Nasceu e cresceu no meio dos cavaquinhos, violinos e violões, tem as cordas e as notas musicais no sangue e há muito pouco que ele não consiga fazer com um destes instrumentos na mão. Um virtuoso, na mais pura acepção da palavra. E sonha ter uma escola para ensinar o que sabe.

Quantas horas por dia são necessárias de prática para poder atingir uma performance como a que tu consegues nos instrumentos de corda?

Bau: normalmente, para atingir os teus objectivos, numa exigência que é fundamental para qualquer artista, as horas nunca são demais. Claro, há sempre um limite, todos tem outras coisas que fazer, mas no meu caso particular toco cerca de seis a oito horas por dia. E tem noites em que me deito mais cedo, e acabo acordando por volta da uma da manhã e aí aproveito e fico a praticar até de manhã.

E tens aquele hábito bem mindelense de fazer aquela caminhada logo de manhãzinha, ir à Laginha, fazer um treino…

Antes corria mesmo, gostava de desporto. Mas neste momento ando um bocado malandro. Mas nessas noites em que eu fico a tocar até de manhã, preciso de descansar um pouco, senão não se aguenta.

A tua prática, o teu treino, está mais relacionada com a técnica dos dedos, da mão ou com questões harmónicas, de procura de novas sonoridades?

Pratico a criatividade. A harmonia. E também a ginástica dos dedos. Quer dizer, depende do que eu pretendo em cada altura.

Como é que nasceu esse teu gosto pelo instrumento de cordas. Todos sabemos que o ambiente familiar foi fundamental, mas o que queremos saber é quando é que pegaste num instrumento desses pela primeira vez e te apaixonaste por esta prática?

Desde que eu me lembro de existir, com 3 ou 4 anos, que o instrumento me chamava muito a minha atenção. Via as pessoas a passear com os seus violões, as serenatas...

Tens a memória daquela primeira vez em que pegaste num cavaquinho ou numa viola e começaste a tocar ou a tentar tocar?

Na oficina do meu pai, com uns seis anos, eu via os instrumentos com uma corda, duas cordas, que ali estavam para compor e eu ficava a pegar neles e experimentava. Aquela oficina era o meu mundo. Instrumentos pendurados, outros no chão, uns inteiros, outros por construir. Foram dos melhores momentos da minha vida, aqueles em que eu passava na oficina do meu pai, rodeado por todos aqueles instrumentos de corda.

Começaste a tocar então num cavaquinho de uma corda só?

Era isso mesmo. Eu pegava naquilo e tentava tirar música dele...

O teu pai nunca se chateava por estares a mexer nos instrumentos?

Ele não era pessoa para se zangar.

Mas sentias que ele ficava contente por sentir que poderias seguir as suas pisadas?

Ele era um observador, ficava ali a ver o que será que aquela criança iria conseguir fazer com aquele instrumento nas mãos. Até porque depois, um dia apareceu na casa com um cavaquinho embrulhado num papel de saquinha, feito à minha medida, pelas suas próprias mãos. Não se poderia imaginar um presente melhor do que aquele.

Foi logo a partir daí que terá nascido essa tua “mania” de construíres os teus próprios instrumentos, e feitos à medida? Um dos teus cavaquinhos mais conhecidos é maior do que o cavaquinho tradicional…

Sim, com a aprendizagem senti necessidade de fazer um cavaquinho maior, para me dar maiores possibilidades nos solos. Gosto dos instrumentos quando são feitos pela minha mão. Há um outro trato. Mas hoje em dia, com as necessidades técnicas e de electrificação, somos praticamente obrigados a adquirir os nossos instrumentos já feitos, porque não se encontram certos materiais em Cabo Verde.

Sendo, como és, um músico muito viajado, conhecendo muitos outros instrumentos, como é que classificarias a qualidade dos que são feitos aqui em Cabo Verde?

Não haja dúvidas que o nosso cavaquinho, o cavaquinho cabo-verdiano, tem um som próprio. Mas muitas vezes nós não temos muitas opções de materiais, tipos de madeira, etc. que nos possam fazer optar pelo melhor possível. Nem sempre conseguimos.

Tens a sensação de que se tivesses nascido num país europeu ou nos Estados Unidos, poderias ter uma projecção internacional, enquanto instrumentista, que Cabo Verde não te permite alcançar?

Tenho consciência que poderia ter ido um pouco mais longe. Aqui há muitas limitações, é um meio curto. Já o facto de estar num local pequeno, sem poder de compra, sem mercado, não te dá muitas opções...

A gerência da tua carreira é feita por ti próprio?

Tive um tempo com o Djô da Silva mas neste momento estou parado. Em reflexão. O que não é bom. Estar parado nunca é bom. Continuo a tocar nos locais habituais, nos hotéis e bares do Mindelo, mas é por prazer, não pelo dinheiro. Eu vejo a música, ou a arte em geral, como uma fonte de prazer. Fazer as pessoas ter prazer. A parte financeira é importante, mas vem depois.

Quando começas a solar em cima do palco, o que te passa pela cabeça? Viajas, esqueces-te onde estás? Ou simplesmente estás concentrado em tocar o melhor possível a todo o momento?

Eu nem me apercebo do que se passa à minha volta. Estou num outro mundo. A viajar. O som é que me leva. Esqueço-me do público.

Mas gostas do aplauso final?

