Um dos episódios mais interessantes do dia da minha primeira experiência na cidade do Mindelo, onde cheguei por mão e conselho do músico Vasco Martins - a quem sou, também por isso, eternamente grato - foi ter sido levado, no próprio dia de chegada à ilha, até casa de uns amigos do Vasco, para entre muita euforia assistir a um clássico do futebol português entre o Sporting e o Benfica. Fiquei espantado com a forma entusiástica e conhecedora com que se acompanhava o campeonato luso, algo que se mantém até hoje, até com mais visibilidade.

Nunca mais me esqueço de assistir a alguns jogos na rua, à porta da casa do fotógrafo Djibla, que apanhava a emissão com a sua antena e, de forma generosa, colocava uma televisão num parapeito da sua casa para que os amantes da bola pudessem seguir as incidências das principais partidas do campeonato português. Nessa época não havia Internet, nem Sport TV, nem transmissão de jogos pela televisão nacional de Cabo Verde. O futebol era seguido pela rádio, com o mesmo entusiasmo com que é seguido hoje pela televisão.

Aqui também "aprendi" a passear orgulhosamente pela cidade a camisola do meu clube que, como não podia deixar de ser, é o FC Porto. E desde que conheci, também nesses primeiros tempos, um taxista entusiástico adepto dos dragões que coleccionava camisolas do clube, passei a fazer o mesmo, mais ainda nos dias de hoje, onde por questões de marketing, estas mudam de formato e cores quase todas as épocas. E felizmente que nestes últimos vinte anos tenho tido todos os motivos e mais algum para passear esta indumentária pelas ruas do Mindelo: o FC Porto é um clube diferente que, graças às muitas vitórias nacionais e internacionais, ao seu poderio e competência, continua a fazer crescer a olhos vistos os adeptos que vai conquistando um pouco por todo o mundo. Não é por acaso também que as minhas duas filhas são hoje acérrimas adeptas do clube azul e branco e que para a mais nova Inês, a música preferida seja a dos Filhos do Dragão.

Na cidade do Mindelo, assim que festejamos o último campeonato com um cheirinho à-la-Electra - com um delicioso apagão em pleno Estádio da Luz - ouviam-se da janela da minha casa, em Monte Sossego, inúmeras buzinas e gritos de vitória. Adeptos gritando o nome do seu clube das janelas e varandas das suas casas. Somos cada vez mais. E é natural que assim seja. Neste mundo triste e perigoso, as vitórias do nosso clube do coração são um bálsamo para a alma. Por isso também, foi delicioso estar ontem num bar do Columbim a abarrotar de adeptos do FC Porto para testemunhar mais um momento extraordinário do clube que, ao golear por 5-1 o adversário numa meia final de uma competição europeia, deu mais uma prova do seu poder de fogo dentro de campo. Neste local, havia dois bares, cada um com a sua televisão, cada um passando o seu jogo. E devo dizer, sem que isso queira dizer nada, que no lado onde se festejou cinco vezes, o número de clientes era substancialmente. Coincidências...




Para quem estiver em Lisboa, o lançamento de uma obra maior. A não perder.





«A cama é um móvel metafísico.»

Nelson Rodrigues - dramaturgo brasileiro




Sempre senti esta foto, ícone do 25 de Abril, como um pouco minha. Sendo eu mais ou menos da mesma faixa etária e com o aspecto físico da criança que está com a mão no cravo vermelho colocado na espingarda, também me revia naquele miúdo, transformado em ícone da mais bela revolução do século XX, juntamente com a do Maio de 68, de Paris. Tal como o riso de Cohen Bendit neste último caso, a criança da fotografia ficaria para sempre ligada a um dia que não deve ser esquecido, agora que caminhamos a passos largos para um novo tipo de ditadura, comandada pelos lucros do Fundo Monetário Internacional.

