Também aqui, quem nos vê e não conhece da história a sua metade, diria que andamos nisto de eleições há séculos. Maturidade, também neste caso? Com certeza, mas sobretudo muita competência

    7. De há muito que não me lembrava de uma cobertura mediática tão imparcial e empenhada por parte de quem de direito. Tirando um ou outro caso de radicalismo crónico sem remédio, o balanço aqui é positivo e a maturidade democrática falou alto no que diz respeito ao excelente trabalho de todos os jornalistas e profissionais envolvidos nesta cobertura.

    8. Mas a campanha eleitoral em curso fazia prever o pior. Aliás, devo dizer que no início tive a percepção de que o MPD poderia mesmo ganhar estas eleições. Começou com uma dinâmica interessante, parecia conseguir mobilizar mais gente nos seus comícios e actividades, o slogan fica no ouvido o que acabou mesmo por originar um slogan inverso do outro lado da barricada. 

    9. Mas depois foi o descalabro. E deste descalabro, o principal partido da oposição saiu mais chamuscado. Deixou-se de falar de projectos ou de pais, e passamos a ver imagens manipuladas, vídeos comprometedores, desculpas esfarrapadas, ataques e contra-ataques, mails forjados, teorias da conspiração, insultos violentos, de parte a parte, contra cidadãos só porque estes defendiam uma determinada cor politica. Inaceitável.

    10. Também penso que o discurso do bota-abaixo da oposição não resultou de todo porque nem tudo está assim tão mau. O pais não caminha “para o precipício”, não está perto do “descalabro total”, não corre o perigo de se instalar uma espécie de “ditadura camuflada”. Estas e outras tontices foram lançadas para o ar com alguma leviandade. 

    11. Por outro lado, o carácter hiper-optimista e o pintar o país de cor-de-rosa, com aquele optimismo militante característico de José Maria Neves, acabou por fazer com que na última semana da campanha eleitoral, o PAICV recuperasse o terreno suficiente que lhe permitiu renovar uma maioria absoluta histórica.

    12. Os próprios resultados, com algumas surpresas, demonstram notável maturidade democrática. S. Vicente deu a vitória ao PAICV, o que não acontecia desde 2001, incluindo autárquicas. Foi uma surpresa enorme. Santo Antão deixou de ser um bastião ventoinha, assim como a diáspora já não tem o domínio absoluto dos tambarinas. A vitória do PAICV em Santiago Norte foi outra das maiores surpresas destas eleições, tendo em conta que a maioria dos municípios está nas mãos do MPD. 

    13. Uma palavra final para Carlos Veiga que teve uma postura notável na noite de Domingo, assim como que para José Maria Neves, que não se deixou cair numa arrogância vitoriosa. Haja esperança que o actual governo aprenda com os erros cometidos no passado, e não foram poucos. Energia, transportes, segurança, cultura, quatro áreas fundamentais a rever. 

    14. Haja esperança que o parlamento renovado com caras novas e com muito para dar, cujo esforço e abnegação durante a campanha são certamente resultado de um grande amor pelo seu pais, possa subir a fasquia da qualidade no serviço que presta a quem o elegeu. Haja esperança que a oposição se renova no discurso e na postura. Haja esperança que o Governo melhore substancialmente a sua performance e, sobretudo, que se abra mais à sociedade civil e às pessoas comuns. Porque mais do que à máquina partidária, é ao povo que se deve prestar contas.







    Nha Nacia Gomi
    (1925 - 2011)


    Luto Nacional






    Acompanhar uma campanha eleitoral com a importância e a intensidade que esta última teve estando fora do arquipélago, teve duas vantagens: a primeira, mais óbvia e compreensível, está relacionada com o facto de não ter que conviver diariamente a um ritmo perto do insuportável com a tremenda poluição sonora que estes momentos sempre provocam, dando cabo dos nervos de qualquer cristão. Para quando uma legislação séria sobre esta questão da poluição sonora? Porque temos que levar todos os dias, com anúncios de festas, concursos de misses, promoções de mini-mercados ou publicidade de eventos, a altos berros, provocados por carros sonorizados para o efeito que invadem todos os cantos da cidade? Se esta legislação já existe, ela nunca foi aplicada. O problema da poluição sonora tem, pois, em tempos de campanha eleitoral, uma precursão ainda mais avassaladora nos nervos de toda a gente e portanto, dei graças a todos os deuses o facto de poder acompanhar todo esse carnaval politico-partidário a uma distancia considerável, não sem imaginar, com algum desconsolo, a provação que muitos tiveram que suportar durante estas últimas semanas.

    A outra vantagem é que a distancia dá-nos algum discernimento. O crivo apertado e quase fundamentalista da Comissão Nacional de Eleições, gerido por um Código Eleitoral demasiado rígido, permitiu, por outro lado, um acompanhamento da campanha eleitoral através da Internet a partir de uma cobertura mediática feita como quem pisa ovos, com cada jornal, rádio ou televisão a tremer que a mão pesada da CNE lhe caísse em cima da cabeça. Pelo menos deu para ver o que o exótico PSD crioulo andou a propor às massas em geral e aos coitados que eram apanhados pelo famoso e indispensável porta-a-porta em particular, o que sempre foi divertido e serviu para desanuviar um ambiente carregado de nuvens cinzentas.

    Perante isto há que pensar muito bem sobre o que pretendemos para Cabo Verde e votar em consciência. Acredito que depois da tempestade que se avizinha, volte a bonança e a morabeza às ilhas crioulas e que o magnifico percurso feito até agora pela nossa Nação possa seguir seu curso, com maturidade democrática e admissão tranquila de que nem todos que pensam como nós são anjos assim como nem todos que estão do outro lado da barricada são, necessariamente, uns demónios.






    Adenda: Li esta notícia no blogue Anarquista Burocrata e acabei induzido em erro, até porque felizmente a Sara Tavares está recuperada e muito activa, como se pode ler no seu site oficial (aqui).

    Ainda bem.






    Contra-informação, golpes baixos, sondagens fictícias, camisolas coloridas, gritos de vitória antecipada, síndrome da fraude anunciada aos quatro ventos, anjos e demónios, oásis e infernos, preto e branco, dinheiro a jorros, crescimento económico garantido (as campanhas eleitorais são o maior negócio do século), promessas loucas, mentes obtusas, ataques pessoais insanos, falta de propostas e de visão, vídeos e imagens tratados com tecnologia digital, desculpas de mau pagador, emendas que saem pior que sonetos, reflexos condicionados, lixo (muito lixo), poluição sonora medindo o limite da tolerância humana, imaturidade política, social e pessoal, redes sociais poluídas, bandeirinhas e ritmos frenéticos, perguntas isto ou não isto, vazios criativos, políticos disfarçados de obreiros dos pobrezinhos, fundamentalismo partidário, raiva cega de parte a parte.

    É o que me fica de uma campanha triste e desoladora. Falar em circo é um insulto a esta arte milenar. Prevejo o pior para o dia 06 de Fevereiro pois, ao que parece, todos já ganharam por antecipação.


    Adenda: a história mais recente desta campanha eleitoral, de um suposto mail forjado ou não forjado com um dos candidatos admitindo entre os seus uma suposta derrota, só vem dar razão ao que aqui vai escrito. Para isto tudo, apenas uma palavra: nojo.