Claro, é um incentivo. A gente sente que deste alguma coisa e estás a receber algo em troca.

Se pudesses definir qual a tua posição no panorama musical cabo-verdiano, o que poderias dizer? Tens consciência da importância que tens no meio?

Penso que sim. A gente tem que saber o que andamos aqui a fazer. Mas de resto tenho presente que estou sempre aberto para aprender algo de novo, e que é importante manter os pés no chão. Ando sempre à procura de algo novo. Algo que ainda não exista. Ir ao encontro disso. E penso que neste percurso, como cabo-verdiano, tenho dado o meu contributo.

De todos estes músicos com quem já trabalhaste, qual foi o que mais te marcou? Aquele que te fez sentir mais prazer em acompanhar?

Há vários. Desde que seja alguém que transmita algo, que consigamos ter uma comunicação em cima do palco, a coisa funciona e dá prazer a todos.

E como é, por exemplo, acompanhar um músico como o Paulino Vieira?

É um músico extraordinário. E com ele temos que estar preparados para tudo, porque muita coisa pode acontecer com o Paulino. Mas às vezes é difícil…

O que te falta fazer enquanto criador, enquanto músico? O que gostavas de fazer que ainda não conseguiste, o teu maior sonho?

Criar uma escola de música. Ensinar as crianças um pouco da minha arte. Faltam-me algumas condições. Em primeiro lugar, em próprio tenho que me dar um tempo para este projecto. Tenho uma grande necessidade de transmitir o que sei. 







REVERTERE AD LOCUM TUUM

Por determinação do falecido, a viúva cremara-lhe o corpo e encomendara um caixão.

Parentes distantes e uns poucos colegas de trabalho compareceram ao velório sem, no entanto, suspeitarem da fraude: no lugar do defunto, o caixão comportava apenas sacos de areia.

Atendendo, ainda, à outra extravagância póstuma, a viúva fez um bom café, e o serviu a todos.

Ninguém suspeitou que velava um corpo ausente. Presente apenas na lembrança – e na xícara de cada um.

Wilson Gorj (link)






O luar,
é a luz do Sol que está sonhando

O tempo não pára!
A saudade é que faz as coisas pararem no tempo...

...os verdadeiros versos não são para embalar,
mas para abalar...

A grande tristeza dos rios é não poderem levar a tua imagem...

Mário Quintana




[uma das versões mais interessantes do hino da saudade... ou não é?. Boa semana!]





Recebi estes dados e penso que sim, que vale bem a pena divulgar tudo isto aqui no Café Margoso. Para que se saiba. Quem me enviou este estes dados explica que estes fundamentam, e com números concretos, «a minha opiniao sobre este impressionante estadista brasileiro. É urgente difundir isto entre os brasileiros e não só, para que parem, definitivamente, de se envergonhar por terem um presidente "ignorante", "grosso", "alcoolatra".»

Vejam o que The Economist publicou!

Situação do Brasil antes e depois de Lula da Silva, ou seja, nos tempos de Fernando Henrique Cardoso (1) comparados com a situação actual (2):

Risco Brasil
(1) 2.700 pontos
(2) 200 pontos

Salário Mínimo
(1) 78 dólares
(2) 210 dólares

Dólar / Real
(1) Rs$ 3,00
(2) Rs$ 1,78

Dívida FMI
(1) Não mexeu
(2) Pagou

Indústria naval
(1) Não mexeu
(2) Reconstruiu

Universidades Federais Novas
(1)Nenhuma
(2) 10

Extensões Universitárias
(1) Nenhuma
(2) 45

Escolas Técnicas
(1) Nenhuma
(2) 214

Valores e Reservas do Tesouro Nacional
(1) 185 Bilhões de Dólares Negativos
(2) 160 Bilhões de Dólares Positivos

Créditos para o povo/PIB
(1) 14%
(2) 34%

Estradas de Ferro
(1) Nenhuma
(2) 3 em andamento

Estradas Rodoviárias
(1) 90% danificadas
(2) 70% recuperadas

Industria Automobilística
(1) Em baixa, 20%
(2) Em alta, 30%

Crises internacionais
(1) 4, arrasando o país
(2) Nenhuma, pelas reservas acumuladas

Cambio
(1) Fixo, estourando o Tesouro Nacional
(2) Flutuante: com ligeiras intervenções do Banco Central

Taxas de Juros
(1) 27%
(2) 11%

Mobilidade Social
(1) 2 milhões de pessoas saíram da linha de pobreza
(2) 23 milhões de pessoas saíram da linha de pobreza

Empregos
(1) 780 mil
(2) 11 milhões

Investimentos em infraestrutura
(1) Nenhum
(2) 504 Bilhões de reais previstos até 2010

Mercado internacional
(1) Brasil sem crédito
(2) Brasil reconhecido como investment grade

É pouco ou quer mais? Lembra-se mais uma vez, estes são dados da prestigiada revista The Economist.

Fernando Henrique Cardoso, o farol, o sociólogo, entende tanto de sociologia quanto o governador de São Paulo José Serra entende de economia. Lula, que não entende de sociologia, levou 23 milhões de miseráveis e pobres à condição de consumidores; que não entende de economia, pagou as contas de FHC, zerou a dívida com o FMI e ainda empresta algum aos ricos.

Lula, o "analfabeto", que não entende de educação, criou mais escolas e universidades que seus antecessores juntos, e ainda criou o PRÓ-UNI, que leva o filho do pobre à universidade.

