Meus amigos, até breve. Foi bom enquanto durou. Sigo para outros projectos. O Café Margoso começou como blogue e transformou-se numa imagem de marca. Graças a vocês todos. Um dia há-de haver um café de verdade com este nome (não é, Paulino?). 

Aquele abraço de sempre e um bem-hajam!

João Branco





Que legenda para esta imagem?

À melhor legenda, ofereço um café 








Para um artigo do jornal A Nação fui entrevistado pela jornalista Maguy Gonçalves a propósito do livro "Nação Teatro - História do Teatro em Cabo Verde". Aqui ficam, de forma integral, as perguntas e respostas que serviram de base ao referido artigo.


- Quanto é que resolveste escrever um livro sobre a história do teatro? O que o motivou a isso?

O teatro é uma arte que vive do momento vivido, ou seja, só existe, enquanto forma de expressão artística, nos instantes em que é colocada frente a frente com um público. Depois o que fica são os registos e as memórias. Se não cuidarmos de fixar essas provas testemunhais, o acontecimento cénico apaga-se com o passar do tempo. Daí a importância de arquivar e registar tudo. Ora, eu sempre tive essa preocupação, não só em relação ao meu trabalho enquanto encenador e professor de teatro no IC - Centro Cultural Português, mas também enquanto público. A dada altura comecei a constatar que já tinha material que justificava um arranque para uma investigação mais profunda referente à história do teatro em Cabo Verde. No início dos anos 2000, meti mãos à obra, organizando o material que tinha e recolhendo muito outro, nomeadamente com a realização de inúmeras entrevistas de pessoas que estiveram directamente envolvidas no movimento teatral cabo-verdiano, algumas delas já falecidas.

- Foi muito difícil reunir documentos e informações sobre esse aspecto? Porquê?

Foi e não foi. Por um lado foi porque a informação era, na época, muito escassa. Por exemplo, fiz uma pesquisa profunda em toda a imprensa escrita dos primeiros anos da independência e entrevistei muitos intervenientes e testemunhas do teatro de outras épocas. Li muitos documentos históricos procurando entender um pouco de como e onde se fazia teatro nos tempos antigos. Acabei fazendo algumas descobertas interessantes que estão no livro. Mas por outro lado, foi muito prazeiroso, porque o objecto de investigação, o teatro, é parte importante da minha vida e, como se sabe, quem corre por gosto não cansa.

- Quanto tempo levou a preparar este livro?

Cerca de dez anos de investigação e dois de escrita e revisão.

- Contou com a colaboração de quem?

De todos os que aceitaram partilhar informações, que foram preciosas. Destaco ainda o papel da Dra. Ana Cordeiro, na correcção final da obra, da Luisa Queirós que ilustrou a capa e da Dra. Zelinda Cohen, na altura responsável pelas edições da Biblioteca Nacional, que acreditou neste projecto. Aliás, o livro foi o primeiro de uma nova linha editorial e gráfica do IBNL e tenho algum orgulho nisso.

- Porquê o título "Nação Teatro - História do Teatro em Cabo Verde"?

Porque a primeira expressão é uma metáfora da segunda. Cabo Verde é, sempre foi, uma Nação profundamente apaixonada pela arte cénica, e eu quis que esse aspecto fundamental do povo cabo-verdiano estivesse patente no título da obra.

- De onde conseguiu reunir todas as informações reunidas neste livro?

Testemunhos, directos e indirectos, imprensa escrita, documentos oficiais e materiais referentes a peças de teatro como programas, bilhetes, cartazes e fotografias.

- Algumas personagens criticam este livro a dizer que não reúne ou não versa, da melhor forma, a história do teatro em Cabo Verde. Qual a tua posição?

Não sei quem são essas pessoas nem nunca li essas críticas, possivelmente porque as primeiras nunca deram a cara e as segundas nunca foram publicadas. Por alguma razão continuamos sem ter uma tradição de crítica artística em Cabo Verde. Mas é normal que um estudo desta natureza nunca esteja completo. A História vai-se construindo, nunca é um produto completo. Lembro-me bem do que disse o historiador António Correia e Silva na apresentação, ao referir estarmos "ante um estudo de inegável valor científico, dotado de rigor metodológico e epistemológico." Aquele que é por todos reconhecido pela sua competência na investigação histórica, afirmou também que "quanto ao compulsar de informações o livro em análise só tem paralelo no monumental Os Bastidores de José Vicente Lopes" o que me orgulhou especialmente porque sou um admirador confesso da obra do JVL. Entretanto foram-me chegando em mãos outras fontes e informações preciosas que poderão enriquecer, e muito, uma futura nova edição. 

- É necessário que se estude melhor o teatro em Cabo Verde, mesmo que por diversas vezes seja colocado em outros postos em relação às artes em Cabo Verde, ganhando expressão maior no Março, mês de Teatro ou no Mindelact?

Mais uma vez sublinho: sendo o teatro uma arte que só tem existência efectiva no acto da sua concretização enquanto espectáculo cénico, é fundamental a preservação da sua memória por todos os meios possíveis. Quanto maior e mais variada for a informação a respeito, melhor.

- Falando nestas duas datas marcantes para o teatro em Cabo Verde, este tornou-se mais expressivo no momento em que surgiram estas duas datas. Já é necessário que as autoridades e os cidadãos comuns tenham mais em conta, o teatro em Cabo Verde e a sua importância?

Eu penso que isso já acontece e esta entrevista é apenas mais uma prova disso. O teatro em Cabo Verde conquistou o seu espaço e duvido muito que alguém o venha tirar de onde ele está, ou seja, num patamar bem razoável do ponto de vista de adesão e criação. Sabendo isso, é natural que se defenda um maior investimento das autoridades e do Mecenato para esta forma de expressão artística. Garcia Lorca escreveu que "um povo que não ajuda e não fomenta o seu teatro, se não está morto, está moribundo.” Eu acredito cada vez mais nisto.