Curiosa a história desta foto. O fotógrafo chama-se Sérgio Guimarães e morreu relativamenmte novo, em 1986. Trabalhava, sobretudo de publicidade. Orgulhava-se de ser filiado no Partido Comunista e, quando viveu em Paris nos anos sessenta, onde trabalhou para a revista Elle, terá ficado sem o dedo mínimo da mão esquerda, por razões que só ele sabia. Aí frequentou o atelier de Fernand Léger.

Consta que ganhou algum dinheiro com essa fotografia reproduzida um pouco por todo o mundo, mas depois perdeu o controle, apesar das suas dificuldades económicas.

Diz o relato (aqui), que no dia 25, pegou no filho do Pedro Bandeira Freire, que na altura teria dois ou três anos, e foi com ele ao aerporto da Portela para fazer a célebre fotografia. Pediu a três soldados da Marinha da Força Aérea e do Exército para segurarem na arma, e click com a Nickon. «Parece que o miúdo está a colocar o cravo na G3, mas não, ele está esticado para tirar o cravo que eu lá pus em cima»- contou.

Todas as crianças que fomos um dia, estão um pouco nesta imagem de Abril.







Se ninguém te entende, para que te explicas?

À melhor resposta, ofereço um café












Selecção de fotos de Pedro Madeira Pinto (fonte: aqui)









Óbito? Não, obrigado!

1. Tem-se falado muito e escrito ainda mais sobre a pouca dinâmica da cidade do Mindelo, sobre o seu aparente adormecimento, a sua apatia criativa, a sua megalomania reivindicativa. Eu próprio aqui no Café Margoso, e por diversas vezes, tenho reflectido sobre a urbe e a sua maior ou menor dinâmica, tendo por vezes manifestado algum desagrado pelo seu estado de letargia. 

2. Entretanto, estive quase um ano fora de S. Vicente, com um interregno no Verão passado, e esse distanciamento permitiu-me, entre outras coisas, uma análise mais nítida sobre a realidade agora que passou cerca de um mês relativamente ao meu regresso. Quando não estamos emersos no objecto observado, isto é claro para quem estudou ciências sociais, a clareza das nossas observações fica, desde logo, potenciada. 

3. Mindelo está a acordar e, espantem-se, parece não querer dormir na forma. Podemos sempre nos queixar do abandono dos políticos, da inércia dos empresários ou da falta de criatividade dos artistas e criadores da ilha, mas a sensação que eu tenho é que a cidade pulsa, indiferente a leituras mais ou menos exageradas, mais ou menos alarmantes, mais ou menos oportunistas. 

4. No programa do "Março - Mês do Teatro" participaram treze grupos de teatro. Sim, treze. Activos, vivos, fazendo teatro. Sim, no Mindelo. Nas escolas, nos bairros, nas casas particulares. Há dificuldades, faltas de apoio? Vamos fazer. Mostrar o trabalho. E depois reivindicar. Não temos lugar para ensaiar? Não faz mal, ensaiamos no nosso quintal, no terraço, na rua. A maioria das peças demonstraram uma falta de maturidade gritante, alguma falta de cuidado no preparo? Talvez, mas a vontade de mostrar trabalho, de participar, de dizer presente foi maior, o que não se pode criticar. 

5. Neste momento é rara a semana em que não há um lançamento de algum livro, um concerto para a apresentação de algum novo trabalho discográfico, uma palestra. Assiste-se ao nascimento de um novo cine-clube, a uma nova dinâmica da Academia Jotamont, entra-se num Centro Cultural do Mindelo de cara lavada, passeia-se pelos diversos bairros durante o final de semana e ouve-se música em bares, hotéis, restaurantes, existem dois locais bem no centro que promovem bailes populares à moda antiga, com música ao vivo, pelo menos uma vez por semana, grupos de capoeira invadem a Praça Nova, a Praça D. Luís, a Ponta d'Água. 

6. Certamente, continuamos com muito por fazer. O apodrecimento trágico do Éden Park, a indefinição gritante de critérios, projectos e mesmo falta rumo para a utilização de espaços públicos como o antigo Centro Nacional de Artesanato, a réplica da Torre de Belém ou o próprio Centro Cultural do Mindelo, a má-língua e desentendimentos entre os próprios artistas, algum desânimo e a falta de autio-exigência de novos valores, são tudo sintomas de uma cidade que reclama atenção.

