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(Antimanifesto para um tempo sem poesia)

Oram e laboram nas catacumbas
do mistério, os poetas do meu país.
Têm pactos com a metafísica.
São fiéis assalariados da tristeza.
Carpem a desfortuna da história,
o glorioso incêndio de roma,
e até mesmo o primeiro uivo divino.
Cobrem-se de tantas imaginárias
dores, como se lhes não bastasse
as veras que lhes dá o mundo.

Ó altos atletas da mágoa,
de lacrimais talentos possuidores,
o paraíso ou o inferno não são mesteres
de um só dia. Canção de embalo
ou acorde perfeito não erguem cidades.
À bulha com as pedras, até que derribada
a última quimera, sufocada a harmonia,
não sobre alento para canto ou choro.

E no entanto o mundo se revida?
Pobres versos não movem guerras;
sorriem antes ou desembestam caretas,
porquanto nem piedade ou cólera
defendem da humilhação e o progresso
lá vai fazendo as suas vítimas.

Ó crentes nas ideias que não defenderam
atenas do soçobro, a posteridade vale
bem menos que a gratidão do sol
esparramada por sobre esses fêveros
pardos campos. Soltar gases, armar
escarcéu, é bem mais poético e mais
humano, que o silêncio foi sempre
uma forma de morte distraída.

Ó tribunícios companheiros no altar
do verbo, se o tempo é chaga e o dom
impuro, fazei antes estalar o chicote,
ou desatai aos pinotes num desmedido
arroubo de danados.

José Luiz Tavares


[Enviado pelo próprio autor, em prol do Dia Mundial da Poesia]






Sempre gostei de estar perante objectos artísticos inovadores, quer como espectador quer num outro papel mais interventor. É o caso da obra poética de Filinto Elísio, particularmente o livro que vai lançar no próximo mês, que inova e surpreende, a começar pelo título, “Me_xendo no baú. Vasculhando o Ú”. Tive o privilégio de participar na gravação do CD que acompanhará o livro, juntamente com Nancy Vieira. 

Cada poema representou para mim um tremendo desafio, quer pela complexidade com que estão elaborados como pelo facto de ter a plena consciência de estar a dar voz a um objecto poético inaudito e novo dentro do panorama da poesia em língua portuguesa. Um orgulho.

No próximo mês de Abril acredito que muitos outros poderão se deliciar com os resultados de uma obra poética, cuja edição vai deixar marcas indeléveis. 




«Em ti há um marinheiro demandando uma ilha onde ninguém ainda esteve. Também em ti encontrarás o mapa, a bússola e o navio. Há coisas a que não deves atribuir nomes. A tua ilha não tem nome.»

Arménio Vieira - poeta




Parabéns Poeta 
Arménio Vieira, faz hoje 70 anos. Longa vida ao Conde.



Não faltem, se estiverem em Lisboa. 70 anos com o poeta Arménio «Conde» Vieira serão comemorados com Arte, Poesia, Música e Amizade.



«Que nome dar a este espaço de exaltação estética, em que somos convocados para a celebração da palavra, numa ritualização mágica e interactiva, que nos franqueia os domínios do sagrado pela porta profana do fascínio, do prazer e da fruição plásticas? Domina nestas performances o aparato da sua encenação, e não estamos distantes dos rituais da sagração. Mas sem obediência a um qualquer cânone, que não seja o do improviso, da experimentação, da irrupção do novo. Não faltam também, como nos domínios do sagrado, as técnicas, os instrumentos, os objectos, e até a figura do celebrante, embora aqui estejam estiolados, implodidos na sua missão de ordenamento, regulação e controlo, que dão lugar a uma prática da desobediência, da iconoclastia, de inesperado e até de insólito. É uma atmosfera mais mágica que mística, um território mais estético que religioso mas onde não estão totalmente ausentes o espiritual e o sagrado. Os caminhos é que são outros, diversos, inusuais. Enquanto espaço de ritualização ele obedece a um processo de constante reinvenção, recriação. É a isto que chamamos PERFORMANCE POÉTICA, ou POÉTICA PERFORMATIVA, ou ainda ORAL ACTION (à maneira da Action Painting), território complexo e pluridisciplinar de hibridização pós-moderno, onde as linguagens se fundem num processo fecundo de crioulização e mestiçagem.»

Mito Elias




Não conhecia este livro maravilhoso, pleno da mais pura e bela poesia, "Livro das Perguntas" de Pablo Neruda, com ilustrações de Isidro Ferrer. É uma obra que constitui uma experiência única dentro do panorama de todas as obras do grande poeta. Composto de 74 poemas curtos em forma de perguntas, sem título, é imbuído de um finíssimo humor metafísico que se aproxima da filosofia oriental. O poeta preocupa-se em propor incessantes questões - sobre animais, sobre ele próprio, sobre o transcorrer da vida - e convida o leitor a respondê-las ou, pelos menos, a reflectir sobre elas. Isso sem abrir mão de um magistral domínio da linguagem.