- Neste momento estás a pensar em mais alguma obra sobre o teatro, ou uma reescrição da história do teatro tendo em conta os 8 anos que passaram em cima da apresentação "Nação Teatro - História do Teatro em Cabo Verde"?

Gostaria de fazer uma re-edição aumentada do que já existe. Tenho já muito material acumulado que poderia ser uma mais valia de uma obra que por si já tem muita informação reunida nas suas mais de 550 páginas. Mas neste momento estou concentrado num outro estudo, de investigação artística e sociológica, que é tentar entender a identidade do teatro cabo-verdiano, nas suas diversas vertentes. 

Mindelo, 23 de Junho de 2012






“A ficção para ser purificadora precisa ser atroz. O personagem é vil, para que não sejamos. Ele realiza a miséria inconfessa de cada um de nós.(....). E no teatro, que é mais plástico, direto, e de um impacto tão mais puro, esse fenômeno de transferência torna-se mais válido. Para salvar a platéia é preciso encher o palco de assassinos, adúlteros, de insanos e, em suma de uma salada de monstros. São os nossos monstros, dos quais eventualmente nos libertamos, para depois recriá-los.” 

 Nelson Rodrigues - dramaturgo












"Teorema do Silêncio", de Caplan Neves. Com Janaina Alves e Fonseca Soares.
Grupo de Teatro do CCP-IC

Fotografias de Kizó Oliveira 





De onde vem tanto dinheiro?


À melhor promessa, ofereço um café





A cada dia que passa tolero menos as campanhas eleitorais. Eu sei que deveria alertar o meu sentido de cidadania e ter em consideração que estes são os momentos em que aos dirigentes políticos é dada oportunidade de contactar o povo que o irá eleger e a este último a possibilidade de colocar aos primeiros questões que possam ser relevantes para os interesses pessoais e da sua comunidade. 

No entanto, nada disto acontece. Ao ouvir em altos berros um carro publicitário - que só por si revela uma falta de consideração completa pelo cidadão votante - anunciar que o partido do candidato que sempre se candidata e nunca fica a cumprir o mandato para o qual foi eleito "está farto desses políticos descarados que nunca cumprem as suas promessas", dei comigo a pensar que  o povo não pode ser assim tão estúpido e alienado.

O esbanjamento desta campanha é inaceitável. Camisolas, bonés, cartazes gigantes, comícios diários transformados em bailes populares, alguns em municípios conhecidos por não terem como pagar os seus compromissos mais urgentes, incluindo as suas obrigações sociais. Não precisamos disto para sermos convencidos de votar neste ou naquele. 

Debates públicos, sessões de esclarecimento e porta-a-porta seria o quanto baste. E acabava-se de uma vez por todas com esta insuportável e insultuosa poluição sonora e visual. O período que deveria ser de esclarecimento, apresentação de propostas e debate de diferenças transforma-se cada vez mais, no actual estado de coisas, num carnaval da arrogância, má-criação e descaramento. Não devia ser isto, a democracia.




        Apetece cantar, mas ninguém canta.
        Apetece chorar, mas ninguém chora.
        Um fantasma levanta
        A mão do medo sobre a nossa hora.

        Apetece gritar, mas ninguém grita.
        Apetece fugir, mas ninguém foge.
        Um fantasma limita
        Todo o futuro a este dia de hoje.

        Apetece morrer, mas ninguém morre.
        Apetece matar, mas ninguém mata.
        Um fantasma percorre
        Os motins onde a alma se arrebata.

        Oh! maldição do tempo em que vivemos,
        Sepultura de grades cinzeladas,
        Que deixam ver a vida que não temos
        E as angústias paradas!

        Miguel Torga




Após a escuta de alguns dos debates pré-eleitorais promovidos pela Rádio de Cabo Verde, facilmente se chega a uma espécie de cartilha eleitoral que encaixa na perfeição, seja qual for o município em questão. Não seria mau, perante os slogans que se perfilam, que alguma instituição ligada e/ou com o apoio do Instituto do Emprego e Formação Profissional, promovesse uma formação intensiva de criatividade e marketing eleitoral que isto vai ser, pela amostra, um vira o disco e toca o mesmo. 

Candidato do partido no poder que se recandidata a um novo mandato: "queremos continuar com a obra feita que, graças a uma acção concertada com o Governo no âmbito da agenda para o desenvolvimento, estamos certos conduzirá o município a um novo patamar."

Candidato do partido da oposição que se recandidata a um novo mandato: "queremos continuar com a obra feita que só não é maior porque o Governo não tem cumprido com as suas obrigações perante o nosso município."

Candidato do partido no poder que tenta conquistar a câmara ao candidato da oposição que se recandidata: "o município está parado devido à incompetência da actual equipa camarária e estamos certos que connosco, com uma acção concertada com o Governo no âmbito da agenda para o desenvolvimento, entraremos no caminho certo."

Candidato do partido da oposição que tenta conquistar a câmara ao candidato do partido no poder que se recandidata: "o município está parado devido à incompetência da actual equipa camarária e do Governo e estamos certos que connosco tudo será diferente."

E assim vamos navegando nas doces águas da democracia cabo-verdiana. 








"Um mundo novo não se constrói procurando esquecer o antigo. Um mundo novo alicerça-se num espírito novo, em novos valores. O nosso mundo poderia ter começado daquela maneira, mas hoje é somente uma caricatura. O nosso mundo é um mundo de coisas. É todo ele constituído por comodidades e luxos, ou então pelo desejo de os alcançar. O que mais tememos, ao alcançar o débâcle iminente, é sermos obrigados a abandonar as nossas futilidades, as nossas engenhocas, todos os pequenos objectos cómodos que nos tornaram tão desconsolados. Não há nada de admirável e de cavalheiresco, de heróico ou de magnânimo, nas nossas atitudes. Não somos almas tranquilas; somos presunçosos, tímidos, demasiado escrupulosos, enfastiados e instáveis."

