Declaração Cafeana

3 Comments



Hoje em dia, com a chamada democratização dos vôos e a globalização da informação providenciada pela Internet, viajar perdeu (quase) toda a sua poesia. Vamos para determinados lugares já com tudo programado, visto e revisto pelos sites, conhecemos de antemão os percursos, os hotéis, os quartos onde vamos dormir, as principais atracções turísticas das cidades ou lugares, vamos para os aeroportos, fazemos o chek-in, atravessamos o mundo em poucas horas a treze mil pés de altitude (ou algo parecido), com temperatura externa de 50 graus negativos, com azar passamos por algumas zonas de turbulência que nos fazem rever a nossa vida em alguns segundos só para o caso de... E aterramos, sem surpresas, mas são e salvos, no nosso destino final, sem perceber que o mais interessante ficou para trás: o caminho para lá chegar.

Tudo se desmorona quando verificamos que a cidade afinal não é tão encantadora como parecia nas fotos dos sítios oficiais dos municípios, ou que o hotel está velho e caduco e nada tem a ver com o que nos foi ofertado pelos catálogos online com fotografias tiradas certamente no dia da sua inauguração, um ou dois dias de chuva impedem que entremos no paraíso prometido de areias brancas e águas translúcidas, numas férias que nos fizeram sonhar quiçá com sereias, mágicos, mitos e lugares cheios de surpresas (agradáveis, de preferência). Acabamos por regressar, outra vez da mesma forma rápida e célere, jurando a nós próprios por descargo de consciência que sim senhor, foram uma férias bestiais e o dinheiro muito bem empregue, que venham mais como estas assim houver condições para tal.

Eu confesso: fiz três inter-rail's na minha juventude, essas viagens inesquecíveis pela Europa, onde se compra um bilhete de comboio que dura 30 dias e se pode viajar por todo o lado a qualquer hora em qualquer comboio. Ainda me lembro de estar em Paris e decidir se queria viajar para Budapeste ou Veneza. Dormir em Munich para depois seguir para Copenhaga, escolher Florença ou Istambul como os lugares onde ficaremos mais tempo, em viagens programadas de forma a que o máximo número de noites fossem passadas a viajar dentro dos comboios, onde se dorme muito bem (como quando nos cantam uma canção de embalar), e se acorda num novo dia numa nova cidade cheia de história e da qual apenas ouvimos falar em lendas e romances.

Por isso, andar de ônibus durante vinte horas pelo sertão brasileiro para fazer percursos que se podiam fazer de avião em duas é uma experiência indispensável para quem ainda tem o espírito do verdadeiro viajante, que é aquele que aprecia mais o percurso propriamente dito do que anseia pelo destino final. Aqui, como na vida afinal de contas, o caminho que andamos é tão ou mais importante que o resultado final resultante destas andanças e tantas vezes nos esquecemos disso mesmo. Agora que cheguei à terra natal do Padre Cícero estou pronto para compreender melhor a força desta figura tão amada, com quem me cruzei pela primeira e única vez na montagem da peça Auto da Compadecida. Que Ele proteja os que ainda mantêm aceso o espírito dos andarilhos e dos viajantes apaixonados.




You may also like

3 comentários:

Anónimo disse...

good one, man!
Tira os óculos e sinta o Sertão.
Em tempos fiz uma viagem assim.
Dá gosto lembrar.

Djinho Barbosa

Unknown disse...

Eu consigo entende-lo, na nostalgia das minhas deambulações por essoutro paraíso, Angola, de vários amores, das queimadas, dos leões sem juba, do capim gigante a perder de vista e dessas estátuas vivas que são as mulheres do Cunene...

Pois, está bem disse...

Não esqueça o repelente...