As próximas Perguntas Cafeanas serão inspiradas directamente neste livro magnifico. Um livro que não se lê, mas que nos acompanha, todos os dias.






«Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de fármacia durante 5 anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Erico Veríssimo – que bem sabem ( ou souberam), o que é a luta amorosa com as palavras.»

Mario Quintana











Cerimónia de entrega do Prémio Camões 2009 ao poeta cabo-verdiano Arménio Vieira. Fotografias de Alexandre Conceição.






Uma conversa quinzenal com um artista cabo-verdiano, em tom descontraído, sobre a arte, a vida e as nossas pequenas inquietações. Para inaugurar esta nova secção do Café Margoso, a conversa é com o poeta Arménio Vieira, já refeito da ressaca do Prémio Camões. Com revelações interessantes, entre as quais o facto de se ter casado quase em segredo. O Conde, na primeira pessoa.

Uns meses depois de teres recebido o Prémio Camões alguma coisa mudou na tua vida?

Mudou. Agora sou casado, por exemplo.

Com contrato, papel passado e tudo? E a aliança, onde está?

Ah! Ela quer impingir-me isso mas eu sou refractário.

E como é que te convenceram a casar?

É um caso muito curioso, diria quase inédito. Primeiro, ela era virgem e isso foi também novo para mim. Depois a família dela, conservadora e tradicional, não aceitava que ela arranjasse um namorado. Namoro por namoro, não podia ser. Tinha que ser para casar.

Existe alguma poesia num contrato de casamento?

Existe o lado prático da coisa. E se eu morrer de repente, como é que fica? Pelo menos fica com a minha pensão, que é razoável. Ainda mais agora que vou ser um pai de sessenta anos.

Pensas muito na morte?

Isso é uma pergunta complicada. (Pausa) Quer dizer, não sou obcecado com a ideia da morte. Penso na antecâmara da morte. O Inferno que precede a morte. Por exemplo, a do Mário Fonseca. Para mim foi uma bela forma de morrer. Inconsciente, não teve dores físicas, que eu saiba, e morreu. Mas eu não tenho essa garantia, não é? Claro que me causa espécie, sim.

És daqueles que pensa que a morte é o fim do fim…

Estou convencido que o Homem é consciente desse facto. Não quer findar. E, em parte, as religiões existem por causa disso. Queremos ser imortais. Queremos continuar, eternamente. Olha, tenho um amigo estrangeiro que me dizia que preferia a ideia do Inferno do que a da morte total. Estás a ver, é terrível. Quer continuar vivo, mesmo que seja no Inferno. O Dostoiewski, quando escreveu o livro “Memórias da Casa dos Mortos”, que não é uma ficção pois retrata o período em que ele esteve na Sibéria, demonstra isso na perfeição. Havia lá coisas terríveis. Indivíduos que sobreviviam comendo insectos, num clima horrível, a falta de higiene, levavam pancada e, no entanto, faziam tudo para não morrer.

Faz parte da natureza humana, esse instinto pela sobrevivência.

Em Auschwitz praticamente não houve suicídios. As pessoas iam até à câmara de gás. Sempre na esperança de haver um milagre e se safarem. É terrível. Pensa num rato. O rato foge de quê? A vida de um rato é para quê? Eu não sei o que é ser rato mas no entanto passa a vida a correr para uns buracos, anda sempre assustado. E o maior inimigo é humano.

E o maior inimigo do Homem, continua sendo o Homem?

Não apenas, porque também é o maior amigo.

Ainda acreditas nisso?

Claro que sim. Somos amigos, não?

Claro.

E isso é bom, não é? É agradável. Estamos aqui na esplanada a conversar.

O Inferno afinal, já não são os outros?

O Inferno é muita coisa. Esta crise, por exemplo, é infernal e é provocada por intervenção humana.

As grandes obras artísticas não foram criadas em períodos de crise? Ninguém cria obras-primas quando está tudo bem…

O Mal é a base da grande arte. A tragédia. Mas qual era o lado bom da coisa? É uma espécie de purga.

Ou seja, tem que haver crise para haver criação…

Repara, o Inferno também é monótono. É sempre a mesma coisa: o homem a ser queimado, a ser torturado. A própria tortura não muda. Deviam ser várias torturas para cada homem. Pelo menos, que se variasse a tortura, a forma de passar mal, de sofrer, como acontece nos 120 dias de Sodoma.

Tens produzido mais por causa do Prémio Camões?

Nem por isso. Sempre tive ideias para escrever e romances inventei mais de mil. Mas essa história de pegar na pena, não sei. É preguiça. Antigamente, tinha mais prazer no acto da escrita. Mas eu sempre disse, por exemplo, que ler é para mim mais agradável do que escrever. Já fiz um poema sobre isso. Porque eu quando leio Odisseia, eu sou Homero. Quando eu escrevo o Hamlet, não me dá grande prazer. A ler dá.