Henry Miller - escritor

Imagem David La Chapelle






"Moss, ele é mau!" Este foi o comentário que um dos meus alunos de teatro fez sobre o jovem jornalista Odair Varela que tem sido o único em Cabo Verde que de forma reiterada tem escrito no seu blogue textos sobre peças de teatro - ou discos, concertos e livros - dentro de um estilo próximo do que conhecemos da crítica especializada. E porque é que Odair Varela "é mau"? Porque diz o que pensa, sem nenhum problema com o que possam pensar dele pelo facto dele não pensar como aqueles que são alvos das suas opiniões. 

Dedico-lhe esta declaração porque é um valor raro. Além de que, no que ao teatro diz respeito, tem vindo a aprimorar os seus textos sobre as peças que tem visto nos últimos tempos. De um ponto de vista técnico e do domínio das terminologias que a esta arte são exigidas, as críticas de Odair Varela são hoje muito mais do que meras opiniões pessoais, porque sustentadas, fundamentadas e bem escritas. 

Há anos que ando a lutar para a promoção de crítica teatral em Cabo Verde. Para quem não sabe, o curso de teatro tem uma disciplina dedicada a esta vertente onde todos os alunos são obrigados a escrever sobre todas as peças que vêem e estes textos estão sujeitos a avaliação. Dos que se destacaram nesta difícil tarefa nenhum deles encontrou motivação ou espaço para desenvolver este potencial, a maioria julgo que por opção pessoal.

É que ter opiniões próprias sustentadas, mais ainda sobre objectos artísticos e estar sujeito dessa forma aos sempre imprevisíveis egos dos nossos criadores não é para qualquer um. Daí o destaque dado aqui ao trabalho de Odair Varela que merece ser enaltecido e incentivado. Um oásis no deserto. 




"Muito cuidado com o teatro!"

Um dos lemas da censura salazarista







"O meu tema actual - que, como a palavra indica, está cheio de promessas - é o vazio. "Le creux de la vague". Não, ainda, o súbito recuo do mar na praia antes do tsunami, mas um intervalo côncavo de duração não mensurável entre dois ciclos históricos. Não creio que se possa descer mais fundo, e isso dá-me esperança. É preciso que a juventude "média" dê o salto para o lado de lá, onde estão os pobres a sofrer, muito calados, sem (des)tino. "Vou ao fundo da lama / Do outro lado / Do outro lado da mente / Do outro lado da gente / Do lado da gente do outro lado / Do lado da gente que vive de frente / Da gente que vive o futuro presente" (Margem de Certa Maneira, 1972).

Por isso... talvez apareça, não prometo. Estou a tratar do que está aqui perto: fazer música e mais música, inventar novas canções, novos espectáculos, ajudar outros músicos a serem melhores. Ler e ouvir música. Cantar de vez em quando as canções que tenho para dar ao público. É isso."

José Mário Branco - músico e poeta (e pai), que completa hoje a bonita idade de 70 anos. 

Parabéns!







Os dois lados do Silêncio


1. Qualquer pessoa familiarizada com o mundo do teatro sabe o quanto o silêncio é um elemento fundamental. Não o silêncio imposto mas o que resulta de um tácito e prévio acordo entre quem faz e quem vê. O silêncio na arte cénica é precioso porque permite uma leitura. Ou melhor, várias. Vai-se construindo, ao longo de cada espectáculo, uma espécie de partitura do silêncio, onde este se manifesta a vários níveis. Na leitura desta partitura podemos sentir o pulsar de uma peça porque o silêncio não é sempre o mesmo. Há um silêncio atento, em que a plateia inteira está respirando junto com as personagens; há o silêncio desatento e desinteressado que promove, necessariamente, um outro tipo de energia; há ainda o que eu chamaria de silêncio ruidoso, aquele que acaba indubitavelmente com o público a ver as horas no telemóvel, a falar com o colega do lado ou a abrir o programa para disfarçar o tédio. 

2. Ao falar sobre o estudo aprofundado da Tradição – compreendendo este termo como um determinado número de doutrinas e práticas religiosas ou morais transmitidas de século a século pelo discurso oral ou pelo exemplo –, o físico Nicolescu aponta que esta sempre nos ensinou que devemos criar no nosso interior uma sensação de vazio, um espaço para silêncio a fim de permitir que haja um desenvolvimento total das potencialidades para conpreensão da realidade. Não é muito diferente no teatro, talvez a forma de expressão artística que mais vai beber aos costumes tradicionais naquilo que eles têm de cerimonial e mítico. Por isso, o silêncio em teatro é fundamental sem com isto querer dizer que o publico deva permanecer calado. Não é assim. Não tem público pior do que aquele que não se manifesta, querendo-o. Que trava o riso, o espanto ou as palmas. Também isso faz parte de uma comunicação que se quer e exige no acto solene da apresentação teatral. E é aí que o silêncio é mais válido: quando comunica e quer dizer alguma coisa.

3. A sensação de um bom silêncio é a melhor dádiva que podemos ter em teatro. Nos meus espectáculos gosto muito de ficar no lugar dos técnicos, que geralmente fica atrás da plateia, pois essa é um local que nos dá, por um lado, uma visão privilegiada e, por outro, nos permite ouvir e sentir a plateia com em nenhum outro lugar de um auditório. Quantas vezes me apanhei de ouvido apontado para os espectadores a saborear o silêncio conquistado por uma determinada cena! Quantas vezes já me voltei para colegas que comigo estão naquele lugar e digo-lhes bem baixinho (até para não estragar o momento) “ouve, ouve só este silêncio!” E fico ali, por vezes de braços abertos como quem saboreia uma doce vitória, mergulhado naquele silêncio atento, participativo, cúmplice. Uma peça de teatro que consegue em determinada altura conquistar um silêncio destes torna-se, certamente, um triunfo criativo. Mais ainda nos tempos de hoje, onde o ruído e a cacofonia insuportável dominam, de forma quase pornográfica, o nosso quotidiano.