7. Estes dias loucos, com o Congresso dos Quadros na Diáspora ou a comemoração dos vinte anos do jornal Artiletra, contribuiu para uma movida acima do habitual, mas não se pense que é apenas foguetório temporário. Cada vez mais, espaços comerciais, bares, cafés e outros espaços alternativos apostam na música ao vivo, na projecção de filmes, na actuação e na performance, na promoção de exposições de fotografia ou pintura, para atrair clientela. 

8. S. Vicente tem o mais antigo e maior festival de música do país, um festival internacional de teatro que é orgulho de toda uma Nação, o carnaval mais criativo com participação popular em larga escala, tem a única escola superior de artes do arquipélago e, espantem-se, tirando o caso do festival de música, tudo isto é produto da iniciativa privada, a tal cidadania que se diz adormecida na ilha do Porto Grande.

9. Andamos na rua e cruzamo-nos com artistas plásticos, músicos, instrumentistas, actores, encenadores, criativos, estudantes de arte e design, intelectuais, escritores, poetas, e claro, loucos, pés descalços, vendedores de jornais, polidores de calçada, velhos proxenetas, negociadoras de café e toda a casta de gente com toda a espécie de profissões, mais ou menos liberais. A cidade pulsa. 

10. Além de que também me parece ser esta uma cidade capaz de olhar para dentro e de discutir os seus problemas. Fê-lo durante estes meses com o ciclo de debates, "Mindelo - Temos Cultura?", organizado pelo Centro Cultural Português - IC. Com certeza que há muitos problemas, estamos carecas de saber quais são. A resolução de muitos deles passam pela implementação de políticas públicas, por um lado, e por uma mudança de mentalidades dos próprios criadores, por outro. Mas que ninguém se atreva a passar ao Mindelo uma certidão de óbito criativa, cultural ou artística. Porque a cidade está viva, orgulhosa do que é e continua a dar (e a ser) exemplo. 

Mindelo, 21 de Abril de 2011

(foto, aqui)





 
«Disse-me hoje uma amiga que está a viver um sonho porque lhe aconteceu apaixonar-se. Bebi mais um gole da cerveja, saboreando apenas a espuma. O Amor nunca é um sonho, disse-lhe. E não é. Um sonho cumpre-se imediatamente, já que o seu objectivo encerra-se em si mesmo: sonhar. O Amor é diferente porque tem dois fins: a alma e a carne. Aliás, quando amamos não paramos de sonhar, mas quando sonhamos podemos parar de Amar. E ela perguntou-me o que é que eu queria exactamente dizer com isto. Bebi mais um gole de cerveja, desta vez mais fundo como se procurasse petróleo no copo. Ao contrário do Amor que nos acontece de vez em quando, um sonho é aquilo que nunca aconteceu, e é bom termos consciência que não estamos a sonhar.»

Bagaço Amarelo (aqui)




“Aumento das tarifas não implica 
aumento da qualidade do serviço”

Antão Fortes - Presidente do CA da Electra (fonte: aqui)



Comentário Cafeano: qualquer estudante de economia, gestão ou marketing sabe, desde os finais dos anos 80 que o centro das preocupações das empresas é a satisfação dos seus clientes. Fazem-se estudos de mercado, questionários e organizam-se formações entre trabalhadores, gestores e funcionários para que, num ambiente de competição segundo as regras do mercado, se consiga conquistar o maior número de clientes possível e, mais que isso, se consiga fidelizar aqueles que já existem. Pois bem, parece que a nossa Electra não pensa assim. Aumento de preços não implica aumento de qualidade! E isto dito como se fosse a coisa mais natural do mundo. Então implica o quê? Paga-se mais para se ter mais do mesmo? É caso para se dizer que a Electra está muito à frente. A isto se chama terapia de choque! Um study case para os estudantes de marketing.





Pensando bem, o que realmente distingue um bom beijo de um bom café?

