Dõs com Arménio Vieira

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Inaugura-se aqui no Café Margoso uma nova rubrica, Dôs, que tem sido publicada no jornal A Nação, ao qual muita gente não tem acesso e daí começar a publicar estas pequenas entrevistas no Margoso. Consiste numa conversa descontraída com algum artista, sobre Arte, Cultura e as pequenas inquietações da vida. Começamos com o Conde, Arménio Vieira, Prémio Camões 2009.

Uns meses depois de teres recebido o Prémio Camões alguma coisa mudou na tua vida?

Arménio Vieira: mudou. Agora sou casado, por exemplo.

Com contrato, papel passado e tudo? E a aliança, onde está?

Ah! Ela quer impingir-me isso mas eu sou refractário.

E como é que te convenceram a casar?

É um caso muito curioso, diria quase inédito. Primeiro, ela era virgem e isso foi também novo para mim. Depois a família dela, conservadora e tradicional, não aceitava que ela arranjasse um namorado. Namoro por namoro, não podia ser. Tinha que ser para casar.

Existe alguma poesia num contrato de casamento?

Existe o lado prático da coisa. E se eu morrer de repente, como é que fica? Pelo menos fica com a minha pensão, que é razoável. Ainda mais agora que vou ser um pai de sessenta anos.

Pensas muito na morte?

Isso é uma pergunta complicada. (Pausa) Quer dizer, não sou obcecado com a ideia da morte. Penso na antecâmara da morte. O Inferno que precede a morte. Por exemplo, a do Mário Fonseca. Para mim foi uma bela forma de morrer. Inconsciente, não teve dores físicas, que eu saiba, e morreu. Mas eu não tenho essa garantia, não é? Claro que me causa espécie, sim.

És daqueles que pensa que a morte é o fim do fim…

Estou convencido que o Homem é consciente desse facto. Não quer findar. E, em parte, as religiões existem por causa disso. Queremos ser imortais. Queremos continuar, eternamente. Olha, tenho um amigo estrangeiro que me dizia que preferia a ideia do Inferno do que a da morte total. Estás a ver, é terrível. Quer continuar vivo, mesmo que seja no Inferno. O Dostoiewski, quando escreveu o livro “Memórias da Casa dos Mortos”, que não é uma ficção pois retrata o período em que ele esteve na Sibéria, demonstra isso na perfeição. Havia lá coisas terríveis. Indivíduos que sobreviviam comendo insectos, num clima horrível, a falta de higiene, levavam pancada e, no entanto, faziam tudo para não morrer.

Faz parte da natureza humana, esse instinto pela sobrevivência.

Em Auschwitz praticamente não houve suicídios. As pessoas iam até à câmara de gás. Sempre na esperança de haver um milagre e se safarem. É terrível. Pensa num rato. O rato foge de quê? A vida de um rato é para quê? Eu não sei o que é ser rato mas no entanto passa a vida a correr para uns buracos, anda sempre assustado. E o maior inimigo é humano.

E o maior inimigo do Homem, continua sendo o Homem?

Não apenas, porque também é o maior amigo.

Ainda acreditas nisso?

Claro que sim. Somos amigos, não?

Claro.

E isso é bom, não é? É agradável. Estamos aqui na esplanada a conversar.

O Inferno afinal, já não são os outros?

O Inferno é muita coisa. Esta crise, por exemplo, é infernal e é provocada por intervenção humana.

As grandes obras artísticas não foram criadas em períodos de crise? Ninguém cria obras-primas quando está tudo bem…

O Mal é a base da grande arte. A tragédia. Mas qual era o lado bom da coisa? É uma espécie de purga.

Ou seja, tem que haver crise para haver criação…

Repara, o Inferno também é monótono. É sempre a mesma coisa: o homem a ser queimado, a ser torturado. A própria tortura não muda. Deviam ser várias torturas para cada homem. Pelo menos, que se variasse a tortura, a forma de passar mal, de sofrer, como acontece nos 120 dias de Sodoma.

Tens produzido mais por causa do Prémio Camões?

Nem por isso. Sempre tive ideias para escrever e romances inventei mais de mil. Mas essa história de pegar na pena, não sei. É preguiça. Antigamente, tinha mais prazer no acto da escrita. Mas eu sempre disse, por exemplo, que ler é para mim mais agradável do que escrever. Já fiz um poema sobre isso. Porque eu quando leio Odisseia, eu sou Homero. Quando eu escrevo o Hamlet, não me dá grande prazer. A ler dá.

E continuas a escrever poesia em SMS?

Continuo, sim. Não são grande coisa. Mas sempre me vou entretendo.


Foto de Alexandre Conceição




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2 comentários:

Eileen Almeida Barbosa disse...

Rica ideia, João, sempre nos pode falhar alguma do jornal. E aqui, podemos comentar!!

Totalmente de acordo com o Conde quando diz que por aqui, ninguém quer morrer. Temo-lo constatado com N exemplos.

Anónimo disse...

Já sabia que és BOM, mas Conde; até que tens um ar de realeza. Quanto a conversa, sem açucar nem adoçante, e não está margoso, café puro de adrenalina, fogoso como Inferno, doloroso como pensar na morte.