4. Por outro lado, temos os tais silêncios que nos são impostos. Por vergonha, por medo, por conveniência, por hipocrisia, por cobardia, até por cinismo. Estes são os silêncios que o teatro deve combater. Escondemos realidades sujas debaixo dos nossos tapetes e é função da arte torná-las públicas. A humanização artística passa pelo cântico da beleza e da poesia mas também pela expiação dos nossos maiores demónios. Deve tocar pelo riso e pela ironia, mas também pelo confronto com realidades com as quais não sabemos ou não podemos lidar. E há silêncios que são ensurdecedores. O mais tremendo de todos é, sem dúvida nenhuma, aquele que esconde o abuso sexual de menores, de crianças. Esse é um silêncio que me dá vómitos porque não consigo conceber que algum ser humano se possa calar sabendo ou testemunhando, directa ou indirectamente, alguma história macabra que envolva o abuso sexual de alguma criança. Estamos cansados de saber que uma enorme percentagem destes casos acontecem com pessoas muito próximas das crianças. Com pais, padrastos, irmãos, primos, amigos dos pais, professores, vizinhos. E todos os outros, não sabendo, desconfiam. E sabendo, calam. E calando, tornam-se cúmplices de um dos mais hediondos crimes que a humanidade conhece ou é capaz de produzir. 

5. Por isso fazemos peças como “Teorema do Silêncio”, que estreia esta semana. Numa tentativa que tem tanto de arrebatada quanto de revoltada colocamos em palco um dos maiores tabus. Que é vergonhoso precisamente por ser considerado tabu. O silêncio à volta do abuso sexual de crianças não pode continuar. Este não pode ser um assunto tabu. Tem que ser um assunto sempre presente. Tem que estar no lugar mais destacado das denúncias. Tem que ter uma abordagem mais implacável da justiça. Promovendo uma sociedade que seja mais alerta, solidária e lutadora. Uma sociedade menos permissiva, cúmplice e obscena que é aquela em que hoje somos obrigados a viver. No fundo, procuramos através desta peça cumprir uma das mais nobres funções do teatro: ser catarse e caleidoscópio da natureza humana. Porque só conhecendo o mal, poderemos combater o mal.     

Mindelo, 24 de Maio de 2012

Ilustração de Chiharu Shiota






" A Igreja diz: o corpo é uma culpa. A Ciência diz: o corpo é uma máquina. A publicidade diz: o corpo é um negócio. E o corpo diz: eu sou uma festa."

Eduardo Galeano - Escritor uruguaio

Na imagem: "Sagração da Primavera", de Pina Bausch





Espantosa campanha contra o abuso sexual de crianças. Confiram os cartazes com as respectivas explicações.


“Turn off the lights and help Annie overcome her fear of the dark”
Desligue as luzes e ajude Annie vencer o seu medo do escuro.



“Turn off the lights and help Emily overcome her fear of the dark”.
Desligue as luzes e ajude Emily vencer o seu medo do escuro.



“Turn off the lights and help Peter overcome her fear of the dark”.
Desligue as luzes e ajude Pedro vencer o seu medo do escuro.


“This is the original ad printed with flourescent ink, wich glows in the dark. With the lights on, u see the ad like this. When the lights are off, a new imagem will appear. Pedofolia. You might not see it, but it could be happening. 70% of child abuse cases take place in their own home.“

Este é o anúncio original impresso com tinta fluorescente, que brilha no escuro. Com as luzes acesas, você vê o anúncio desta forma. Quando as luzes estão desligadas, uma nova imagem irá aparecer.

Pedofolia. Você pode não ver, mas ela pode estar acontecendo.

70% casos de abuso infantil acontecem dentro do próprio lar.





Se há algo que me tem causado alguma mágoa tem sido verificar o desaproveitamento absurdo que a classe de actores e actrizes do Mindelo tem sido vítima, por não haver uma aposta séria e competente numa produção audiovisual que do talento dela já justifica há longa data. 

O máximo que tem acontecido tem sido a oportunidade de participar uma vez por outra nalguma produção cinematográfica estrangeira que tem, na maioria dos casos, o elenco todo pré-definido e ditado por exigências de produção, ou seja, os principais papeis entregues a vedetas de novelas brasileiras ou portuguesas.

É por isso com enorme agrado e renovada esperança que tenho acompanhado, mesmo que à distância, o trabalho feito pela equipa que está a produzir a série de televisão Soncente Talqualsesent, com o actor e dramaturgo Emanuel Ribeiro à frente das operações e uma equipa técnica totalmente nacional. Dá gosto ver actores de diferentes gerações tendo a oportunidade de mostrar o que valem e eu sei que valem muito.

Espero que esta série seja, mais do que um sucesso, um exemplo e uma prova de como se pode e deve aproveitar a nossa mão-de-obra para produzir obras do género, que a televisão nacional abra os olhos e que comece a apostar, a sério e de forma sustentada, no que de melhor temos por cá e que tem sido desaproveitado de forma quase obscena. Também assim se produz riqueza e valoriza um país.

Bem hajam.



Todos sabemos que o Google é o grande motor de busca do planeta. Qualquer coisa, assunto, personalidade, acontecimento, relato, biografia, enfim, seja o que for, pode ser encontrado utilizando essa poderosíssima ferramenta da Internet.

Pois bem, acabei de descobrir que este post, denominado Kamasutra Cafeano, foi o que de longe teve mais visitas, desconfiando eu que isto tenha acontecido por causa do absurdo número de pessoas que anda pelo espaço virtual à procura com que se entreter...

