Porque raio é que os furacões tem sempre nomes de mulher?

À melhor resposta, ofereço um café







Vamos lá

1. Vamos lá, olha para o teclado e avança. Escreve, tens que escrever, mais do que isso não esperam de ti as pessoas, algumas haverá que param nesta página de jornal para ler o que tens para dizer, se é que tens alguma coisa para dizer, que pretensão a tua! Vais escrever sobre quê, agora que acabaram as eleições presidenciais? Vais escrever sobre politica? Tem juízo, vai mais é dedicar-te ao teu teatro que para isso te tornaste figura pública, com mais ou menos talento, com mais ou menos aparições nos telejornais, com mais ou menos entrevistas nas rádios, com mais ou menos objectos cénicos produzidos, é no tablado que mais se espera de ti, não venhas para aqui armado em intelectual, para o ser é preciso ter essa capacidade rara e inata de encontrar e jogar na cara de todos os outros seres vivos que te rodeiam citações várias, de autores, académicos, poetas, escritores, filósofos, importantes figuras da nossa história, é fundamental mostrar o quanto usas do teu precioso tempo para ler e reflectir sobre os tempos modernos e depois vir aqui regurgitar as razões que possam justificar ao mais comum dos mortais porque é que o mundo está como está.

2. Vamos lá, liga o teu computador e coloca uma música que seja alimento da inspiração que te falta. Uma suite de Joan Sebastian Bach tocada no violoncelo por Yo Yo Ma fica sempre bem, pena é que os leitores não possam além de ler, ouvir o jornal que tem em mãos, quem sabe assim esta página se tornasse mais suportável. A gente vem aqui, como quem procura alguma tirada de génio que possa colocar no facebook ou no twitter, nesta época ajustada a 130 caracteres, para desencadear algum debate carnificina entre anónimos pouco escrupulosos, e não encontra nada de jeito, apenas um conjunto de frases que não querem dizer nada, nem de lugares comuns esta página está plena, o vazio pode ser muito bom como ponto de partida, mas torna-se enfadonho como ponto de chegada. Temos que encher, sejam chouriços ou almas, temos que avançar, mais uma linha, mais uma frase, mais uma palavra, e pronto, o caminho faz-se caminhando, se não há inspiração escreve-se sobre a falta que ela nos faz, está encontrada a solução mágica, escrever pode ser isso mesmo, um desabafo, um caleidoscópico, um vómito de dentro para fora, mas é importante não abusar da paciência das pessoas, que mais tarde ou mais cedo a gente não aguenta tanta indefinição e, pura e simplesmente, vira a página. É a morte da crónica e a desacreditação total e irremediável do seu autor.

3. Vamos lá, o que dizer quando se está em pleno processo de criação? Como nos suga, por Deus!, como nos suga! Desta vez fala do que é estar diante de uma equipa de dezasseis pessoas, todas elas ali ao teu dispor, porque acreditam no teu talento, nas tuas capacidades, na tua criatividade, na tua aptidão para uma gestão condigna dos recursos humanos, na tua faculdade de ver em cada um alguém único com uma energia própria, é preciso dar uma resposta à altura, em primeiro lugar para toda essa gente. Depois vem o público, pois claro, os aplausos e o reconhecimento são a única moeda de troca, mesmo que estes se mostrem tantas vezes hipócritas e envergonhados. Olham para ti e esperam uma decisão. E agora? O que fazer com esta obra prima iniciática que nos veio parar às mãos? Não percas mais tempo, vem, indica, sugere, capacita, transmite, aponta, aprende, olha, ouve, cheira, impõe a tua autoridade de forma discreta, pede silêncio e concentração nas três a quatro horas de trabalho diárias que estes seres te ofertam diariamente, faz bom uso do tempo deles, que este é o bem mais precioso. Tem, pois, consciência do peso da tua responsabilidade, uma falha tua será sempre uma falha tua, um erro deles será sempre um erro teu, vai, abre e apura todos os teus sentidos e sê o mais exigente espectador de ti próprio. Pára, olha para este espelho e retira o teu umbigo do centro, não és tu que ali estás, é a humanidade vista através da arte cénica, tu tens noção da responsabilidade, do peso que tens sobre os ombros? Não, não tens, caso contrário, não estarias aqui.