Lula, que não entende de finanças nem de contas públicas, elevou o salário mínimo de 64 para mais de 200 dólares e não quebrou a previdência como queria FHC.

Lula, que não entende de psicologia, levantou o moral da nação e disse que o Brasil está melhor que o mundo.

Lula, que não entende de engenharia, nem de mecânica, nem de nada, reabilitou o Proálcool, acreditou no biodiesel e levou o país à liderança mundial de combustíveis renováveis.

Lula, que não entende de política, mudou os paradigmas mundiais e colocou o Brasil na liderança dos países emergentes, passou a ser respeitado e enterrou o G-8.

Lula, que não entende de política externa nem de conciliação, pois foi sindicalista brucutu, mandou às favas a ALCA, olhou para os parceiros do Sul, especialmente para os vizinhos da América Latina, onde exerce liderança absoluta sem ser imperialista.. Tem fácil trânsito junto a Chaves, Fidel, Obama, Evo etc. Bobo que é, cedeu a tudo e a todos.

Lula, que não entende de mulher nem de negro, colocou o primeiro negro no Supremo (desmoralizado por brancos), uma mulher no cargo de primeira ministra, e pode fazê-la sua sucessora.

Lula, que não entende de etiqueta, sentou-se ao lado da rainha e afrontou nossa fidalguia branca de lentes azuis.

Lula, que não entende de desenvolvimento, nunca ouviu falar de Keynes, criou o PAC, antes mesmo que o mundo inteiro dissesse que é hora de o Estado investir, e hoje o PAC é um amortecedor da crise.

Lula, que não entende de crise, mandou baixar o IPI e levou a indústria automobilística a bater recorde no trimestre.

Lula, que não entende de português nem de outra língua, tem fluência entre os líderes mundiais, é respeitado e citado entre as pessoas mais poderosas e influentes no mundo actual.

Lula, que não entende nada de diplomacia internacional, pois nunca estará preparado, age com sabedoria em todas as frentes e se torna interlocutor universal.

Lula, que não entende nada de nada, é melhor que todos os outros.

Pense, o que este homem faria, se entendesse de alguma coisa?





«O Erro é mais omnipotente do que Deus.»

Provérbio e Imagem de Pedro Proença - artista plástico







Eu sei que isto é tudo inveja por não poder estar na cidade da Praia no próximo dia 09 de Julho, dia em que está anunciado um concerto da bela e talentosa Norah Jones na capital de Cabo Verde. Agora, o que é estranho é que a mesma cantora estará em Roterdão, na Holanda, actuando num importante festival de Jazz., no dia 09 de Julho. Ou seja, no mesmo dia. Ou o jacto dela é muito rápido, ou então tem duas bandas prontas para actuar no mesmo dia em duas cidades em dois continentes diferentes ou é por causa das cidades estarem geminadas que milagres destes podem acontecer. Mas que é um mistério, lá isso é!

Conferir: aqui







«Mas que espécie vens tu a ser?», pergunta Leo.
«Sou um palhaço», respondo eu, «e colecciono instantes. Adeus.»

Heinrich Ball, Opiniões de um Palhaço








«Tende portanto, a coragem de acreditar somente em vós próprios e nas vossas entranhas! Quem não acredita em si próprio está sempre a mentir.»

Nietzsche - Assim falou Zaratustra 





Não sei se isto vai mesmo acontecer, porque ainda me lembro de terem anunciado a Shakira para o Estádio da Várzea e os Roling Stones para a Rua de Lisboa. Mas que foi anunciado, lá isso foi.

Espera-se, a ser verdade, algo de único em Cabo Verde...









«Farto de ver. A visão que se reencontra em toda parte.
Farto de ter. O ruído das cidades, à noite, e ao sol, e sempre.
Farto de saber. As paradas da vida. - Ó Ruídos e Visões!
Partir para afectos e rumores novos."

Arthur Rimbaud





1. Apesar da frase bonita que aí fica, tenho uma vaga ideia desse artigo (devo tê-lo comigo 'perdido' nos milhentos recortes por aí). Recordo-me de uma breve nota publicada no JL quando da sua visita a Cabo Verde. Para mim (e pelo que a memória me consente) foi uma grande desilusão. Posso estar errado, mas Saramago escondia mal nesse escrito uma certa decepção (creio eu pelo meio intelectual de então que encontrou). Insisto que posso estar enganado, por isso vou tentar encontrá-lo para devolver verdade e factualidade a esta lembrança nublada pelo tempo.

2. Quanto ao outro Post sobre o Amor, foi evidente o renascimento de Saramago ao lado de Pilar. Encontrou ao lado dela uma nova alegria de viver. Neste particular Pilar foi O pilar que lhe faltava para fechar o arco (gigantesco) em que se tornou a sua vida. Era até comovente de ver a forma ostensiva como ele, jovem apaixonado, assumiu e exibiu orgulhosamente, e com visível felicidade, aquela relação, onde não faltaram manifestações públicas de afecto (ver fotografia publicada acima). O que todos nós também sabemos, é que quando se ama assim de forma tão intensa (e o Zé, como ele autorizava aos amigos, estava apaixonadíssimo), muito raramente o nosso parceiro consegue acompanhar-nos aos cumes estratosféricos da paixão. Quem sabe se os amores mais autênticos e felizes não são os de intensidades assimétricas, como me parecia evidente o dos dois. Mas que sei eu do amor, se apenas amo e humanamente me apaixono... perdidamente!