Isto para dizer que se você veio aqui porque o Google o encaminhou para este blogue só por terem sido utilizadas neste texto as palavras "sexo, mulher pelada, oral, as melhores posições sexuais do universo, famosas nuas ou políticos travestis", devo informar que isto é apenas um teste para verificar se graças ao Google este post passa a bater o record do mais visto da história do Café Margoso.

Se ficou desiludido, até porque este é um estabelecimento sério, volta ao seu motor de busca que alternativas nunca hão-de lhe faltar.





Vão ver. Falaremos de pedofilia. Estamos a trabalhar no duro para que esta ferida social não seja tocada de forma leviana. A cada dia de ensaio, chegamos em casa extenuados dada a enorme exigência do excelente texto do Caplan Neves. Homenagem aos actores, Fonseca Soares e Janaina Alves, que com a sua imensa generosidade tem encarado este desafio com enorme coragem e talento. 





"Estar desempregado 
não pode ser um sinal negativo"

Pedro Passos Coelho - Primeiro Ministro de Portugal


Quem diz uma coisa estas pode estar à frente de um Governo? Mas estamos todos loucos?


     Professores primários: Praia, Santiago, Cabo Verde, anos 40. 

 Maravilhoso texto do escritor José Luís Peixoto, para ler com atenção:

"O mundo não nasceu connosco. Essa ligeira ilusão é mais um sinal da imperfeição que nos cobre os sentidos. Chegámos num dia que não recordamos, mas que celebramos anualmente; depois, pouco a pouco, a neblina foi-se desfazendo nos objectos até que, por fim, conseguimos reconhecer-nos ao espelho. Nessa idade, não sabíamos o suficiente para percebermos que não sabíamos nada. Foi então que chegaram os professores. Traziam todo o conhecimento do mundo que nos antecedeu. Lançaram-se na tarefa de nos actualizar com o presente da nossa espécie e da nossa civilização. Essa tarefa, sabemo-lo hoje, é infinita.

O material que é trabalhado pelos professores não pode ser quantificado. Não há números ou casas decimais com suficiente precisão para medi-lo. A falta de quantificação não é culpa dos assuntos inquantificáveis, é culpa do nosso desejo de quantificar tudo. Os professores não vendem o material que trabalham, oferecem-no. Nós, com o tempo, com os anos, com a distância entre nós e nós, somos levados a acreditar que aquilo que os professores nos deram nos pertenceu desde sempre. Mais do que acharmos que esse material é nosso, achamos que nós próprios somos esse material. Por ironia ou capricho, é nesse momento que o trabalho dos professores se efectiva. O trabalho dos professores é a generosidade.

Basta um esforço mínimo da memória, basta um plim pequenino de gratidão para nos apercebermos do quanto devemos aos professores. Devemos-lhes muito daquilo que somos, devemos-lhes muito de tudo. Há algo de definitivo e eterno nessa missão, nesse verbo que é transmitido de geração em geração, ensinado. Com as suas pastas de professores, os seus blazers, os seus Ford Fiesta com cadeirinha para os filhos no banco de trás, os professores de hoje são iguais de ontem. O acto que praticam é igual ao que foi exercido por outros professores, com outros penteados, que existiram há séculos ou há décadas. O conhecimento que enche as páginas dos manuais aumentou e mudou, mas a essência daquilo que os professores fazem mantém-se. Essência, essa palavra que os professores recordam ciclicamente, essa mesma palavra que tendemos a esquecer.

Um ataque contra os professores é sempre um ataque contra nós próprios, contra o nosso futuro. Resistindo, os professores, pela sua prática, são os guardiões da esperança. Vemo-los a dar forma e sentido à esperança de crianças e de jovens, aceitamos essa evidência, mas falhamos perceber que são também eles que mantêm viva a esperança de que todos necessitamos para existir, para respirar, para estarmos vivos. Ai da sociedade que perdeu a esperança. Quem não tem esperança não está vivo. Mesmo que ainda respire, já morreu.

Envergonhem-se aqueles que dizem ter perdido a esperança. Envergonhem-se aqueles que dizem que não vale a pena lutar. Quando as dificuldades são maiores é quando o esforço para ultrapassá-las deve ser mais intenso. Sabemos que estamos aqui, o sangue atravessa-nos o corpo. Nascemos num dia em que quase nos pareceu ter nascido o mundo inteiro. Temos a graça de uma voz, podemos usá-la para exprimir todo o entendimento do que significa estar aqui, nesta posição. Em anos de aulas teóricas, aulas práticas, no laboratório, no ginásio, em visitas de estudo, sumários escritos no quadro no início da aula, os professores ensinaram-nos que existe vida para lá das certezas rígidas, opacas, que nos queiram apresentar. Se desligarmos a televisão por um instante, chegaremos facilmente à conclusão que, como nas aulas de matemática ou de filosofia, não há problemas que disponham de uma única solução. Da mesma maneira, não há fatalidades que não possam ser questionadas. É ao fazê-lo que se pensa e se encontra soluções.

Recusar a educação é recusar o desenvolvimento.

Se nos conseguirem convencer a desistir de deixar um mundo melhor do que aquele que encontrámos, o erro não será tanto daqueles que forem capazes de nos roubar uma aspiração tão fundamental, o erro primeiro será nosso por termos deixado que nos roubem a capacidade de sonhar, a ambição, metade da humanidade que recebemos dos nossos pais e dos nossos avós. Mas espero que não, acredito que não, não esquecemos a lição que aprendemos e que continuamos a aprender todos os dias com os professores. Tenho esperança.

José Luís Peixoto"



Bernardo Sasseti
(1970 - 2012)

A morte anda tão estúpida. Tão cruel! Morreu mais um músico brilhante, outro apaixonado por Cabo Verde. Morreu a trabalhar. Captando imagens para quem sabe reinventar outros sons magníficos. Tocou várias vezes no chão das ilhas. O que se passa, mundo, o que se passa?