À melhor resposta, ofereço um café







Hoje, ao que parece, é o dia internacional do café. Ontem, foi o dia internacional do beijo. Esta é uma boa semana, não hajam dúvidas!

A propósito do café, essa bebida mágica, aqui estão três curiosidades, para que conste:

Sementes com um sabor dos diabos
O café é uma semente que nasce de um arbusto (mede entre dois e cinco metros) chamado cafeeiro e que, antes de tratada e torrada, se assemelha bastante àquelas bagas que em criança disparávamos à força de um sopro, quais índios da Amazónia, nos tubos de PVC. Do ponto de vista botânico, muito haveria a dizer sobre a planta de onde se colhe o café, mas o que realmente interessa saber é que existem cerca de 103 espécies diferentes de cafeeiros, daí as bicas que bebe terem sabores tão diferentes.

História (muito) abreviada do café
Não há certezas quanto a datas, mas terá sido por volta de 800 d.C. que o café terá sido descoberto para o mundo, na Etiópia, onde algumas tribos usavam as sementes de cafeeiro (misturadas com tudo e mais alguma coisa) como suplemento energético. Daí terá passado para a Arábia, onde em 1000 d.C. alguém descobriu que o café podia ser torrado e bebido. À custa das invasões e das guerras, a moda espalhou-se pelo mundo e hoje não dispensamos uma bela de uma bica na esplanada.

Mundo de café
O cafeeiro desenvolve-se em regiões com temperaturas médias anuais na ordem dos 20oC, onde sol e chuva dividem irmãmente as condições climáticas, tornando os solos ricos e porosos. Ou seja, as plantações de café concentram-se exclusivamente nas zonas tropicais do planeta Terra. O Brasil está no topo da lista dos maiores produtores, com uma média de 22,5 milhões de sacos (de 60 kg) de café produzidos por ano, seguido da Colômbia (10,5 milhões) e Indonésia (6,7 milhões).

O cafézinho mais cara do mundo
Um café do Kopi Luwak produzido na Indonésia pode custar 60 euros. Porquê? É feita com grãos de café que passaram pelo sistema digestivo da civeta (um mamífero carnívoro), onde uma enzima reduz o sabor amargo dos grãos de café e o torna mais aromático e doce. Os grãos são apanhados das fezes e os bichos só conseguem expelir cerca de 230 kg por ano.

Café terapêutico
O café está ao nível de produtos polémicos como o azeite: um ano é a melhor gordura do mundo, no outro seguinte alguém descobre que faz muito mal ao coração. Recentemente, um grupo de investigadores do Centro de Neurociências e Biologia Celular de Coimbra descobriu que a ingestão de doses moderadas de café diminuía a incidência de doenças ligadas ao cérebro, como o Alzheimer, por exemplo.

Dar um café
Aqui no MIndelo, uma expressão tem, de certa forma, torcido o significado e a boa energia que o café sempre nos dá. "Dar um café" corresponde, nem mais nem menos, em levar às últimas circunstâncias um negócio de troca de serviços sexuais. "Aquela mulher está ali a dar um café ao senhor Esteves, estás a ver?" Estou, estou. Não podiam arranjar outra expressão, sem a necessidade de estar a utilizar tão digna e secular bebida? Dar uma coca-cola, dar uma vodka, dar um sumo de maracujá? Haja imaginação!











Fotografias de João Barbosa, da peça "Os Amantes", do GTCCP. Uma curta temporada de 4 dias decorreu no Mindelo, com grande sucesso e satisfação de todos os envolvidos, incluindo o público. Obrigado a todos!







“Há uma saudade da vida, porém tão perdida e vaga, e há a espera, a infinita espera, a espera quase presença, da mão de puro mistério, que tomará minha mão e me levará sonhando para além deste silêncio, para além desta aflição”

Tasso da Silveira, “Fronteira” escritor curitibano e ex-deputado estadual do Paraná que dá nome à escola de Realengo palco da terrível tragédia.




Duas boas notícias, os regressos do Redy e do Abraão à blogosfera, em espaços novos. A conferir, aqui e aqui.