3. Saramgo foi um bom poeta, mas cedo percebeu, num País de grandes poetas, que por aí não tinha grande caminho. Optou, e bem, pela prosa. Tem duas obras primas. Uma da primeira fase (temas sobre Portugal), outra da segunda fase (da universalização dos temas). Gostei muito do Memorial pela figuras inesquecíveis de Baltasar e particularmente de Blimunda (apaixonante). Mas a obra prima, que para mim ainda hoje permanece como tal, é sem dúvida alguma o 'Ano da Morte de Ricardo Reis' (livro que é pensado antes do Memorial, mas cronologicamente publicado depois), essa extraordinária ficção de uma ficção, capaz de ter tornado ainda mais real do que já era, essa figura triste e apagada do retornado Reis a Lisboa. O próprio Saramago disse que ao ler pela primeira vez Ricardo Reis "…pensei que Ricardo Reis era uma pessoa real…". Conta quem sabe, que ainda hoje há quem procure na Rua do Alecrim o quarto 201 do Hotel Bragança onde se "hospedou e viveu" R. Reis. A outra obra é "Ensaio sobre a Cegueira" um discurso brutal e poderoso sobre a natureza humana e o poder. Actualíssimo.

4. Quero agora homenagear a LITERATURA, como gostaria José Saramago que se fizesse. Lembrar, a propósito dessa extraordinária figura que é Blimunda, um livro que não é de Saramago, mas que por estranhos e misteriosos caminhos da criação fez cruzar num dado passo do romance "Lillias Fraser", de Hélia Correia, duas figuras singulares da recente ficção portuguesa: Lillias Fraser e Blimunda Sete Luas. Lia entusiasmado o romance de Hélia Correia (quem gostou do Memorial vai gostar pelas muitas semelhanças - recomendo vivamente aos mais desatentos - um grande livro), quando a páginas 279 a 282, penúltimo capítulo (XVIII) acontece o mais inesperado que a literatura alguma vez me dera a ler. Lillias, de Hélia, cruza-se com Blimunda, de Saramago, já doente e envelhecida a arrastar-se pelas ruas de Lisboa depois do terramoto 1775. Recordo que Blimunda consegue ver vida no interior das pessoas, Lillias vê o oposto, a morte que trazemos dentro de nós. Esse encontro, fugaz, é dos momentos mais fascinantes e emocionantes que me foi dado ler até hoje. Felizmente o livro terminava na página seguinte. Li e reli emocionado e comovido, e chorei lágrimas autênticas de um encontro entre duas personagens e ficção que aprendi a amar, e são tão reais como Reis, como eu, ou como qualquer um de vós.

São estes pequenos pormenores que ficam comigo, que guardo cá dentro a queimar-me como uma rosa em chamas. O eterno fogo da alegria e a extraordinária beleza do mundo.

ZCunha - poeta







Espantosas imagens da inusitada «invasão» de baleias, na praia do coqueiro, em Santa Cruz. Fotografias de Omar Camilo (link), notícia na A Semana (fonte).





Há algum tempo que não trazia aqui algumas sugestões de cinema. Pois bem, vou deixar aqui duas, ambas fora de filmes fora do circuito da indústria do cinema americano, porque convém variar e há muito bom cinema para além daquele que se faz com o dinheiro de Los Angeles. Ambos já se conseguem encontrar no mercado de vídeo.

O primeiro desses filmes, «A Turma», realizado pelo francês Laurent Cantet, venceu a Palma de Ouro na penúltima edição do Festival de Cannes, e mereceu o aplauso unânime da crítica e do público: “Inteligente e sensível” (Les Inrockuptibles), “Excepcional, Sério, Subtil, Incisivo, Perturbador, Cómico” (Le Monde), “Energia transbordante” (Télérama), “Poderoso e Hipnótico (Libération), “Extrema coerência” (Cahiers du Cinéma) foram algumas das palavras usadas para descrever um filme essencial no debate sobre a educação e a democracia nos dias de hoje.

O filme, baseado num livro de François Bégaudeau, segue um ano de um professor e da sua turma numa escola num bairro problemático de Paris, microcosmos da multietnicidade da população francesa, espelho dos contrates multiculturais dos grandes centros urbanos de todo o mundo.



A segunda sugestão vem do sempre animado mercado brasileiro. «Estômago», realizado pelo estreante em longas metragens Marcos Jorge, é a história da ascensão e queda de Raimundo Nonato, um cozinheiro com dotes muito especiais. Trata de dois temas universais: a comida e o poder. Mais especificamente, a comida como meio de adquirir poder. E pode ser definido como “uma fábula nada infantil sobre poder, sexo e culinária”.

No elenco desponta o actor baiano João Miguel, como protagonista, numa interpretação muito bem conseguida, num filme já muito premiado no circuito de festivais um pouco por todo o mundo. É divertido, despretensioso e, sobretudo, muito bem feito.





Há quem escreva que o amor é um lugar estranho. Eu penso, e não é de hoje, que o amor é o único lugar onde se pode estar em paz, lado a lado com a nossa própria humanidade (ou com o que de bom ela nos pode trazer).