(Versão de Petit Pays, magistralmente interpretado por Bernardo Sasseti)






Rua de Escola Técnica no Mindelo (Avenida Che Guevara) aquando da passagem de uma plataforma petrolífera pela baia da Lajinha.

Captado por Quarts (Panoramio)






Swagato
Músico e instrumentista
(1949 - 2012)


Músico, de origem alemã, cabo-verdiano por opção. Deixou-nos por vontade própria. Tristeza.




Uma das grandes vantagens de andar neste mundo da arte, além daquelas mais óbvias como não ter fins de semana ou feriados e chegar todos os dias tarde e a más horas depois de mais um ensaio, é que acabamos por conhecer e ficar amigos de pessoas muito interessantes. Duas dessas pessoas são, a cantora e compositora Mayra Andrade (com quem espero trabalhar um dia) e o escritor Manuel Jorge Marmelo (que escreve aqui). O segundo nutre uma admiração inequívoca pela primeira e tem-no declarado publicamente em alguns dos seus escritos sendo que uma das suas crónicas publicadas no jornal A Nação foi-lhe totalmente dedicada.

Pois bem, tenho uma boa notícia para o meu amigo: a Mayra Andrade, na sua última entrevista dada precisamente no mesmo jornal que publicou a declaração pública do escritor portuense, confessa quando questionada sobre qual livro que está a ler neste momento, que a sua leitura actual é, nem mais nem menos do que "As Sereias do Mindelo", que Marmelo escreveu inspirado pelas suas vivências com as crioulas da ilha do Monte Cara (um belíssimo livro, por sinal).

Pronto, está dado o recado, Jorge. A Mayra Andrade tem um pedaço de ti na sua cabeceira. 




Este é o texto integral de uma reportagem sobre a delegada Vilma Alves, do Estado do Piauí, no Brasil. É o terror dos homens com agá pequeno que acham normal bater nas mulheres. Desde que começou a actuar Vilma conseguiu baixar em 80% (!) a taxa de homicídios de mulheres no Estado,  e colocar o Piauí com a taxa mais baixa do país. 

O  texto é grande, mas vale bem a pena uma leitura. Uma lição. Notável.



O Piauí também é machista, só que aqui o trabalho é com eficácia. Na polícia não se deve cochilar. Não deixe a madrugada chegar, tem que ser imediato”, alerta a delegada Vilma Alves. 

Às 9h50 da manhã, a delegada recebe a denúncia. Às 10h05, ela liga para a Polícia Militar pedindo uma guarnição: “Uma senhora foi espancada e o marido quer matar. Ela está com medo de retornar e eu quero prendê-lo”, avisou. 

Às 10h20, um PM está na delegacia recebendo instruções. Às 11h05, a delegada já está diante do acusado, preso, na Central de Custódia de Teresina. 

Delegada: O senhor sempre bate nela? 
Acusado: Não. 
Delegada: Ela disse que já não aguenta mais, não quer mais viver com o senhor. O senhor está sabendo que quando sair não vai ficar com ela, não é? 

A pressa da delegada é a urgência do juiz. “Quando nos chega às mãos, a gente decide no máximo em 24 horas, talvez no mesmo horário do expediente”, afirma o juiz José Olindo Gil Barbosa. 

Uma azeitada articulação entre polícia e Justiça não deixa denúncias se acumularem. “Até em tom de brincadeira eu digo: ‘aqui no Piauí, a gente trabalha igual a pai de santo, a gente recebe, mas também despacha’”, diz o destaca o promotor Francisco de Jesus Lima. 

Na linha de frente dessa força-tarefa, uma mulher sempre perfumada, de brincos e colar de pérolas. “Como eu ensino as mulheres a andarem bonitas, a se amarem em primeiro lugar, então eu procuro andar sempre assim. Porque eu me amo”, ela garante. 

Sobre a mesa de trabalho, um salto plataforma modelo Lady Gaga. E outra mesa repleta de santos. “Os meus santos estão aí para me proteger”, diz. O resto é com a delegada: “Eu aprendi que remédio de doido é doido e meio. Mas dentro da educação, sem bater”, avisa. 

Com educação, mas falando grosso: “Aqui é olho no olho. Eu pergunto: ‘você comprou a sua mulher no mercado velho ou no shopping?’”. 

Em audiências informais, ela põe vítima e acusado lado a lado e dá lições de boas maneiras. “Eu não sei como você foi educado. Mas você precisa de umas pinceladas de como tratar uma mulher. Não se trata mulher na ponta do pé”. 

Não hesita em enquadrar um machão: “Como foi que começou? Olhe nos meus olhos! Como foi que começou essa droga?”. 

E deixa claro que ordem judicial é para ser cumprida: “Vamos resolver a situação. A situação é essa: ela não quer mais você. Está com um mês que separou. Como você foi lá? Preste bem atenção: você foi preso agora. Não tem mais direito à fiança. Porque se você voltar, você vai ser preso e vai diretamente para a penitenciária”. 

Não importa se a moça de olho roxo mora em bairro chique: “Nunca vi isso na minha família, na família dele. Os dois têm curso superior. Nossa família também tem curso superior. Classe média alta”, relata uma vítima. 

A delegada assegura: ninguém escapa do indiciamento: “Aqui é de tudo, político e tudo. Bateu, se faz o procedimento”, garante. 

Os movimentos feministas e o Ministério Público se uniram em campanha. E a própria delegada, professora de formação, vai aonde for preciso para passar o seu recado. 

“A mulher não é piano, mas gosta de ser tocada. Um beijinho no pescoço, um carinho. O certo é você chegar: ‘está aqui, meu amor, minha vida, meu perfume, minha rosa’. É assim! Quem foi que deu um cheiro na mulher hoje?”, questiona a um grupo. 