Longa vida.



A menina a que todos chamam de gorda, passa dias sem comer para perder peso. O menino apelidado de burro, quem sabe tenha problemas de aprendizagem. A menina dita feia passa horas arrumando-se para que colegas a aceitem. O menino que é provocado e gozado na escola, pode receber maus tratos em casa e esse comportamento só estará a contribuir para destruir sua auto-estima. A isto chama-se bullying e é uma realidade em muitas escolas de Cabo Verde.

A minha filha Laura, de 13 anos, que frequenta o Liceu Ludgero Lima, em S. Vicente, contou-me vários episódios de arrepiar, de violência física e psicológica de alunos contra alunos. Alguns destes acontecimentos tem lugar à vista de todos e ninguém faz nada. Outras vezes, os alunos queixam-se em casa mas não são levados a sério. Se for rapaz, é apelidado de ter sido pouco macho por "não ter respondido à altura"; se for menina, é apelidada de devassa, porque o mais certo é ter acontecido aquilo por causa "do seu comportamento atrevido."Raramente casos destes chegam às directorias das nossas escolas. Porquê?

Na semana que passou, num liceu do Rio de Janeiro, Wellington Menezes de Oliveira, de 24 anos, ex-aluno, invadiu a instituição de ensino e disparou contra alunos. Principalmente meninas. Todas com idades compreendidas entre os 12 e os 14 anos. Deixou uma carta onde, entre outras informações, afirma ser virgem. Não custa nada imaginar o que aconteceu na cabeça deste psicopata. Matou 12 crianças, 10 meninas e 2 rapazes. Outros encontram-se no hospital em estado muito grave. Atirou para matar. Na cabeça ou no tórax. O Brasil chora. Eu tremo e temo.

Continuemos a ignorar o que se passa nas nossas escolas e um dia a desgraça bate-nos à porta. Não pensemos na forma como andamos a educar e a acompanhar as nossas crianças e um dia seremos confrontados com casos desta envergadura. Algo semelhante já tinha acontecido, por exemplo, nos Estados Unidos (lembrem-se do filme Elephant, referenciado aqui e da reflexão que motivou, aqui). No Brasil foi a primeira vez que um caso destes aconteceu.

E nós, estamos à espera do quê para abrir os olhos?




Que legenda para esta imagem?

À melhor legenda, ofereço um café 





Está quase, já cheira... Porque não seguir o exemplo do festival Mindelact e promover alguns concertos no Mindelo? Afinal, o mar que une nossas duas cidades tem múltiplos sentidos. Ou não tem?




Somos todos amigos

1. Cabo Verde, como qualquer lugar do mundo, tem aspectos formidáveis e outros com os quais é muito complicado lidar. Esta redundância que inicia a presente crónica serve apenas para lembrar o quanto estamos perante um lugar, uma cidade, uma ilha, um pais, uma Nação, que tantas vezes se confronta a si própria, que chora e ri, por vezes de forma leviana, como num zouk love, vezes outras com profundidade sentida, como numa morna. Há alturas em nos deixamos levar pelo ritmo frenético de um funaná e nos esquecemos do parceiro que carregamos na passada e no gingar desvairado das cinturas, com mais ou menos cola, mais ou menos suor, mais ou menos sensualidade latente.

2. Assim, aqui encontramos os defeitos dos lugares pequenos e as vantagens de um naipe paisagístico inacreditável que faz com que cada fotografia tirada de uma qualquer máquina se transforme de imediato num cartão postal de beleza inolvidável. Mas aqui como noutros locais, só a natureza conserva a verdade que tantas vezes o coração dos homens conspurca. Só nas montanhas podemos sentir a poesia que não se resume a palavras ocas de quem se alimenta do sofrimento dos outros. Só um banho de imersão neste mar azul deste arquipélago pode lavar a alma de um ser vivente num mundo como aquele em que vivemos hoje.

