Plágio 13: Um Elefant na nossa casa?

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O Zé Cunha escreveu um comentário no post sobre o filme Elephant, que me parece ser merecedor de uma reflexão mais apropriada. Por isso o coloco aqui, com a devida vénia, autorização e destaque, para que todos possamos reflectir sobre esta questão da violência, que parece querer tomar conta da nossa sociedade.

Então cá vai:

Os problemas sociais são como os problemas de saúde. Dão sempre sinais. Umas vezes ignoramo-los, seja por pura negligência, seja porque julgamos que ainda é cedo e temos muito tempo, seja porque não nos apercebemos deles como problemas potenciais. Outras, quando resolvemos dar-lhes atenção, descobrimos que se trata de um "câncro" em estado terminal. Idividualmente ou socialmente, é assim que acontece. É tudo uma questão de leitura, caso contrário ficamos paranóicos.

Elefant foi Palma de ouro em 2003, tal como o Bowling for Columbine do Michael Moore em 2002, foi Óscarizado e Palmeado em Cannes (não foi a Palme D'Or). Eu cá prefiro o cineasta ao documentarista, mesmo reconhecendo alguma pedagogia utilitarista-choque de Moore.

Elefant mostra-nos o inevitável. Devolve-nos a perplexidade de Columbine. Diz-nos simplesmente, estes passos, estes olhares, são os dos vossos filhos. O horror, e a tragédia, caminha com eles, com a mesma naturalidade que as mochilas que eles carregam. Genial, mas terrível, não é? Quase não dá para acreditar. Mas acreditem, é mesmo assim.

Qual é a fronteira que nos separa da catástrofe? Onde e quando acontece o Clique mortífero? Dito de outra forma, haverá forma de "policiarmos" o que vai na cabeça das pessoas? A verdade é que há sempre um momento anterior, algures nas nossas vidas, na relação com os nossos filhos, amigos, vizinhos, há sempre um momento preciso da nossa distracção, em que viramos a cara para o lado errado, em que (quem sabe, cansados) fingimos não ver, que a tragédia já aconteceu e vem a caminho, como um rio enfurecido, um tsunami, ou uma manada em fuga, pronta para atropelar quem lhe aparecer pela frente.

Daria pano para mangas. A nossa relação com o que nos rodeia é de perfeita e total indiferença. Só nos "incomodamos" depois da tragédia, com aquele ar estupidefacto de quem não sabia, ou não estava à espera. E não passa só pelas pessoas. O Estado, o Status Quo, também prefere que assim seja. Nada é por acaso. É que assim eles "demonstram-nos" como um teorema, o quão necessária é a Polícia, e benéfica a repressão, de entre outros métodos de controlo da liberdade. É mais fácil policiar, reprimir, controlar, do que ir à raíz dos problemas. Sai muito mais barato, e o tal Status Quo até nem importa de a pagar.

Elefant? Columbine? Putos com armas? Violência à nossa porta?
E o resto? Nada disto cai do céu aos trambolhões, nem é fruto do acaso.
A miséria (social, cultural e humana) não explica tudo. O seu oposto, o bem estar social e o nível de vida elevado também não. Onde está o mal?

Andamos adormecidos, e anestesiados ao que é essencial. Vivemos empaturrados de coisas supérfluas, que têm por única missão alimentar a nossa desatenção. Não, não se trata de ócio. Santo ócio.

Elefant é um grande filme, um filme sintoma. Incómodo como deve ser. Mas só para quem o vir, e estiver atento. Caso contrário é um filme "chato", claro! E ele ser um filme chato, já faz parte do sintoma.




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5 comentários:

Anónimo disse...

Aplausos para o Zé cunha e para ti tb João, por chamarem atenção para assuntos tão importantes como este.
O Zé Cunha tem razão quando diz que os problemas sociais são como os problemas de saúde, não só pelas razões apresentadas mas também porque assim como os problemas de saúde, os problemas sociais são frutos de vários factores (familia, sociedade, escola,etc,etc...). Por isso, não adianta tentar procurar de quem é a culpa e nem focar-se no problema em si, sem ter em conta as causas, porque é nelas que está o remédio. Contudo, não adianta também tentar tratar as causas separadamente, elas têm de ser vistas como um todo interdependente. Esta violência entre os jovens, vai começar a curar-se quando a família, a escola, a comunidade (em que estes jovens estão insridos) e os próprios jovens, começarem a trabalhar em conjunto, como já começou a ser feito em vários países, através de programas de intervenção que trabalham essencialmente as competências sociais. Estes programas são aplicadas nas escolas, mas implicam a participação dos pais, dos próprios jovens, professores e outros profissionais das escolas. Têm mostrado grande eficácia na prevenção da violência, comportamentos de risco, exclusão social, racismo, entre outros resultados negativos. Deste modo, acho que,como no caso das doenças, é na prevenção de está a cura deste mal. Nada como a educação, no seu sentido mais lato, para criar uma sociedade mais saudável globalmente.