A Lei Maria da Penha é explicada ponto a ponto. “Se você estiver achando que você é dono de sua mulher, xinga a sua mulher, espanca todo dia, ela pode chegar na delegacia e dizer: ‘doutora, eu não quero mais, eu quero que meu marido saia’. E ele sai em 48 horas. Eu adoro fazer isso”, avisa. 

Os maridos ouvem atentamente o alerta final: “Se você forçar é estupro. E se ela chegar na delegacia e disser que você estuprou, eu lhe prendo, tranquilo, meu bem”. O resultado desse esforço coletivo é a queda da violência, mas se engana quem acha que os números do Piauí agradam a delegada. 

“Nenhum número é aceitável para mim. Nenhuma morte. Viver em paz é o que é importante. Como se admite uma mulher ser morta pelo seu marido? Porque a mulher não é mais coisa, não é objeto, não é propriedade. Mulher é cidadã e deve ser respeitada”, destaca.








"África não existe - existem áfricas e desconheço a maioria. As minhas áfricas, aquelas de que posso falar, têm em comum serem territórios propícios à surpresa e aos encontros. Lugares que desprezam as fronteiras entre a realidade e o maravilhoso. Finalmente: espaços em construção. Assim se explicam os livros que escrevo. Vêm de lá.

José Eduardo Agualusa - escritor angolano

"Parece um nome. Mas é mais do que isso. Trata-se de um conceito carregado de fantasmas e produtor de equívocos, quando pronunciado no singular. O que há são Áfricas. Plurais e diversas, em negação da imagem mistificada, do estereótipo e da visão folclórica."

Mia Couto - escritor moçambicano




Ilustração dos artistas italianos Maurizio Cattelan e Pier Paolo Ferrari





Sou adepto ferrenho da blogosfera. Sendo certo que todos os dias nascem e morrem blogues à velocidade da luz, também é certo que num meio pequeno como Cabo Verde onde o receio de dizer o que se pensa ainda é mais regra do que excepção, todos os meios de expressão e de opinião, todos os campos que incentivem ao debate e a participação cívica dos cabo-verdianos, é mais do que bem-vinda. 

Sendo certo que as redes sociais vieram tirar um pouco do protagonismo que os blogues tiveram nos primeiros tempos, a verdade é que estes resistem e embora seja hoje menos espaços de debate do que já foram no passado, não deixam de ter a sua importância como espaço plural, democrático e criativo. 

É preciso que, cada vez mais, demos larga ao que nos vai na alma, sejam amores, desamores, paixões, ódios, indignações, desaforos, piadas, reflexões, pensamentos e pequenas pistas do nosso quotidiano. Não tem mal nenhum. Ajuda certamente quem escreve e, quem sabe, pode um dia ajudar quem nos lê e nos visita. 





      Adoro esse teu ar quando me tocas.
      Começas por ficar transfigurada
      para, depois de unir as nossas bocas,
      te tornares uma fera não domada.

      Mordes-me o peito, os ombros, o pescoço.
      As tuas coxas nas minhas mãos são abraço
      tão forte e perigoso que não posso
      responder a seguir pelo que faço.

      Enlouqueço. Também sou uma fera
      há dias sem comer, à tua espera
      pra poder devorar-te e saciar-me.

      A luta assim é própria de quem ama.
      Se eu tiver de morrer, seja na cama
      a vir-me nos teus braços e a passar-me.

      Joaquim Pessoa




Por vezes precisamos de gritar, de ir buscar forças lá onde elas parecem não mais existir. Criar é tão doloroso. Uma dor que vai e vem, sem avisar. A cada ensaio, a cada palavra, a cada impulso. A natureza humana, que a arte cénica melhor que outra forma de expressão artística sabe ser fiel, em tudo o que tem de mais podre e belo, impede-nos de ficar pela superfície, e de tanto mergulhar nela por vezes chega-nos aquele momento terrível em que o ar nos falta. 

Passamos vinte e quatro horas por dia com a nossa obra inacabada, é com ela que nos deitamos, é com ela que sonhamos, é com ela que acordamos para um novo dia. Um dia novo que acrescentará mais uma peça ao castelo de todas as nossas angústias e (quem sabe) alegrias. Como um castelo de cartas, tememos que ele possa cair num sopro e que tenhamos que recomeçar tudo de novo. Algo inevitável, começar tudo de novo. Quem abraça o teatro, devia-o saber ou então ir fazer alguma outra coisa.

Por vezes temos essa vertigem de tanto andar na corda bamba. Não há como ser diferente. Não sei como ser diferente. Olho para quem me dá tanto a cada ensaio e só posso dar tudo de mim também. Não tenho alternativa, não tenho outra saída a não ser ir até ao fim que nunca há-de chegar. Por vezes precisamos de gritar, mas o consolo é que se há algo que aprendemos na vida é que quando gritamos assim o amor dá-nos a irredutível certeza que há-de estar alguém mesmo do nosso lado para nos ouvir.



[música: Coldplay, The Scientist]






A propósito de alguns artigos mais inflamados publicados recentemente na nossa comunicação social cada vez tenho menos dúvidas que o fomento e alimentação do bairrismo em Cabo Verde é o caminho mais curto para o renascimento de mortos-vivos que mais não fazem do que atiçar uma parte contra o todo com o simples intuito de alguém se lembrar que afinal eles ainda estão por aí. 

Um erro crasso. Vale apenas pelo debate que provoca.

"Da compreensão da dinâmica das ilhas na forja do caboverdiano, avançada pelo novo modelo, chega-se a conclusão que, para o bem de Cabo Verde, é preciso aumentar os canais de comunicação, desenvolver plataformas comuns de acção e explorar sinergias possíveis entre elas. O maior crime que se pode cometer contra cada uma delas e contra Cabo Verde é governar ou administrar as ilhas como se de mundos à parte se tratassem."

Humberto Cardoso (texto completo, aqui), sugerido por Abraão Vicente







Tendo em conta que colocar roupa lavada no varal em dias de vento na cidade do Mindelo é o desporto mais radical que eu conheço, qual a probabilidade deste desporto poder vir a ser um dia aceite como modalidade olímpica?