3. Daqui que um dos temas de conversa mais comum que tenho tido com amigos e conhecidos, em cafés reais ou virtuais, seja o tema da amizade, melhor, daquelas amizades que parecendo que o são, mostram não o ser, onde palmadinhas nas costas e anúncios de admiração mútua subitamente se vêem transformados em injúrias, calúnias, maldades, má-língua, conversas de corredor não assumidas, facadas ao virar de cada esquina. A amizade está em declínio e a solidão em ascensão, escreveu o psicanalista brasileiro Raymundo de Lima num brilhante artigo sobre o tema, referindo-se ao conceito de “modernidade líquida”, da autoria do sociólogo polaco Zygmund Bauman, que propõem, por sua vez, uma nova visão sobre a modernidade, voltada para a fluidez das relações inter-pessoais.

4. A hipocrisia entre os homens não é símbolo dos tempos modernos, sempre existiu, sempre existirá. Isso parece claro. Em todas as épocas há histórias terríveis de mentiras, traições, golpes palacianos entre aqueles que um dia eram amigos sinceros, no dia seguinte inimigos declarados. Mas há alturas em que a hipocrisia sobressai como a mais possante e tenebrosa característica humana que, tal como os vírus, se entranham sem que os possamos identificar, provocam sintomas estranhos, alguns mesmos provocando a morte e quando damos por ele, já é tarde demais, o mal está feito, os estragos por contabilizar indiciam uma invasão nos corpos, nos genes, na carne, no sangue praticamente irreversível.

5. Ninguém é amigo de ninguém, já me disseram várias vezes, geralmente depois de alguma desilusão do género. Eu, teimoso, continuo a acreditar. Que há gente em quem se possa confiar, que há companheiros para uma vida inteira, que há irmãos por afinidade por quem fazemos tudo ou, no mínimo, por quem estamos dispostos a, em qualquer circunstância, dar dois minutos de atenção quando para isso formos solicitados. Como optimista militante, preciso de acreditar que os valores que a amizade precisa e dos quais se alimenta e se justifica não só fazem algum sentido como são possíveis de existir e de acarinhar.

6. Devíamos aproveitar mais o tempo e o espaço que as ilhas nos dão. Quando leio as declarações de amor de um homem como Paulino Dias pela sua ilha Santo Antão, fico com alguma esperança de que nem tudo está perdido. Devíamos transformar a dificuldade de viver numa pequena aldeia – todos os habitantes de Cabo Verde juntos não chegam para compor uma cidade de tamanho médio num qualquer pais Sul Americano – em vantagens nossas. Aqui não há lugar para o anonimato, todos se conhecem, todos já tivemos algum tipo de relacionamento com praticamente todas as pessoas com quem nos cruzamos durante um dia normal.

7. Andamos na rua e somos cumprimentados de forma afável pelo condutor do camião que faz a recolha do lixo, pelo funcionário da CV Telecom que vem verificar uma avaria da Internet, pela senhora da mercearia Mendes & Mendes, pelo homem que vende os jornais numa cadeira de rodas na rua de Lisboa, pelo gerente do Café Portugal, pelo policia de trânsito que está ali na esquina da Praça Nova, pelo engraxador da Pracinha da Igreja, pelo amigo que temos como salva vidas na praia da Lajinha, que também toca violão e é actor nos tempos livres, por algum anónimo que nos pára na rua e nos pergunta se no próximo fim-de-semana há alguma peça de teatro na cidade.

8. Geralmente diz-se que é entre as pessoas da mesma área que os piores sentimentos se acabam por revelar. Não sei se é de facto assim. Procurei sempre, e assim permanecerei, entender as dores e as mágoas dos artistas da nossa terra e nunca me viram, nem virão, maldizer sobre quem quer que seja que dedique a sua vida a essa tão nobre tarefa que é a da criação artística. Muitas das pessoas que mais admiro neste pais são artistas das mais diferentes áreas, na música, na literatura, no teatro, nas artes plásticas, na fotografia, na dança. Mesmo sabendo que muito do meio é dominado pelo disse que não disse, certamente haverá sempre alguma justificação para certas atitudes estranhas que se desviam da importância, da qualidade e do significado das obras dos autores que as produzem.

