Dôs com Bau

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Nasceu e cresceu no meio dos cavaquinhos, violinos e violões, tem as cordas e as notas musicais no sangue e há muito pouco que ele não consiga fazer com um destes instrumentos na mão. Um virtuoso, na mais pura acepção da palavra. E sonha ter uma escola para ensinar o que sabe.

Quantas horas por dia são necessárias de prática para poder atingir uma performance como a que tu consegues nos instrumentos de corda?

Bau: normalmente, para atingir os teus objectivos, numa exigência que é fundamental para qualquer artista, as horas nunca são demais. Claro, há sempre um limite, todos tem outras coisas que fazer, mas no meu caso particular toco cerca de seis a oito horas por dia. E tem noites em que me deito mais cedo, e acabo acordando por volta da uma da manhã e aí aproveito e fico a praticar até de manhã.

E tens aquele hábito bem mindelense de fazer aquela caminhada logo de manhãzinha, ir à Laginha, fazer um treino…

Antes corria mesmo, gostava de desporto. Mas neste momento ando um bocado malandro. Mas nessas noites em que eu fico a tocar até de manhã, preciso de descansar um pouco, senão não se aguenta.

A tua prática, o teu treino, está mais relacionada com a técnica dos dedos, da mão ou com questões harmónicas, de procura de novas sonoridades?

Pratico a criatividade. A harmonia. E também a ginástica dos dedos. Quer dizer, depende do que eu pretendo em cada altura.

Como é que nasceu esse teu gosto pelo instrumento de cordas. Todos sabemos que o ambiente familiar foi fundamental, mas o que queremos saber é quando é que pegaste num instrumento desses pela primeira vez e te apaixonaste por esta prática?

Desde que eu me lembro de existir, com 3 ou 4 anos, que o instrumento me chamava muito a minha atenção. Via as pessoas a passear com os seus violões, as serenatas...

Tens a memória daquela primeira vez em que pegaste num cavaquinho ou numa viola e começaste a tocar ou a tentar tocar?

Na oficina do meu pai, com uns seis anos, eu via os instrumentos com uma corda, duas cordas, que ali estavam para compor e eu ficava a pegar neles e experimentava. Aquela oficina era o meu mundo. Instrumentos pendurados, outros no chão, uns inteiros, outros por construir. Foram dos melhores momentos da minha vida, aqueles em que eu passava na oficina do meu pai, rodeado por todos aqueles instrumentos de corda.

Começaste a tocar então num cavaquinho de uma corda só?

Era isso mesmo. Eu pegava naquilo e tentava tirar música dele...

O teu pai nunca se chateava por estares a mexer nos instrumentos?

Ele não era pessoa para se zangar.

Mas sentias que ele ficava contente por sentir que poderias seguir as suas pisadas?

Ele era um observador, ficava ali a ver o que será que aquela criança iria conseguir fazer com aquele instrumento nas mãos. Até porque depois, um dia apareceu na casa com um cavaquinho embrulhado num papel de saquinha, feito à minha medida, pelas suas próprias mãos. Não se poderia imaginar um presente melhor do que aquele.

Foi logo a partir daí que terá nascido essa tua “mania” de construíres os teus próprios instrumentos, e feitos à medida? Um dos teus cavaquinhos mais conhecidos é maior do que o cavaquinho tradicional…

Sim, com a aprendizagem senti necessidade de fazer um cavaquinho maior, para me dar maiores possibilidades nos solos. Gosto dos instrumentos quando são feitos pela minha mão. Há um outro trato. Mas hoje em dia, com as necessidades técnicas e de electrificação, somos praticamente obrigados a adquirir os nossos instrumentos já feitos, porque não se encontram certos materiais em Cabo Verde.

Sendo, como és, um músico muito viajado, conhecendo muitos outros instrumentos, como é que classificarias a qualidade dos que são feitos aqui em Cabo Verde?

Não haja dúvidas que o nosso cavaquinho, o cavaquinho cabo-verdiano, tem um som próprio. Mas muitas vezes nós não temos muitas opções de materiais, tipos de madeira, etc. que nos possam fazer optar pelo melhor possível. Nem sempre conseguimos.

Tens a sensação de que se tivesses nascido num país europeu ou nos Estados Unidos, poderias ter uma projecção internacional, enquanto instrumentista, que Cabo Verde não te permite alcançar?

Tenho consciência que poderia ter ido um pouco mais longe. Aqui há muitas limitações, é um meio curto. Já o facto de estar num local pequeno, sem poder de compra, sem mercado, não te dá muitas opções...

A gerência da tua carreira é feita por ti próprio?

Tive um tempo com o Djô da Silva mas neste momento estou parado. Em reflexão. O que não é bom. Estar parado nunca é bom. Continuo a tocar nos locais habituais, nos hotéis e bares do Mindelo, mas é por prazer, não pelo dinheiro. Eu vejo a música, ou a arte em geral, como uma fonte de prazer. Fazer as pessoas ter prazer. A parte financeira é importante, mas vem depois.

Quando começas a solar em cima do palco, o que te passa pela cabeça? Viajas, esqueces-te onde estás? Ou simplesmente estás concentrado em tocar o melhor possível a todo o momento?

Eu nem me apercebo do que se passa à minha volta. Estou num outro mundo. A viajar. O som é que me leva. Esqueço-me do público.

Mas gostas do aplauso final?

Claro, é um incentivo. A gente sente que deste alguma coisa e estás a receber algo em troca.

Se pudesses definir qual a tua posição no panorama musical cabo-verdiano, o que poderias dizer? Tens consciência da importância que tens no meio?

Penso que sim. A gente tem que saber o que andamos aqui a fazer. Mas de resto tenho presente que estou sempre aberto para aprender algo de novo, e que é importante manter os pés no chão. Ando sempre à procura de algo novo. Algo que ainda não exista. Ir ao encontro disso. E penso que neste percurso, como cabo-verdiano, tenho dado o meu contributo.

De todos estes músicos com quem já trabalhaste, qual foi o que mais te marcou? Aquele que te fez sentir mais prazer em acompanhar?

Há vários. Desde que seja alguém que transmita algo, que consigamos ter uma comunicação em cima do palco, a coisa funciona e dá prazer a todos.

E como é, por exemplo, acompanhar um músico como o Paulino Vieira?

É um músico extraordinário. E com ele temos que estar preparados para tudo, porque muita coisa pode acontecer com o Paulino. Mas às vezes é difícil…

O que te falta fazer enquanto criador, enquanto músico? O que gostavas de fazer que ainda não conseguiste, o teu maior sonho?

Criar uma escola de música. Ensinar as crianças um pouco da minha arte. Faltam-me algumas condições. Em primeiro lugar, em próprio tenho que me dar um tempo para este projecto. Tenho uma grande necessidade de transmitir o que sei. 





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1 comentário:

Ivan Santos disse...

excelente pausa para um café...!!!