À melhor promessa, ofereço um café








"Alguns usam a estatística como os bêbados usam postes: mais para apoio do que para iluminação."

Andrew Lang - escritor escocês




Pela primeira vez, este ano, comemora-se o Dia Internacional do Jazz. Em Novembro de 2011, durante a Conferência Geral da UNESCO, a comunidade internacional proclamou 30 de Abril como "Dia Internacional do Jazz". Ao dedicar um dia ao Jazz, pretende-se sensibilizar a comunidade internacional sobre as virtudes do jazz como uma ferramenta educacional, uma força de paz, de unidade, de diálogo e de uma cooperação reforçada entre as pessoas.

"São muitas as histórias que cercam a origem da palavras “jazz”. São muitas as lendas que tentam traduzir a palavra “blues”. Numa delas, uma mulher conta que, ao retornar da igreja, numa manhã de domingo, deitou-se na cama e olhou para o teto com um sentimento tão profundo, uma tristeza tão atroz, e este era um sentimento tão blue… O blues virou lamento, virou ruminação, choro contido… O jazz é um género que se destaca dos demais pelo improviso e por uma escala musical de DNA negro. Diferente da escala europeia, a matriz do jazz tem uma blue note, uma nota blue." (fonte: aqui)

Seja o tradicional som de New Orleans, seja através da voz rouca de Louis Armstrong ou das interpretações de divas como  Ella Fitzgerald ou Billie Holiday, dos improvisos de Milles Davis, Dizzy Gillespie ou Duke Ellington, o jazz há-de estar sempre presente. Hoje, é o dia do jazz. Dia de música. Dia de magia.

 









A propósito do Dia Mundial da Dança, cá estou eu dando o meu melhor, em pleno Teatro Rivoli (cidade do Porto).








Foi solicitado ao Café Margoso a divulgação deste festival de curtas-metragens, com a razão principal de que "gostaríamos muito de contar com filmes cabo-verdeanos em nossa mostra.". Numa altura em que o panorama audiovisual crioulo parece estar a rejuvenescer, eis o desafio lançado aos nossos produtores e realizadores. As inscrições estão abertas até ao próximo dia 12 de Maio. Nu bai!


MOSCA 7 – Mostra Audiovisual de Cambuquira
11 a 15 de julho de 2012
Inscrições abertas
até 12 de maio

A MOSCA - Mostra Audiovisual de Cambuquira é uma mostra de filmes de curta-metragem focada na difusão da produção audiovisual brasileira e na formação de público crítico. Além da exibição de filmes, a programação conta com debates, oficinas, exposições, clubinho e café da MOSCA.
Cambuquira está localizada no Circuito das Águas mineiro e abriga o Cine Elite: antigo cinema da cidade que permaneceu fechado por aproximadamente 20 anos e foi revitalizado em 2001 pelo Espaço Cultural Sinhá Prado, onde acontece a MOSCA. A mostra chega a sua sétima edição em 2012.

A inscrição de filmes para participar da seleção da MOSCA 7 pode ser realizada gratuitamente pelo site www.mostramosca.com.br

Podem ser inscritos filmes de ficção, documentário, animação, vídeo experimental, infantil e vídeo coletivo; com duração de até 30 minutos. O caráter competitivo da MOSCA 7 se dará através do Júri Popular.  Os espectadores poderão votar nos curtas ao final de cada sessão e eleger o “Melhor Curta da MOSCA 7 – Júri Popular”, 1º, 2º e 3º lugares.

Os três primeiros colocados receberão prêmios em serviços de empresas da área audiovisual. 




Vivemos numa época triste. Não há ideais a não ser aqueles que possam engordar a nossa conta bancária. Hoje não há coragem, há desvios conforme as conveniências. Hoje não há luta, há defesa de grupos de interesses políticos, partidários ou económicos. Como escreveu a actriz Milanka: "esta nossa geração desgraçada tem a responsabilidade de despoletar a nossa revolução, aquela que merecemos, pois já não nos resta muita coisa. Temos que reinventar os nossos próprios modelos, nunca esquecendo aqueles que antes de nós acreditaram na igualdade do povo!"

Antes a cantiga era uma arma, hoje é entretenimento. Antes a cultura era alma do povo, hoje é factor primordial de crescimento económico. Antes a criação artística era alavanca para mudança de mentalidades, hoje é o caminho mais directo para a massagem dos nossos egos. Dizem-se, sabem-se, ouvem-se as maiores barbaridades de altos signatários do poder, da oposição, dos candidatos a poleiros e cadeirões almofadados e nós, que nos dizemos artistas, continuamos a assobiar para o lado, muito ocupados com os nosso estimados, geniais e insubstituíveis projectos. 

Onde estão os nossos hinos, manifestos, gritos? Não deixa de ser irónico, tristemente irónico, que o único sector artístico que coloca o dedo na ferida, seja conotado com a marginalidade urbana. Refiro-me aos grupos de rappers e hip-hop, claro. Desdenhamos os loucos das nossas cidades mas são eles que estão à frente do nosso tempo. Nós estamos parados. Neste dia em que se comemora mais um aniversário de uma revolução que foi abafada pelas mentiras mediáticas e pela passagem do tempo, devíamos reflectir sobre o que raio andamos aqui a fazer. 

Eu faço o mea culpa que me é devido. Com a minha arte tenho lutado para sobrepor o colectivo ao individual, a imaginação à banalidade, a exigência ao facilitismo, a humildade à arrogância, a entrega à paralisia cerebral. Mas podia fazer mais, devo fazer mais, tenho que fazer mais. Tenho que ser digno dos genes que herdei. Se não o conseguir, serei apenas mais um bluff e imerecedor da arte secular que abracei. 

Fotografia de Fredrik Ödman