4. Vamos lá, acabaste de ler num programa de uma peça de teatro isto: “a quem faz teatro bebendo dos erros alheios. Muitos de nós fazemos teatro vivendo os erros. Ajudando os que erram porque o caminho é a perfeição. Para o esgoto da história os silenciosos.” Que frase! Aprende, porra! Aprende com o Dy Fortes, o autor desta pérola que enriquece esta tua prosa sem nexo nem sexo, um homem que tem como actividade profissional evitar que as pessoas se afoguem, vê lá a ironia, que toca violoncelo de noite e ainda se predispõe a ofertar-se à criação artística sugando o que se passa à sua volta, abrindo o peito às balas da sabedoria, filtrando todas as informações que recebe. Sim, é isso mesmo, para o esgoto da história os silenciosos. Tu, que não consegues ficar calado, adoras isso, não é? Que bela bengala arranjaste agora, veio mesmo a calhar, confessa. Porque estás farto, não é, daqueles que nada fazem e falam, falam, falam nos corredores, nos cantos, nas esquinas, nos lugares pré-destinados de uma plateia de um qualquer auditório, nos cafés, nos bares, nos quartos escuros, nos guetos, todos assim, segredando, rindo-se maldosamente dos erros, dos passos em falso, das incongruências, das fraquezas dos outros. Para quê dizer-to na cara, olhando para os teus olhos incrédulos, o quanto és pequeno e falível, se isso só te tornará mais forte e um nada melhor no pouco que fazes? Para quê?, os sussurros são preciosos nos tempos que correm, não dão armas aos concorrentes, o segredo é a alma do negócio, nada como um pequeno sorriso sarcástico, uma conversa táctica e repentinamente interrompida à tua passagem, para te por a coçar a cabeça, a olhar de soslaio, mais uma pedrinha no lago do descrédito humano que, por si só, já tem muito com que se entreter.

5. Vamos lá, deixa-te de lamúrias. Quem corre por gosto não cansa não é? Olha que cansa, não te deixas levar pelos ditados populares, que isto das generalizações nunca deu bom resultado. Gosto que continues a desaprender em ficar calado, o silêncio só é bom quando com ele queremos dizer alguma coisa, o silêncio sem significado, sem substância, sem conteúdo, apenas à morte interesse e diz respeito. Fala, diz lá o que tens a dizer. Acorda esta gente adormecida, nem que para isso tenhas que recorrer a metáforas e artifícios, para alguma coisa tem que servir todo este tempo de ensaios, de reflexão, de neurónios irreversivelmente queimados, de buscas incessantes por soluções de entradas e saídas de cenas, de fugas ao óbvio, essa arquitectura do instante, essa construção no tempo e no espaço, que continua a ser a pedra de toque na forma como encaras a criação teatral. Agradece aos Deuses, a todos os que conheces, vai ao Google e procura mais alguns se esses te parecerem escassos, acende umas velas e incensos, vai a uma sessão espírita, faz o que for preciso para agradecer a espantosa junção de condicionantes que fizeram com que o grupo que contigo está neste momento, de corpo e alma, esteja a dar uma resposta tão eficaz quanto generosa a esse labor criativo que tanto te consome. Deixa-te de monólogos, isso não existe. Falamos sempre para alguém, nem que seja para nós próprios ou para alguma coisa. Olha bem à tua volta. Acabou a campanha eleitoral, mete as mãos nessa argila pestilenta que é o âmago da humanidade e mostra, com gestos, navalhas, sangue, suor, carne, lágrimas, gritos, cânticos, rituais, bênções e danças, como estamos tão longe do entendimento da nossa própria realidade, como ainda não percebemos o quanto estamos anestesiados, tanta é a dor que nos rodeia. Não há medos na arte cénica. É no abismo que estamos destinados a nos encontrar. Vamos lá.