9. As campanhas eleitorais são boas provas para se medir o valor de uma amizade, tal é a radicalização dos discursos. Tive amigos – espero ainda os conservar! – dos dois lados da barricada, e lamento utilizar aqui este termo, porque não devíamos falar de barricada, mas sim de um campo aberto de discussão de projectos, convicções e ideias. Um posicionamento politico é sempre considerado uma tentativa de aproveitamento de alguma mais valia pessoal e talvez por isso mesmo estejamos tão cheios de pessoas que pensam muito sobre tudo e falam rigorosamente nada sobre aquilo que pensam. O campo da opinião pessoal está minado e é compreensível que haja tão pouca gente com coragem para nele entrar sem medo de sair moralmente despedaçado por tal atrevimento.

10. Tenho tido a sorte, e a opção, de utilizar diversas plataformas de comunicação para pensar pela minha própria cabeça e é normal que tenha que fazer algum exercício para aguentar a cabeça, o coração e o estômago quando confrontado com certas atitudes que são, acima de tudo, resultados de uma mentalidade que infelizmente ainda perdura e se alimenta. Continuo convencido que não precisamos disso, que devemos utilizar a nossa capacidade de comunicar, olhos nos olhos, e construir amizades sólidas, sustentáculos e barcos de salvação neste mundo à deriva.

11. “O vazio do lugar está no olho de quem vê e nas pernas ou rodas de quem anda. Vazios são os lugares em que não se entra e onde se sentiria perdido e vulnerável, surpreendido e um tanto atemorizado pela presença de humanos”, escreveu Bauman no seu ensaio. Pegando na deixa, direi que vazio ficará o nosso pequeno mundo individual se nele não deixarmos entrar aqueles que acreditamos serem os nossos maiores amigos, aqueles que não te viram as costas, que tem a coragem de te criticar olhando na cara. Para que a palavra alma, que é tão cara à poesia e aos artistas, não se transforme subitamente em lama, como acontece por vezes quando, precipitadamente, redigimos textos sentados diante um computador.


Mindelo, 08 de Abril de 2011

[ilustração de Bento Oliveira]




Circula na rede social Facebook uma pequena história que hoje gostaria de partilhar com vocês: um homem chama um chefe de um grupo de seis músicos para tocar no seu casamento. "Quanto é que vocês vão cobrar, mais ou menos?", pergunta o dono da festa. O músico diz que cobrará cerca de "dois mil euros." Reacção imediata: "tanto! Para tocar cobram isso tudo!". Ao que o músico respondeu, "olhe, chame seis canalizadores para trabalhar em sua casa no Sábado, das 18:00 horas até depois da meia-noite. Pode ter a certeza de que nós vamos tocar pela metade do que eles lhe iriam cobrar."

Isto para dizer o quê? Bem, para dizer que se querem que se acabe com o choradinho do apoio que tantos dizem ser a única coisa que os artistas desta terra sabem fazer, não seria mau, em primeiro lugar, começarmos por respeitar o trabalho deles, não torcendo o nariz de cada vez que se cobra alguma coisa por um livro, uma peça, um CD, um concerto. Disse-me uma vez um artista meu amigo que não lhe pedissem que ele desse de graça a única coisa que podia fazer profissionalmente e com a qual ele ganhava o pão-nosso de cada dia. Mas também não é apenas uma questão de sobrevivência, é uma questão de valorização e uma questão de respeito pelo trabalho dos outros. Na arte não é diferente. Não devia ser diferente.

A grande maioria dos artistas de Cabo Verde não vive da sua arte. Aqueles que conseguem viver da sua arte são logo apelidados de preguiçosos ou levianos porque "não arranjam nada melhor que fazer". Eis um lado da questão que é preciso alterar radicalmente o quanto antes: essa mentalidade de que a arte é algo sem valor. Não é. O seu valor está no alimento que dá ao espírito e à alma dos homens e mulheres deste mundo. Sem ela seriamos ainda mais obtusos, o planeta ainda mais perigoso, a vida ainda mais assustadora. E isso não tem preço.