A história de amor de José Saramago com Pilar del Rio é uma daquelas que nos inspiram e comprovam, se preciso fosse, que o amor não tem fronteiras nem nada que lhe possa fazer frente. Aos 63 anos, “quando já não se espera nada”, encontrou “o que faltava para passar a ter tudo” – Pilar, disse uma vez o escritor.

O café que tomaram em Lisboa e um novo encontro meses depois em Sevilha, por iniciativa de Saramago, que viajou de camioneta até lá, mudou a vida a ambos. Casaram em Lisboa, em Outubro de 1988. Ele em vésperas de fazer 66 anos, ela com 36; ambos com um casamento oficial anterior.

Nunca mais deixaram de andar juntos. “Se tivesse morrido aos 63 anos, antes de a conhecer, morreria muito mais velho do que serei quando chegar a minha hora”, disse Saramago um dia, numa das várias muito belas declarações públicas de amor a Pilar.

O amor é um lugar estranho? Pode até ser, mas é o único lugar onde vale a pena estar.

Fonte: aqui







«Cabo Verde fabrica o seu próprio chão, inventa a sua própria água, repete dia a dia a criação do mundo.»

José Saramago - escritor







José Saramago
(1922 - 2010)

«Despediu-se de uma forma serena e tranquila.»


Só para contrariar, o meu romance preferido deste escritor maior, chama-se «Todos os Nomes». Ficamos mais pobres. Todos.






Uma exposição de Bento Oliveira, é sempre uma boa notícia. A não perder, a abertura, amanhã, na Galeria Zero Point uma mostra de xilogravuras do artista plástico oriundo da ilha de Santo Antão.








Cabo Verde é um Estado de direito democrático. Cabo Verde está razoavelmente bem classificado nos índices e estudos internacionais relacionados com o respeito pelos direitos humanos. Cabo Verde é um país onde se pode falar, opinar, debater de forma livre e sem constrangimentos de maior. É um exemplo para África. Por isso mesmo, percebe-se pouco esta aliança «estratégica» com um país que tem, segundo se pode ler nesta notícia do jornal Público «um dos mais autoritários e brutais líderes africanos: Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, Presidente da Guiné Equatorial.» (Fonte: aqui)

O perfil do Presidente da Guiné Equatorial diz, entre outras coisas, «O Presidente da Guiné Equatorial, no poder desde 1979, é atualmente o segundo líder africano que há mais tempo se mantêm no cargo, apenas atrás do dirigente líbio Muammar Kadhafi (1969), e à frente por meses do angolano José Eduardo dos Santos. (...) Obiang, que nasceu a 05 de junho de 1942 em Akoakam-Esangui, no distrito de Mongomo, no nordeste do país, é considerado um dos governantes mais ricos e corruptos do mundo, com uma fortuna estimada em mais de 600 milhões de euros. (fonte: aqui)

Não entendo, portanto, certas alianças.

A decisão da UNESCO de recusar o prémio que patrocinado por esta figura tão querida foi uma boa notícia, mesmo que o próprio a tenha considerado, em declarações ainda em solo cabo-verdiano, «uma aberração». Bem, aberração é um prémio de três milhões de dólares ser oferecido por o Presidente de um país onde muitos dos seus 680 mil habitantes sobrevivem com menos de um dólar por dia, abaixo do nível mínimo da pobreza e onde a esperança de vida é de apenas 49 anos.

Primeiro, com as privatizações das principais empresas cabo-verdianas, depois, com o escândalo do banco insular (e continuamos sem saber quem é quem e quanto dinheiro se meteu no bolso nesta negociata), depois com a história dos terrenos, das urbanizações, das zonas de desenvolvimento integrado (ou lá o que é), a sensação que o arquipélago está à venda é inevitável. Pelos vistos, já não são apenas os terrenos.

Com esta visita lamentável e o anúncio de mais uma «aliança estratégica», apadrinhada pelo Presidente Pedro Pires, apetece mesmo gritar: o meu reino por uma gota de petróleo!

Shakespeare não diria melhor.

Imagem: Ala Marginal







Até que ponto a necessidade de diplomacia económica justifica que não se veja a quem se está a estender a mão?

À melhor resposta, ofereço um café







E já que tocamos neste assunto, a melhor equipa até ao momento é a... Alemanha. Uma máquina. A Portugal, falta o mais importante, ser equipa. O Brasil não engana, porque sempre foi assim: agora é sempre a crescer. A derrota da Espanha é a maior surpresa e com a caloboração importante de... um cabo-verdiano! Sabe pa fronta.






«Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de fármacia durante 5 anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Erico Veríssimo – que bem sabem ( ou souberam), o que é a luta amorosa com as palavras.»

Mario Quintana





A prostituição não tem nada de poético. E mesmo considerando o caso de mulheres (ou homens) que vendem o corpo e o utilizam para o comércio sexual gostando do que fazem, não estamos a falar de poesia, mas simplesmente de pessoas que gostam tanto de sexo que não se importam de fazer disso um negócio. A maioria, não tenho dúvidas disso, importa-se e se tivesse outra alternativa viável, certamente não deixaria de aproveitar (desde que isso não implicasse muito trabalho, bem entendendido!)