Crónica publicada no jornal A Nação de 25 de Agosto




Desde que me lembro de produzir o festival mindelact, no já longínquo ano de 1996, a chuva vem nos visitar neste período. Ainda recordo da primeira apresentação de As Virgens Loucas, do nosso António Aurélio Gonçalves, cujas primeiras cenas eram apresentadas no pátio interior de um Centro Cultural do Mindelo ainda por inaugurar, onde numa das falas, uma das meninas dizia: “a gente não pode sair agora à procura de petróleo para as nossas lanternas, ainda mais com esta chuva”! E caiu bem esse comentário, porque como se fosse um efeito especial cinematográfico, lá fora caía uma daquelas tempestades de chuva incansável que deixava as ruas do Mindelo transformadas em rios. Nessa noite também se realizava a tradicional procissão da Nossa Senhora da Luz, conhecida por ser um poderoso chamariz das chuvas que quase sempre caem impiedosamente na terra seca da ilha de S. Vicente, nesta ocasião tão especial para os devotos da cidade do Mindelo.

Todos os anos, as chuvas acabaram por criar problemas à organização do festival de teatro, mas nunca como nos últimos anos, até porque já sabemos que quando chove a cidade pára. As lojas fecham, a luz falta, os restaurantes esvaziam, falta rede nos telemóveis, as crianças não vão à escola, e até os táxis desaparecem das ruas, porque não tem condições de circulação para nelas andarem. Lembro-me bem de há três anos, em pleno mindelact, quase ter sido arrastado, dentro do carro onde circulava, pelas correntes provocadas pelas águas das chuvas bem na frente do centro cultural do Mindelo. Foi, digo-vos, um grande susto.

Num município que nunca se preparou condignamente para estas torrentes foi com alguma desconfiança que os cidadãos olharam as intermináveis obras que a Câmara municipal promoveu para, de uma vez por todas, tentar resolver o problema do escoamento das águas das chuvas. As obras foram duras e prolongadas e como bons mandadores de boca que somos, logo muitos torceram o nariz para tanta azáfama obreira. Mas não é que resultou?

Vem isto a propósito destas chuvas que nestes dias nos vieram fazer uma prolongada visita, esperando, digo eu, que caia agora muito para que nos dias do Mindelact nos poupem um bocadinho e nos permitam receber os nossos visitantes com a mesma tranquilamente climatérica característica de grande parte do ano. Ora, nestes dias a chuva caiu e caiu a sério. E funcionou como o primeiro grande teste às obras de que falava ainda agora. Um teste com um sinal mais do que positivo. Mesmo para aqueles que tem memória curta, facilmente nos lembramos de que bastava uma chuvinha para que as nossas ruas ficassem intransitáveis, a Praça de Estrela ou a rotunda de Ribeira Bote, transformadas em imensos lagos. Pois bem, hoje a cidade acordou alegre e lavada. O alcatrão bem à vista, os pontos mais críticos sem qualquer problema de circulação. Um bem haja, pois, para a Câmara Municipal de S. Vicente, e quem saiba agora, não tenha que haver toda uma cidade que pare, só porque S. Pedro resolveu lhe dedicar uma atenção especial.




Cortesia do meu amigo Jumento (aqui)



Várias breves notas sobre estas eleições presidenciais:

1. A vitória de Jorge Carlos Fonseca é inequívoca e surpreendente. O jurista e poeta consegue o que nunca o todo poderoso Carlos Veiga conseguiu e por uma diferença que não deixa margem para dúvidas. É o grande vencedor destas eleições. 

2. Aliás, o percurso da candidatura é, a este nível, interessante para análise futura. Muito embora tenha sido apoiado de forma empenhada pelo MpD, o então candidato estava retirado da política activa há mais de dez anos, apresentou-se como candidato independentemente dos apoios que viria a receber depois e esta postura valeu-lhe, certamente, muitos dos votos que ganhou na segunda volta das eleições.