A não perder, acho...



Design: Neu Lopes

Um ambiente extremamente intimista, uma linguagem crua, personagens em estado de decadência profunda em constante luta contra o tempo e a sua própria imagem no espelho, Os Amantes é um espectáculo que não deixa ninguém indiferente.

Dias 7, 8, 9 (21 horas) e 10 de Abril (20 horas). Lotação limitada.





No documento disponibilizado online - excelente iniciativa! - com o programa do Governo integral para a próxima legislatura (aqui), interessa-me especialmente a parte dedicada à cultura e à política cultural.

Cá fica o que de mais importante se projecta para o sector durante o período 2011 - 2016. O que pensam disto? Para já, parece-me um programa ambicioso quanto baste. Será realista ou exequível? Por nós, cá estaremos para opinar, propor, criticar, contribuir, sempre que se justifique. 


«Transformar a nossa Cultura num recurso estratégico»

Para transformar a Cultura Cabo‐verdiana em recurso estratégico, o Governo irá formular e implementar uma política cultural virada para o desenvolvimento dando uma atenção especial: 

• À revisão do quadro institucional de maneira a permitir uma maior parceria entre o Estado, os Produtores de cultura e o sector privado, bem como a gestão partilhada do sector da cultura e a capacitação institucional para promover, defender e divulgar os produtos culturais e a propriedade intelectual. Neste particular, o Governo irá dinamizar a criação de uma Sociedade para o Desenvolvimento da Cultura no quadro de uma Parceria Público Privado de promoção da cultura;

• À aprovação do quadro legal do desenvolvimento cultural, das indústrias culturais e criativas nas áreas que suportam a criação artística, artesanal e a recreação histórica, como: música, audiovisual, organização de espectáculos/ festas pagãs e religiosas, arte, teatro, gastronomia, moda, literatura, cinema, e ao reforço da segurança jurídica dos criadores e produtores de cultura nomeadamente na luta contra a pirataria cultural e a cobrança dos Direitos de autor;

• À profissionalização dos agentes culturais e dos organizadores de espectáculos bem como a formulação de um quadro legal que permita a protecção dos direitos dos criadores e uma melhor articulação entre os produtores de cultura e o público;

• À adopção de incentivos aos criadores e aos difusores de cultura através da criação de um Fundo de incentivos à cultura, de medidas de incentivos fiscais, de apoio através de ADEI ao empreendedorismo cultural, da concessão de subvenções aos gestores das pequenas salas de animação cultural, e de um sistema de incentivos para exportação de produtos culturais;

• Promover o desenvolvimento de infra‐estruturas culturais; 

• Construir centros de conferências e culturais multiusos na Praia e Mindelo; 

• À continuação de uma atenção especial à língua Caboverdeana, com recurso cada vez maior aos conhecimentos técnicos, ao aprofundamento e socialização aberta e generalizada desses conhecimentos, utilizando todos os meios técnicos e tecnológicos disponíveis interna e internacionalmente.

• Promover o desenvolvimento do sector artesanal ligado ao turismo.

Pintura "Crral da ruça" de Manuel Figueira





«Apagar a luz do estádio e impedir que os jogadores da equipa adversária festejem o título com os seus adeptos pode ser entendido como uma forma de vingança – mas esse é o entendimento dos idiotas e dos pobres de espírito, perdoe-me a franqueza. Se fosse adepto do FC Porto, estaria agora a coleccionar anedotas sobre o caso – certamente não ficaria magoado, muito menos furioso. Os do Porto têm a mesma quantidade de animais que nós, mas nunca conheci nenhum que fosse tão estúpido a ponto de trocar o gozo pela ofensa. Se podes aproveitar para gozar com o adversário, por que razão te sentirás ofendido?»

Marco, do blogue Bitaites (aqui)


Na imagem: o novo túnel da luz. Uma pergunta, será que o pessoal daquele estádio andou a fazer estágios sobre apagões numa certa empresa especializada e expert no assunto?







«Apagámos a Luz e o choro de 6 milhões saíu pelo sistema de rega...»

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