Em relação a isso, não me parece que Mindelo seja assim uma cidade tão diferente das outras.  É um local onde esta realidade é visível, só não vê quem não quer e facilmente se constata que existem diversos níveis de prostituição. As profissionais que se assumem. As profissionais  mais discretas. Aquelas que são putas, mas não são bem porque antes do negócio estabelece-se entre elas e o potencial cliente, (de preferência europeu, solteiro e com dinheiro), uma espécie de romance que às vezes dá mesmo em casamento (o maior dos negócios!) e as muitas outras que se encontram numa espécie de limbo.

Quando saiu no semanário  A Nação uma grande reportagem sobre «as macacas» da cidade do Mindelo foi um rebuliço na cidade porque estamos a falar de uma urbe basofa que nunca gostou muito de se ver ao espelho, principalmente se este reflecte algum traço menos agradável à vista, coisa que nem todos os espelhos fazem. Entenda-se por «macacas», jovens mulheres, sofisticadas q.b., com altos vestidos e raros perfumes, que se fazem «garotas de programa» por valores nada negligenciáveis. Numa linguagem assim mais brejeira ou popular, diríamos que são as putas finas da cidade. Eu amo a minha cidade, mas há que dizê-lo: Mindelo é daqueles lugares onde deitar o lixo para debaixo do tapete e assobiar para o lado se tornou uma especialidade.

A crise e as mentalidades - uma mistura tremenda - fizeram nascer outros fenómenos que, bem vistas as coisas, não são assim tão recentes quanto isso, ou não fosse esta considerada a profissão mais antiga do Mundo. O relato, arrepiante, de que num dos bairros da cidade basta assobiar e lá aparece uma menina, muitas vezes menor de idade, disponível para fazer sexo oral em troca de cinquenta escudos - mais ou menos o preço de um café (a expressão «dar um café» aplica-se aqui muito bem), mostra-nos que este mundo da prostituição tem muito pouco de poético.

Mindelo é também, e ainda, uma cidade cheia de Lolitas. E quem conhece o amargo e genial romance de Vladimir Nabokov sabe que este pode ser muito bem escrito (e é), mas de poético, tem muito pouco.

















Letícia Persiles, protagonista da série Capitu e vocalista da banda Manacá, num ensaio do fotógrafo Moskow, da Astha Produção.








«... estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu.»

Clarice Lispector, A Paixão Segundo G.H.





«Filologicamente amador é o que ama. Na linguagem corrente também, e opõe-se a profissional. Amor e profissão, quando se juntam, dão consequentemente “profissão de amador” ou “amor de profissional”. A primeira confusão dá de comer aos críticos e às galerias de arte, quando as há: a segunda faz nascer os homens de letras, os artistas profissionais e as prostitutas. Nas confusões parece que é sempre tudo a ganhar... Mas entre as muitas coisas erradas e do meu gosto que me têm chamado, é a mais certa, e do meu gosto terem-me chamado “amador”.»

António Pedro - poeta, encenador, artista plástico





É politicamente incorrecto mandar alguém para a Copa que o pariu (pelo menos nestes dias em que não se vai falar de outra coisa)?

À melhor resposta, ofereço um café







        De cada vez que um governo necessita de segredos,
        por segurança do Estado
        ou para melhor êxito
        nas negociações internacionais,
        é o mesmo que negar,
        como negaram sempre desde que o mundo é mundo,
        a liberdade.
        Sempre que um povo aceita que o seu governo,
        ainda que eleito com quantas tricas já se sabe,
        invoque a lei e a ordem para calar alguém,
        como fizeram sempre desde que o mundo é mundo,
        nega-se
        a liberdade.
        Porque, se há algum segredo na vida pública
        que todos não podem saber
        é porque alguém, sem saber,
        é o preço do negócio feito.
        E se há uma ordem e uma lei que não inclua
        mesmo que seja o último dos asnos e dos pulhas
        e o seu direito a ser como nasceu ou o fizeram,
        a liberdade
        é uma farsa,
        a segurança
        é uma farsa,
        a ordem é uma farsa,
        não há nada que não seja uma farsa,
        a mesma farsa representada sempre
        desde que o mundo é mundo,
        por aqueles que se arrogam ser
        empresários dos outros
        e nem pagam decentemente
        senão aos maus actores.

Jorge de Sena (1919 — 1978) poeta, dramaturgo, ficcionista e historiador da cultura.






Que legenda para esta imagem?

À melhor legenda, ofereço um café 





Cruzei-me há pouco tempo com um estranho livro de António Pedro, essa importante figura, principalmente da primeira metade do século XX português, e em várias áreas (teatro, literatura, poesia, artes plásticas), nascido na cidade da Praia, em 1909. O livro chama-se Apenas uma narrativa e entra no domínio do surrealismo literário, e contém algumas  passagens absolutamente deslumbrantes. Publico aqui um excerto, que se revelou a meus olhos como uma das mais felizes definições do trabalho de um actor ou de uma actriz. 

É um pouco longo, mas vale bem a leitura.

«Fui acrobata de circo, pássaro de floresta, som de búzio, campainha de porta, ladrão de enterros, diplomata, banqueiro e cicerone.

Acomodei a minha pele à cor das pedras e fui camaleão. Habituei a minha boca ao sabor das injúrias e fui prostituta. Limei as unhas ao jeito dos espinhos e fiz-me santo. Abri chagas ao longo dos membros e fui mendigo de feirantes. Enchi-me de avidez e fui prestamista como todos os hipócritas. Lavei o coração em água salgada e fui pregador de moralidades. Afligi-me de medos irremediáveis e fui herói. Esperei sombras nas sombras, cheio de angústia, e fui assassino. Trafiquei lágrimas roubadas e fui comerciante. Nasci das árvores, rosado, e fui fruto apetecível. Acomodei-me, pelintra, nos arredores das cidades e fui subúrbio. Conduzi homens para que morressem longe e fui general. Levaram-me em triunfo, entre archotes e flâmulas, e fizeram-me rei.