3. O povo de Cabo Verde é o outro grande vencedor destas eleições. Surpreendeu baixando os índices de abstenção, apesar da chuva, votou em massa e, claramente, votou num candidato e não num partido político. Conseguiu um feito histórico no país, elegendo pela primeira vez um Presidente de uma área política diferente daquele do partido no poder.

4. O partido no poder, PAICV, é o grande perdedor destas eleições, mais até que os dois militantes que concorreram a estas eleições, Manuel Inocêncio e Aristides Lima. Apostou num candidato que, para muitos, não seria o preferido das bases, e isso foi notório na distribuição dos votos nesta segunda volta. Não soube gerir o conflito interno e a campanha da primeira volta deixa feridas que muito dificilmente serão esquecidas ou sanadas.

5. Sendo assim, José Maria Neves é, por tabela, o grande derrotado individual deste pleito eleitoral. Empenhou-se mais do que devia numa campanha eleitoral e arrastou muitos membros do Governo nessa luta. Teve intervenções infelizes contra camaradas seus e vai ser-lhe muito complicado gerir o partido nos tempos mais próximos. O desgaste é inquestionável, mas este resultado também poderá originar um banho de humildade que fazia falta, depois de três vitórias consecutivas nas legislativas. Em eleições não há vencedores antecipados. Quem assim pensa, arrisca-se a perder. Felisberto Vieira que o diga. 

6. A votação de Aristides Lima na primeira volta é excelente, mas este sai chamuscado pelo seu comportamento em todo o processo de escolha do candidato a apoiar pelo partido tambarina. Das duas uma, ou anunciava a sua candidatura independentemente do apoio que poderia vir a ter e se retirava das suas funções partidárias (como fez, e bem, Jorge Carlos Fonseca), ou depois de acatar as regras impostas pelo seu partido, aceitava os resultados que ditariam o candidato a apoiar.

7. Sujeitar-se a uma votação interna de um partido e, por tê-la perdido, vir a terreiro gritar aos sete ventos que ele sim, era o único candidato da cidadania, foi uma atitude que roçou a hipocrisia política. A ver o que os próximos tempos anunciam em relação ao seu futuro político em Cabo Verde. A meu ver só haveria um: demitir-se do PAICV e fundar um novo partido, junto daqueles quadros que o apoiaram, ligados ao partido ou independentes, que os houve em grande quantidade. Quem sabe este seja o caminho para acabar com o bipartidarismo agudo, a maior doença crónica da nossa democracia.

8. Felisberto Vieira apoiou um candidato diferente daquele apoiado pelo seu partido. Perdeu. Demitiu-se do Governo, numa atitude por muitos considerada exemplar e de coragem. Vir dias depois pedir o voto na candidatura que combateu dias antes foi um tiro no pé que estragou a dignidade que a sua demissão acarretou.

9. É mais do que óbvio que o dúbio comportamento de um dos políticos mais poderosos de Cabo Verde aponta para um único sentido: a candidatura à liderança do seu partido. A ideia que dá é que usou a plataforma presidencial de Aristides Lima para medir o pulso à sua influência eleitoral, pedindo depois o voto em Inocêncio Sousa para minimizar os estragos. A luta política que aí vem dentro do partido promete.

10. Estou convencido ainda que o maior erro de Manuel Inocêncio Sousa, enquanto candidato, foi apresentar-se mais com o perfil de ministro do que com o de Presidente da República. Ora, os cabo-verdianos entenderam a diferença e não lhe deram o seu voto. Ainda assim, foi digno na forma como reconheceu a sua derrota sem recorrer ao habitual discurso do "perdi, mas houve algo de muito errado (e ilegal) que fez com que eu perdesse."

11. Não por acaso, o slogan mais forte de Inocêncio Sousa era MI é Cabo Verde, um jogo de palavras em relação às iniciais do seu nome, mas que alimentaram uma sensação de centralismo e acumulação de poder que não o favoreceu. Ao contrário, o slogan de Jorge Carlos Fonseca, Um Presidente Junto das Pessoas, foi mais inteligente na forma como soube passar a sua visão da função presidencial. 