E continuas a escrever poesia em SMS?

Continuo, sim. Não são grande coisa. Mas sempre me vou entretendo.


Nota: página publicada no jornal A Nação, de 17 de Fevereiro de 2010. Ilustração é de Abraão Vicente.






      Para que serve?


      …duas pessoas fizeram-me a mesma pergunta; a pergunta é:

      “Para que serve a poesia?”

      E eu disse-lhes:

      “Bom, para que serve a morte?
      Para que serve o sabor do café?
      Para que serve o universo?
      Para que é que eu sirvo?
      Para que é que servimos?”

      Que coisa mais estranha perguntar-se isso, não é?


      Jorge Luis Borges





"Eu não sou eu nem sou outro; sou qualquer coisa de intermédio."

Mário Sá-Carneiro

(Ilustração de Darren Fiander)





Vai ser apresentada na RIbeira Grande de Santiago (Cidade Velha) uma obra maior. Belo livro que casa a poesia de José Luiz Tavares com as fotografias de Duarte Belo, tendo como temática central a Cidade do Mais Antigo Nome (baptismo que mereceu o livro agora lançado).

A apresentação estará ao cargo do historiador António Correia e Silva e de César Schofield Cardoso. O acto terá lugar no espaço "Nôs Origem", na Cidade Velha, dia 30 de Janeiro, às 18 horas. Se pudesse, não faltaria.

        Agora que as rotas do mundo
        já não passam à tua porta,
        perdura na tarde íngreme de agosto,
        ferida pelo mais donairoso azul,
        os seus nomes resgatados à poeira imóvel
        que os meus salitrados olhos prende
        a essa cantada página de desterro e começo.

        José Luiz Tavares




"Todo o poema é uma ponte entre o dia e a noite, entre o branco e o negro, entre a morte e a vida. Juntando-se todos num abraço, agora é só um o que em dois se dividia, ou mesmo em três, de que a Trindade é o exemplo; o Poema, que é também mistério, mete a soma numa caixa, sendo que fica por explicar a razão por que a caixa à soma se furtou. Os mistérios, como os poemas, estranham-se, não se explicam."

Arménio Vieira in "O Poema, A Viagem e O Sonho"

Ilustração de Inês Rako






        - farinha amassada à espera de uma salsicha
        dois tomates e três pingos de azeite,
        a ver se uma gaita que fina de tanta moleza
        se apruma e começa
        a tocar música que preste?

        Boas entradas

        Arménio




"Não me importa nada que as mulheres tenham os seios como magnólias ou como figos secos; uma pele de pêssego ou de lixa. Também me é indiferente se amanhecem com um hálito afrodisíaco ou um hálito insecticida. Sou perfeitamente capaz de suportar-lhes um nariz que arrecadaria o primeiro prémio numa exposição de cenouras; mas, isso sim – e nisto sou irredutível –, não lhes perdoo, sob nenhum pretexto, que não saibam voar. Se não sabem voar perdem tempo as que pretendam seduzir-me."

Oliverio Girondo (poeta argentino) in Espantapájaros (al alcance de todos)
(Via: aqui)







Ela, Clarice Lispector, escreveu assim:

"Sou composta por urgências: minhas alegrias são intensas; minhas tristezas, absolutas. Me entupo de ausências, me esvazio de excessos. Eu não caibo no estreito, eu só vivo nos extremos."

Definitivamente, tenho que inventar uma peça de teatro para colocar algo do que esta extraordinária escritora de dimensão planetária deixou escrito para deleito dos que por cá ficaram.
























Clarice Lispector nasceu num navio, quando os seus pais imigravam da Ucrânia para o Brasil, e mesmo pisando em solo brasileiro, o espírito de Clarice é livre, pois a sua nacionalidade é a do mar, a das águas que banham continentes e regram florestas e plantações. Porque hoje é Domingo, dia de Mural, esta é uma singela homenagem a uma das maiores poetisas e escritoras da literatura brasileira. As suas palavras são do mundo ao mesmo tempo que são minhas, são tuas e de quem estiver pronto e disponível para se banhar nesse mar de poesias, sentimentos e palavras, como ela definiu nesta frase: “Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.” Para todos aqueles que não tem medo de viver. Para ti, em especial.





"Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros."

Clarice Lispector





        "Sem cuidar do tempo
        que os ponteiros gastam
        entre o exdrúxulo som
        pelo qual o navio se faz ao mar
        e a exausta vogal
        com que termina a viagem, me dou ao vão
        ofício de escrever poesia.

        Tal se a aranha,
        alheia ao móbil
        que a faz tecer,
        em vez da presa
        buscasse o verso, acaso a perdida rosa,
        por ventura o número
        que tal nome oculta. "

        Arménio Viera - recebido ontem pelas 21:43 horas





Mário Fonseca
(1939 - 2009)

Um dos nossos maiores foi-se. E nós ficamos mais pequenos. Foda-se.


Imagem: Mito (sacada aqui)