Fui coveiro, serrador, águia, bússola, carneiro, violador de donzelas e menina desvirgada. Fui senhora séria, da sua casa, bicho-de-conta, camelo do deserto, satélite de estrelas, verme da terra, anjo da guarda, e apodreci, caranguejo, nos montinhos do patelo. Fui flor, rabeca, zunido do vento e água coalhada. Andei no fundo do mar e fui dos peixes sem olhos.

Espalharam-me. Loiro, pelas leiras, e fui milho de reserva, com pouca palha, depois do tempo.

Fiz cama de maravalhas, sob os cardos, fugi ao caçador, e fui coelho de monte. Piquei os dedos das costureiras e fui agulha de ganhar o pão. Fui pinheiro de pinhão e fui pinhão de pinho bravo, cai como uma estrela na areia à minha espera.

Fui rola, lagarto, cofre forte, asa de anjinho de procissão, pendão de irmandade, esfregão, corda de enforcado e fui enfeite de andor. Andei no maruho do mar, nos ruídos das oficinas de serração, nos caixotes da imundice, na mesa da anatomia, no tremor dos possessos, no choro das crianças, no rocio das manhãs, na doença das vacas, na música das romarias.

Fui mentira e andei de boca em boca, cantiga e esquecia-me nos lábios, blasfémia e enrosquei-me nos santos, prece e desfiz-me nos templos, ansiedade e enterraram-me na vala comum das cidades, alegria e desfiz-me em lágrimas, afronta de rico e envergonhei-me à noite, lástima de miserável e sonhei cadafalsos.

Fui verdugo e proxeneta, mártir e cantador. Fiz-me pedra na montanha e ardi em fogo nos brasidos. Trouxe-a comigo, sempre, em todas as metamorfoses.»

António Pedro in Apenas uma Narrativa








Se há uma coisa que me orgulha no meu percurso enquanto criador em Cabo Verde é poder considerar-me amigo de muitos outros artistas cabo-verdianos, sejam eles pintores, músicos, escritores, poetas, coreógrafos, bailarinos ou actores e actrizes. Acho que uma das razões de ser dessa proximidade emotiva e pessoal tem a ver com o enorme respeito que tenho pelo trabalho de toda essa gente. O Café Margoso, que é o local onde por mais vezes exponho publicamente posturas pessoais sobre vários assuntos, tem procurado ser também o local de celebração da arte e dos artistas e como celebração é encarado. Para homenagear, divulgar, reflectir, mas nunca para maldizer. 

Já fui por vezes mal interpretado, nomeadamente com a utilização do termo herói para falar de toda essa boa gente, que utilizei como reflexo de um profundo respeito e reconhecimento dos artistas de Cabo Verde. Se querem que vos confesse, a má-língua que possa haver entre uns e outros, entre colegas de profissão, que é sempre lamentável, interessa-me muito pouco. Ou há debate a sério ou tudo isso não passam de bocas que reflectem apenas algumas frustrações mal resolvidas. Estou à-vontade, também já tive as minhas, faz parte da natureza humana. O que se constrói, apesar disso, é incomensuravelmente maior e mais importante do que essas questiúnculas domésticas e marginais.

Por isso também me orgulho de ter artistas plásticos que me abrem as portas dos seus ateliers para me deixar invadir as entranhas das suas próprias criações. Para uma visita destas temos que estar prontos para oferecer algo em troca e o que nos é pedido, apesar de ser considerado um dos bens mais essenciais da era global, é algo que qualquer ser humano pode dar, se estiver disposto a isso: tempo e disponibilidade. Não se fazem visitas destas com pressa. É preciso estar-se pronto para ouvir, porque quando um artista partilha connosco aspectos tão profundos e essenciais da sua vida, o mínimo que podemos fazer é estar atentos e interessados. Agradecer a dádiva e sobretudo, aprender.

A última destas visitas que fiz foi ao atelier do artista plástico Mito Elias, em pleno Bairro Alto, na cidade de Lisboa, a quem agradeço a forma simpática, generosa e aberta como me recebeu. Tem um trabalho desenvolvido com uma identidade clara, conseguiu impor a sua marca e essa marca combina com qualidade. Trabalha com a emoção e os sentidos e isso vê-se na obra e no discurso. Comeu o pão que o Diabo amassou para estar onde está neste momento e defende o seu próprio trabalho com uma quase ferocidade. É um artista cabo-verdiano que conquistou o seu espaço e tem muito ainda para nos dar. O universo imagético e visual que Mito Elias oferece ao imaginário cabo-verdiano é a nossa maior herança. Para conservá-la são necessárias duas coisas fundamentais: respeito e conhecimento pela/da obra. E pelo autor, já agora.   






Inaugura-se aqui no Café Margoso uma nova rubrica, Dôs, que tem sido publicada no jornal A Nação, ao qual muita gente não tem acesso e daí começar a publicar estas pequenas entrevistas no Margoso. Consiste numa conversa descontraída com algum artista, sobre Arte, Cultura e as pequenas inquietações da vida. Começamos com o Conde, Arménio Vieira, Prémio Camões 2009.