12. Parabéns à democracia cabo-verdiana, ao novo Presidente Eleito e ao Povo de Cabo Verde.





Praticamente desde a sua fundação, há mais de 18 anos, o Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo, de que faço parte, ensaia numa biblioteca. Na verdade, a mesma biblioteca que muitos conhecem quando lá vão para consultar um livro, fazer pesquisas, trabalhos de grupo ou estudar alguma matéria. E portanto, o que é para quase todos um espaço de silêncio, meditação ou estudo, transforma-se num local de criação artística direccionado para as artes cénicas. Para isso, todos os dias, mas todos os dias mesmo, na hora marcada do ensaio, quase sempre a partir das 19 horas, o elenco chega e a primeira actividade é o arrastar de mesas e cadeiras e a transformação da biblioteca num espaço de ensaio. Todos os dias, no início dos ensaios: tira mesas, tira cadeiras. Todos os dias, no final dos ensaios: coloca mesas, coloca cadeiras e lá estamos nós a transformar de novo o que foi, durante algumas horas, um espaço de ensaio numa biblioteca normal, igual a tantas outras.

Confesso que sempre me agradou esta sensação de criar uma obra de arte, como é uma peça de teatro, rodeado de livros por todos os lados. É que cada um dos livros que está na biblioteca foi, certamente, resultado de um grande esforço, dedicação, de uma forte energia criativa. Agora, imagine-se tudo isso multiplicado por centenas, por milhares de livros. O que temos como resultado é um espaço pleno de boas energias, pronto para receber aquelas pessoas generosas que, depois de um cansado dia de trabalho, ali estão para mais um ensaio de teatro!

Ora, acontece que esta biblioteca do Centro Cultural Português está situada mesmo no centro da cidade do Mindelo e, como tal, rodeada de casas onde vivem outras pessoas. E como podem imaginar, o som dos ensaios acaba por extravasar para o exterior e entrar pelas casas adentro. É como se tivéssemos no nosso lar doce lar uma espécie de aparelho radiofónico onde, todos os dias à mesma hora, ouvíssemos repetições de uma mesma peça de teatro. E no nosso caso particular temos tido nos últimos anos uma espectadora atenta que, montagem após montagem, peça após peça, faz questão de abrir a janela da sua casa para generosamente deixar entrar no seu ambiente pessoal, as falas das nossas personagens. Durante dias e dias a fio. E sendo assim, quando a peça está pronta para ser estreada, já conhece a peça como a palma da sua mão! E agora, é hora de ir ao teatro e verificar o resultado visual de tudo o que ouviu durante tantos dias seguidos.

Num dos últimos ensaios lá estava ela, na sua janela, a cantar uma das músicas da produção Bodas de Sangue, que vai estrear na abertura do festival Mindelact, no próximo dia 09 de Setembro. Pois claro, já a sabia todo de cor, de tanto a ouvir, pela boca dos actores do elenco! Esperamos poder contar com a presença dela nesse dia de estreia para lhe retribuir a sua fidelidade e paciência, que são duas fantásticas qualidades para se poder ser um bom espectador de teatro, desde que, claro, nunca se perca o lado crítico daquilo que se está a ver.







No final do dia só consigo pensar na letra desta música. O processo de criação suga-nos. Só quem passa por isso pode entender o que significa.

[música I So Tired, foto de David Galstyan]





Cartaz Oficial do Mindelact 2011. Arte de Bento Oliveira, César Schofield Cardoso e Nuno Lobo Linhares.

Está quase, quase, quase. Trabalho, trabalho, trabalho. Orgulho!