Unknown disse...

Eu tenho dito, em relação a vários assuntos - não só o da cultura da violência - mas também o da falta de outro tipo de «culturas», que o maior problema actual de CV é um problema de mentalidades. E esse combate só é possivel se for transversal a todos os sectores da sociedade. E não se resolve numa geração. É uma luta diária, que sem dúvida, começa em casa.

Alex disse...

Sisi
No diálogo que mantive com o João no Post original, eu falo da necessidade da Escola debater todas estas questões, Violência ou não (seja ela a Doméstica, a Pedofilia, a Droga, etc., mas também outras questões menos cruas, mais 'doces', e não menos narcotizantes, mas nem por isso menos importantes) com a mesma naturalidade de uma qualquer disciplina curricular. Mais. Tenho para mim que a escola tem que se constituir hoje como uma espécie de "território de guerra", de "combate" pela lucidez, pela inteligência, pela criatividade, tanto quanto pelo saber e pela informação. É que, de facto, estamos 'em guerra' contra inimigos mais astutos, mais ferozes, mais traiçoeiros, mais hábeis, de que a violência é apenas uma das parte visíveis mais mediáticas e dramáticas, mas nem por isso mais trágica. Só esta luta sem quartel, não apenas aos chamados problemas sociais, às 'chagas da sociedade', podem fazer a Escola cumprir o seu papel, de educar, fazendo crescer as pessoas. Daí que a escola terá de ser lugar de exigência e de excelência. De coisas tão banais para a formação do indivíduo, como o sentido crítico ou a formação do gosto, para que aprendam a dizer NÃO, de uma forma lúcida, ao lixo que lhes é impingido todos os dias pela publicidade, pela TV, pelo comércio, pela competição egoísta, pelo consumo desenfreado, por este espírito materialista onde o desejo cego de TER por ter, vem afogando dia-a-dia o sentido e a necessidade do SER. Advogo pois uma escola que esteja na vanguarda da luta por uma sociedade mais justa, equitativa e democrática. Mas uma escola que não se limite à informação teórica e livresca. Uma escola que ajude a refundar a Nação sob novos alicerçes que não apenas estes, copiados de modelos já gastos e falidos, que ajude a criar a verdadeira cidadania de amanhã. Uma escola que vá ao mundo beber as suas lições mais belas e as mais duras, uma escola que obrigue o mundo (Pais, políticos, artistas, desportistas, gente simples e humilde, etc., etc.) a sentar-se de novo nos seus bancos e carteiras, para a acompanhar de perto. Uma escola que se recuse a ser apenas depósitos de crianças para tranquilidade dos pais e intranquilidade dos professores. Uma Escola que seja um verdadeiro CONTRA-PODER, contra os muitos poderes que em vez de nos libertar, nos amordaça, nos diminui humana e espiritualmente, nos nega, nos exclui, nos usa e abusa, etc., etc., Uma escola que ensine a ouvir e a perguntar, e não a repetir. Uma escola que ensine a questionar o que nos rodeia, que ensine a ser incómodo, que interpele. Uma escola armada de PORQUÊS e PAMODIS. Uma escola que ensine o NÃO aonde se espera que docilmente esteja um SIM. Não sei se é esta a receita que evitará a catástrofe. Não acredito em receitas, ou em modelos acabados. A vida é dinâmica, o ser humano plural, e o caminho faz-se caminhando. Uma coisa eu sei. Será um passo na direcção certa. Só a educação e a formação sólidas, e completas, poderão ajudar a criar cidadãos exigentes e lúcidos. Por educação sólida, entendo aquela que nos apetreche de saberes e de técnicas, sem descurar o espirito, a moral, a ética, a estética, o sensual. Uma escola também da sensibilidade. Como deve calcular a Escola por mim defendida não é o espaço intramuros aonde as crianças e os jovens são despejados diariamente. É o que a precede (a casa) e o que vem depois (o mundo). É um corpo vivo interagindo com o mundo.

Sobre esta matéria, no plano teórico, encontrará um artigo interessante no Blogue: furnas.arteblog.com.br "AINDA A PROPÓSITO DA VIOLÊNCIA: UM OU OUTRO ANGULO DE PERCEPÇÃO".

Cps
ZCunha

Anónimo disse...

ZCunha obrigada pela dica!
Assino em baixo do seu comentário. Quando me referi a escola (ñ o especifiquei com exemplos como fizeste e bem), era exactamente deste tipo de escola que eu estava me referindo e não à conservadora instituição que insiste em manter um modelo de educação que já não funciona (será k funcionou algum dia?). Tenho tido a oportunidade de estar por dentro deste modelo porque estou fazendo meu estágio curricular numas escolas primárias aqui em portugal e digo, é mesmo urgente começarem a repensar um outro conceito de escola.

Abraço!

Unknown disse...

E como tenho eu apreciado esta conversa entre os dois. Com este nivel, não há muito mais para dizer. Abraço aos dois...