Uns meses depois de teres recebido o Prémio Camões alguma coisa mudou na tua vida?

Arménio Vieira: mudou. Agora sou casado, por exemplo.

Com contrato, papel passado e tudo? E a aliança, onde está?

Ah! Ela quer impingir-me isso mas eu sou refractário.

E como é que te convenceram a casar?

É um caso muito curioso, diria quase inédito. Primeiro, ela era virgem e isso foi também novo para mim. Depois a família dela, conservadora e tradicional, não aceitava que ela arranjasse um namorado. Namoro por namoro, não podia ser. Tinha que ser para casar.

Existe alguma poesia num contrato de casamento?

Existe o lado prático da coisa. E se eu morrer de repente, como é que fica? Pelo menos fica com a minha pensão, que é razoável. Ainda mais agora que vou ser um pai de sessenta anos.

Pensas muito na morte?

Isso é uma pergunta complicada. (Pausa) Quer dizer, não sou obcecado com a ideia da morte. Penso na antecâmara da morte. O Inferno que precede a morte. Por exemplo, a do Mário Fonseca. Para mim foi uma bela forma de morrer. Inconsciente, não teve dores físicas, que eu saiba, e morreu. Mas eu não tenho essa garantia, não é? Claro que me causa espécie, sim.

És daqueles que pensa que a morte é o fim do fim…

Estou convencido que o Homem é consciente desse facto. Não quer findar. E, em parte, as religiões existem por causa disso. Queremos ser imortais. Queremos continuar, eternamente. Olha, tenho um amigo estrangeiro que me dizia que preferia a ideia do Inferno do que a da morte total. Estás a ver, é terrível. Quer continuar vivo, mesmo que seja no Inferno. O Dostoiewski, quando escreveu o livro “Memórias da Casa dos Mortos”, que não é uma ficção pois retrata o período em que ele esteve na Sibéria, demonstra isso na perfeição. Havia lá coisas terríveis. Indivíduos que sobreviviam comendo insectos, num clima horrível, a falta de higiene, levavam pancada e, no entanto, faziam tudo para não morrer.

Faz parte da natureza humana, esse instinto pela sobrevivência.

Em Auschwitz praticamente não houve suicídios. As pessoas iam até à câmara de gás. Sempre na esperança de haver um milagre e se safarem. É terrível. Pensa num rato. O rato foge de quê? A vida de um rato é para quê? Eu não sei o que é ser rato mas no entanto passa a vida a correr para uns buracos, anda sempre assustado. E o maior inimigo é humano.

E o maior inimigo do Homem, continua sendo o Homem?

Não apenas, porque também é o maior amigo.

Ainda acreditas nisso?

Claro que sim. Somos amigos, não?

Claro.

E isso é bom, não é? É agradável. Estamos aqui na esplanada a conversar.

O Inferno afinal, já não são os outros?

O Inferno é muita coisa. Esta crise, por exemplo, é infernal e é provocada por intervenção humana.

As grandes obras artísticas não foram criadas em períodos de crise? Ninguém cria obras-primas quando está tudo bem…

O Mal é a base da grande arte. A tragédia. Mas qual era o lado bom da coisa? É uma espécie de purga.

Ou seja, tem que haver crise para haver criação…

Repara, o Inferno também é monótono. É sempre a mesma coisa: o homem a ser queimado, a ser torturado. A própria tortura não muda. Deviam ser várias torturas para cada homem. Pelo menos, que se variasse a tortura, a forma de passar mal, de sofrer, como acontece nos 120 dias de Sodoma.

Tens produzido mais por causa do Prémio Camões?

Nem por isso. Sempre tive ideias para escrever e romances inventei mais de mil. Mas essa história de pegar na pena, não sei. É preguiça. Antigamente, tinha mais prazer no acto da escrita. Mas eu sempre disse, por exemplo, que ler é para mim mais agradável do que escrever. Já fiz um poema sobre isso. Porque eu quando leio Odisseia, eu sou Homero. Quando eu escrevo o Hamlet, não me dá grande prazer. A ler dá.

E continuas a escrever poesia em SMS?

Continuo, sim. Não são grande coisa. Mas sempre me vou entretendo.


Foto de Alexandre Conceição






Esta declaração vai em jeito de aviso. O Café Margoso anda num ritmo mais lento por questões pessoais inultrapassáveis mas sempre que puder cá estarei a dizer de minha justiça. Entre o descalabro dos TACV, aqui relatado pelo Emílio Fernandes e as 40 horas now-stop de Arte e Cultura em Serralves, que contou com cerca de 70 mil visitantes, há sempre do que comentar e falar. Até porque os TACV e o Museu Serralves tem duas coisas em comum: são ambas do Estado (embora de países diferentes). Por aqui se vê também que, se calhar, ter o Estado a investir um pouco mais na cultura não é assim tão descabido quanto isso. 

Fotografia de Spencer Tunick, o fotógrafo das multidões nuas






A I Gallery, na livraria Eugénio Tavares, some e segue. Desta vez com uma exposição de fotografia de Pedro Moita, intitulada «in Cabo Verde», que é inaugurada hoje e fica até ao próximo dia 30 de Junho. Vale a pena uma visita.

Para mais informações, consultar aqui.




[segundo Quino]