Geralmente o mês de Agosto é conhecido, para além de ser o tradicional mês das férias, da curtição nas ondas do mar e areias das nossas praias, das parodias nocturnas em ritmo non-stpo, como o mês da música, não fosse nesta altura que tem lugar na nossa querida ilha de S. Vicente, o festival de música da Baia das Gatas, o maior e mais antigo evento musical do arquipélago. Não vou agora, neste âmbito, discutir ou colocar em causa quer a programação e os artistas escolhidos para a edição de 2011, nem muito menos falar dos valores anunciados como o investimento que a Câmara Municipal de S. Vicente, promotora do festival, faz este ano, dito, vejam lá, como um ano de contenção. Seja como for, apetece dizer que já se faz tarde uma profunda reflexão sobre que tipo de investimento e gastos os municípios fazem nestes festivais de música, onde são hipotecados quase sempre as maiores fatias orçamentais que estes tem para dedicar às actividades culturais dos seus programas de acção. Que tipo de retorno os festivais de música nos dão? Justificam os gastos avultados que neles se aplicam? Quem paga esta factura? 

Apesar disso, Mindelo tem se mostrado uma cidade extraordinariamente activa no que às artes cénicas diz respeito. Não me lembro, em muitos anos, de ver tantas peças em cartaz. Desde Julho, com o grupo de teatro Juventude em Marcha, e até ao final de Agosto, tivemos e teremos as mais diversas apresentações teatrais, naquele que será uma espécie de aquecimento para a grande festa do teatro, o festival mindelact, que abrirá portas no próximo dia 09 de Setembro. Das peças apresentadas até agora, permitam-me destacar a obra do Grupo de Teatro do Centro Cultural do Mindelo, A Casa dos Bonecos, da autoria de Caplan Neves, que assina ainda a direcção artística e a música original da peça. Grande trabalho corporal do elenco, belo e pertinente texto sobre violência contra as crianças, um espectáculo pertinente, criativo e inteligente. Assim sim, dá gosto ver teatro crioulo nas nossas ilhas!





Quando será que os gerentes dos restaurantes vão perceber que se fizerem um cliente esperar uma hora por uma simples omelete, o mais provável é esse cliente nunca mais lá querer por os pés?

À melhor resposta, ofereço um café






Dentro, perto & baixo

1. Andaram todos estes dias a tentar dar-nos lições de cidadania. Não deixei de olhar para algumas dessas tentativas de evangelização cívica com um sorriso nos lábios, uma vezes de tristeza outras de escárnio, não só por ver tanta gente ir na cantiga dos novos retóricos da politica crioula como por estes acharem que somos todos feitos da mesma massa cefálica, perfeitamente programável por doses maciças de mensagens inócuas sem qualquer significado concreto, sem conteúdo que obrigue a reflexão ou questionamento, emitidas por carros sonoros que não respeitam nada nem ninguém, por nos quererem entupir de lugares comuns que não querem dizer rigorosamente nada e que parecem esquecer – quando convém – que o percurso de um homem ou de uma mulher não pode nem deve ser apagado, que as estradas e as opções de vida de cada um são reveladores do carácter de quem por elas se move e de quem por elas opta. O discurso da cidadania que ouvimos a rodos durante esta campanha eleitoral foi apenas um trampolim palavroso que tantas vezes soou a falso e devo dizer que não estou a referir-me especificamente à candidatura que tentou, com algum sucesso diga-se de passagem, chamar a si a patente e o direito exclusivo à utilização do termo.

2. Dizem os manuais que cidadania constitui-se do conjunto de direitos e deveres ao qual um individuo está sujeito em relação à sociedade em que vive. Um conceito nascido na Grécia Clássica, e lá utilizado para designar os direitos relativos ao cidadão, ou seja, aquele individuo que vive na cidade e participa activamente dos negócios e das decisões politicas. Então como agora, com as devidas distâncias, nos esquecemos que nem todos somos cidadãos de pleno direito. Na Grécia Clássica, sempre tida como berço e modelo da democracia, os proclamados cidadãos correspondiam a uma pequena minoria privilegiada, e nas cidades dominavam actividades como a escravatura, a violência gratuita, o desprezo pelas mulheres, os maus-tratos ao estrangeiros. Estes últimos eram carne para canhão, pois eram obrigados a fazer serviços militares numa época em que os grandes senhores faziam das guerras carnificinas o seu principal passatempo, às quais assistiam sentados confortavelmente nos palanques dos seus sumptuosos palácios. Da população total de Atenas no período áureo das reformas constitucionais que viriam a dar origem ao sistema democrático, apenas 10 a 15% era considerado cidadão de plenos direitos. Do lugar das mulheres nestas Polis, é melhor nem falar. Vá lá, que pelo menos era-lhes autorizada a ida aos grandes festivais de teatro dedicados a Dionísio, regalia que era concedida apenas às tragédias, e nunca às comédias, que poderiam ser catalisadoras de ideias pouco consentâneas com a sua condição de meras procriadoras de novos cidadãos ou de novos escravos, conforme o caso.

