Café Tempêstad

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“A Tempestade”, escrita pelo grande dramaturgo William Shakespeare foi provavelmente a sua última obra teatral e a mais singular, na opinião de alguns críticos. Essa extraordinária narração é, ao mesmo tempo, uma história de vingança e de perdão, de dor e de reconciliação, de traição e de lealdade, de amor e de ódio, em suma uma história de contrastes, concebida algures numa pequena ilha provavelmente perto da Itália, no início da segunda década do século dezassete. 

 Transportada no tempo e no espaço físico, e com cenário fincado nas ilhas Cabo-verdianas de Santiago e Santo Antão, o grupo de teatro do Centro Cultural Português do Mindelo e o grupo de teatro Craq’Otchad, recriaram e montaram “Tempêstad”, para gáudio de uma plateia rendida à magia de uma representação surpreendente e de qualidade monumental, onde não faltaram elementos visuais e sonoros, desde a sobriedade do cenário, o primor nos figurinos, a luminotecnia com efeitos muito bem rebuscados, uma sonoplastia inventiva com música ao vivo (coros, percussão, violoncelo, flauta e saxofone), e sobretudo uma representação e interpretação exímia dos actores, de todos sem excepção. 

Gostaria, contudo, de ressaltar três interpretações que em minha opinião marcaram de forma destacada a peça “Tempêstad”. 

Emanuel Ribeiro (que regressa ao teatro, quase duas décadas depois), com uma pujança de fazer inveja, e empresta ao seu personagem Próspero, rico proprietário da ilha de Santiago e exilado na ilha das montanhas, uma verve admiravelmente poética de versos do texto original de Shakespeare, que nos chegam à catadupa, adaptados com requinte, à nossa língua materna. 

João Branco mais uma vez nos relembra a sua polivalência e competência nas diversas áreas do teatro, pois além de responder pela encenação e direcção artística, composição e direcção musical, e figurinos da peça, interpreta Caliban, ser disforme e bestial, pelo que forçosamente teve de recorrer a uma caracterização bem aprimorada com resultados visual e estético bem condizente com a figura. Não passa despercebido a ninguém, a forma como o João Branco se entrega por inteiro e parodia com gozo o seu personagem, numa capacidade de doação completa. 

Christian Lima interpreta Ariel, o espírito multifacetado do ar, da água e do fogo. Uma soberba actuação que marca não só pela excelente caracterização, mas também e mais uma vez, pelo preciosismo de uma deliciosa linguagem prenhe de poesia que chega como sussurros, vindos do etéreo, e preenchem os espaços e penetram os corpos dos espectadores. 

Depois de Romeu e Julieta, e Rei Lear, “Tempêstad”, é o terceiro parto bem sucedido, dessa tríade Shakespeariana, magistralmente encenada em crioulo Cabo-verdiano, por João Branco, uma obra prima que é mais um contributo para o crescimento e afirmação do teatro que se faz em Cabo Verde, com o selo da crioulização dos grandes clássicos do teatro Mundial.


 Texto sobre a peça "Tempêstad", de João  Faria; fotografia de Diogo Bento




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