3. Como é evidente, e a História foi disso testemunha, houve neste período, principalmente em Atenas, grandes estadistas que tentaram, de forma empenhada e por vezes entusiástica, minimizar as tremendas desigualdades sociais oriundas de uma estratificação extremamente rígida encarada como algo tão natural como a extensão do mar ou a dureza das rochas. Inovações admiráveis foram aprovadas e algumas boas lições foram aproveitadas por aquele que é conhecido como o sistema democrático actual, vigente em grande parte dos países do planeta. Mas então como agora, as virtudes do sistema deixam a coberto muitos lados podres, incongruências, lixo escondido debaixo do tapete colorido nas virtudes democráticas e da liberdade de expressão. Se na Grécia isso era assumido de forma descarada, hoje a cada vez maior estratificação social é disfarçada por todos os meios através da propaganda, da estatística e da aritmética. Porque continua claro como funcionam certos corredores que dão acesso aos cadeirões dos gabinetes, assim como é claro que uns podem mais que outros. Nos tempos de crise que correm, os pobres estão cada vez mais pobres, os ricos cada vez mais ricos. Esse limbo social chamado classe média, que é como todos sabemos o saco de pancada das crises económicas, vai sobrevivendo como pode, sendo certo que são incomparavelmente mais os que passam a pobres e remediados do que aqueles que conseguem, por iniciativa própria e sem recurso a truques ligados a tráficos de influências ou outros, passar para o restrito clube dos mais abastados cuja entrada dará, mais tarde ou mais cedo, directa ou indirectamente, um livre passe aos principais foros de decisão negocial, financeira e politica.

4. Procurando reflectir sobre a actual campanha eleitoral e sobre os últimos acontecimentos, tenho escrito alguns textos que um amigo meu, com alguma piada, designou de “góticos”, ou seja, escuros, dramáticos, pessimistas. Alguns casos de mortes violentas depois, o passado recente parece querer confirmar esta visão. Cabo Verde não está imune, muito pelo contrário, ao que se passa na Europa ou nos Estados Unidos da América e essa terrível pressão exercida pela instalação a titulo definitivo de uma crise económica que veio para ficar e que foi provocada, não nos esqueçamos disso, pelos grandes barões do sistema financeiro global vigente, tem provocado um stress social que origina o actual quadro que acaba por marcar os noticiários da televisão nacional: violência, mortes, demagogias, incompetência e descaramento, em quantidades doseadas por controlo remoto. Comentando isso com meu pai, um dos seres humanos mais lúcidos, coerentes e brilhantes que conheço, este deu-me, numa curta mensagem, uma daquelas lições de vida que não queria deixar de partilhar com todos vocês. E então, foi assim:

5. “Esta é uma crise de fundo que - a meu ver - resulta de termos percebido que a esquerda não conseguiu construir uma alternativa para isto. Há pouco tempo escrevi - e disse-o às pessoas num recital - que a única solução é recomeçar tudo, começando pelo que está dentro, pelo que está perto e pelo que está em baixo. "O que está dentro": fazer a revolução por dentro, reorientando a nossa vida concreta drasticamente segundo os valores em que acreditamos (é mais fácil para os criadores, porque sem essa atitude não há verdadeira criação, apenas exibição). "O que está perto": começar pelas pequenas comunidades a que pertencemos, a família, os amigos, o bairro, a escola, o emprego/a empresa. Falhada a aplicação prática dos grandes sistemas ideológicos dos sécs. XIX e XX, só na nossa esfera de vida individual podemos propor, discutir, aceitar ou rejeitar as famosas "soluções de futuro". "O que está em baixo": colocar sempre a questão do poder, em nós e nos que estão à nossa volta. Porque falharam os belos sistemas propostos pela esquerda? Porque nunca conseguiram detectar (e evitar) a constituição de novas elites opressoras da maioria. Porque a democracia autogestionária de base não é um cliché, é uma forma de actuar na prática quotidiana. Dito (tudo) isto, só tens um belo caminho à tua frente, mas tenta vivê-lo com entusiasmo porque o entusiasmo dá-nos alegria. Pensa que fazes parte de uma ínfima parcela da humanidade que se pode dar ao luxo de comer todos os dias, de ter um tecto e (sobretudo) de trabalhar naquilo de que gosta.” Lendo isto, a única coisa que me resta, é preparar-me para o próximo ensaio e continuar a acreditar que é possível, ainda, dar um novo rumo ao actual estado de coisas.

Mindelo, 11 de Agosto de 2011




Tendo em conta que Pedro Pires ganhou a sua primeira disputa eleitoral ganhou por uma diferença de apenas 12 votos, não tenho qualquer dúvida em anunciar que o grande vencedor da primeira volta destas eleições presidenciais foi Joaquim Monteiro, que conseguiu a espantosa cifra de 2940 votos, ainda com setenta e oito mesas por apurar.  Sem carros ou comícios a entupir os ouvidos dos cidadãos vinte e quatro horas por dia. Sem gastos em marketing político de gosto mais do que duvidoso. Considerando o que o Estado paga ao candidato por cada voto, eis que o nosso candidato ganhará certamente o suficiente para compensar os gastos em bilhetes de autocarro durante a campanha e ainda lhe sobra algum para preparar uma já anunciada candidatura para 2016. É obra!




EU ME COMPORTAR? 

Desde pequeno vi o Tarzan andar pelado. Cinderela chegava meia noite. Pinocchio mentia. Aladim era ladrão. Batman dirigia a 320 km/h. Branca de Neve morava com 7 homens. Popeye fumava grama e era todo tatuado. E o PacMan corria numa sala escura com música eletrônica comendo pílulas que o deixavam acelerado. 

TARDE DEMAIS! A culpa é da INFÂNCIA!

(via Facebook)









Arte fotográfica com fósforos, nestes tempos de escuridão Mad in Electra (fonte: aqui)





“Nós todos somos traidores? Então, se calhar, o melhor é reabrir o campo de concentração”
“Podem amarrar-nos as mãos, podem amarrar-nos os pés, mas nunca nos poderão amarrar o pensamento”

Frases de Felisberto Vieira, actual membro do Governo de Cabo Verde, num ministério criado à sua medida - Ministro do Desenvolvimento Social e Família - e que durante três anos foi Conselheiro Político do Primeiro-Ministro.


Comentário Margoso: não me apetecia muito falar da actual campanha eleitoral, mas a coisa está tão animada, que fica difícil ficar quieto. Além do mais, é sempre uma forma de animar o café, que em tempo de campanha eleitoral, fica sempre morno, pois a clientela anda quase ocupada a apoiar, legitima e democraticamente, os seus candidatos. E em relação às frases aqui publicadas, tendo em conta o ponto a que isto já chegou eu não entendo duas coisas: primeiro, por que carga de água o senhor Ministro ainda não pediu a demissão do Governo; segundo, por que raio ainda não foi demitido. Continuar onde está, não faz sentido. Haja coerência, dos dois lados.

Por mim, já decidi: nesta primeira volta vou votar no senhor Djack, que ainda não pediu apoio a nenhum partido, nem sequer ao PSD do senhor Além, e é o único que respeita a minha condição de cidadão não me entupindo com a insuportável poluição sonora dos carros, das sedes de campanha e da cacofonia dos comícios nocturnos.