Crónica Desaforada

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O Bill Gaitas

1. Há um texto muito conhecido nas redes sociais que descreve alguns “conselhos” que Bill Gattes terá dado, em forma de palestra, numa escola secundária, tendo centrado a sua intervenção no facto da politica educacional de “vida fácil para as crianças”, ter criado uma geração “sem conceito da realidade” e de como esta politica para a educação tem levado as pessoas a falharem nas suas vidas, após a entrada – ou tentativa de entrada – no mercado de trabalho, no que na boca do povo conhecemos pela “universidade da vida”.

2. A essa propósito, ainda há bem pouco tempo, conversava com uma pessoa amiga sobre como o nosso sistema educacional está, cada vez mais, a deformar em vez de formar os jovens, em vários aspectos, sendo que o domínio da língua portuguesa, escrita ou falada, é o mais aberrante exemplo, dado que é raro encontrarmos estudantes, incluindo os que militam nas universidades, que saibam desenvolver um raciocínio lógico, defender um ponto de vista pessoal, fazer uma análise critica, ou escrever uma frase completa em português que não tenha dois, três ou mais erros ortográficos e gramaticais.

3. Fazendo um pouco de humor com coisas sérias, diria que os conselhos do magnata dos computadores podem até servir para os estudantes que compuseram a sua plateia, mas duvido que tenham alguma serventia por estes lados. Senão vejamos: na primeira “regra” anuncia que “a vida não é fácil, acostume-se com isso”. Ora, cá está algo complicado de se fazer e há quem grite “sabe pa cagá” por causa disso mesmo. Trabalha-se pouco? Nada que uma tolerância de ponto ou um período único durante três meses não resolva, só para descontrair. Acabou o final do ano, onde apesar da crise, houve sempre forma de se desenrascar um vestido garrido, um sapato novo, pagar a festa de cinco contos por casal e ainda sobrar algum para estourar no período de ressaca, e já estamos a pensar no carnaval, nas festas, nas paródias, em quanto vamos gastar na nossa próxima fantasia ou, pensando mais curto, no nosso próximo fim-de-semana. Quem apanha as canas desta prolongada farra colectiva? Isso ainda ninguém foi capaz de responder.

4. Na segunda regra, avisa, sério e compenetrado: “o mundo não está preocupado com a sua auto-estima. O mundo espera que faça alguma coisa útil por ele antes de sentir-se bem consigo mesmo”. Sorry, Bill, mas por aqui isso não resulta. A basofaria é património nacional e não é um qualquer multimilionário que nos vem tentar convencer do contrário. O mundo pode não estar preocupado, mas nós, oh como estamos! Aquele penteado última moda, aquela roupa fashion para dar um show na Praça Nova, aquele perfume de sete contos o frasco, aquele telemóvel de última geração com tecnologia 3, 4 e 5 G! Não há nada que nos pare, somos nós, a nossa imagem, a nossa sombra, os nossos projectos, o nosso ego, o nosso poder, o nosso umbigo e depois, quem sabe, se ainda houver algum tempo e paciência, a gente dedique alguma da nossa preciosa energia a pensar no que o mundo espera que façamos de útil por ele!

5. Regra terceira, segundo Gaites: “Você não ganhará mil contos por mês assim que sair da escola. Você não será vice-presidente de uma empresa com carro e telefone à disposição, antes de conseguir comprar o seu próprio carro e telefone”. Cuidado, Bill! Basta olhar para muitos jovens de ascensão meteórica que por aqui pululam para verificar a tremenda inexactidão de certos postulados. É que há caminhos que facilmente são encurtados, com um apoio aqui, uma lambidela de bota acolá, um cartão da cor certa no momento exacto e pimba!, lá estão eles sentados nalgum cadeirão de um Conselho de Administração. Com carro, motorista, telefone, gastos para comunicações, cartão de crédito sem limite, viagens e ajudas de custo e por aí fora, que é preciso aproveitar enquanto a maré está boa. Se, por milagre, alguém de bom senso tiver a coragem de identificar a exemplar incompetência técnica para tal cargo, não há nada que uma transferência para um outro serviço público não resolva! Em último caso, uma candidatura a algum município ali mesmo à mão de semear e não se fala mais no assunto.

6. “Vender jornal velho ou trabalhar durante as férias não está abaixo da sua posição social. Os seus avós têm uma palavra diferente para isso: eles chamam de oportunidade.” Olha este agora a querer vir aqui dar lições de moral! Nós não somos feitos e moldados para andar a vendar jornais na rua de Lisboa ou a lavar carros ao lado do Palácio do Povo, era só o que faltava! As férias são isso mesmo, férias! Para curtir, dançar, beber até não poder mais. Não é por acaso que um recente estudo revelava que mais de 50% dos estudantes de um dos Liceus do Mindelo, admitia consumir, regularmente, bebidas alcoólicas. A gente prepara bem a nossa juventude para aquilo que eles mais gostam de fazer, isso parece ser uma verdade à La Palisse!

7. A última regra é uma das mais criativas: “seja simpático com aqueles colegas de escola que vocês tomam por parvos ou retardados. Existe uma grande probabilidade de um dia estarmos a trabalhar para um deles.” Ora cá está um conselho que devia ser levado muito a sério. Afinal de contas, um carreira não se projecta nem se conquista, protege-se!

Mindelo, 12 de Janeiro de 2012



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9 comentários:

Anónimo disse...

Bill Gates man!

Unknown disse...

Em poucas palavras eu diria que a malta, simplesmente, não gosta de trabalhar...

Manu Moreno disse...

Ups, o acontecimento acontecido(homi ka fala fiado)....e um bom kaminho kaminhante dadu pa bo!
Manu Moreno.
Kel Abxom di kuraxom!

Unknown disse...

Anónimo, cada um tem o Gaitas que merece! :)

Zito, pois...

Manu, abrason!

Anónimo disse...

Bem, desta vez estou mesmo furioso consigo! Se o tivesse à minha frente era capaz de esfola-lo!

Sabe porquê?

Porque desta feita dou-lhe 20 valores.

Ecelente retrato desta sociedade louca crioukla!

Muitos parabéns! E' a primeira vez que me convence a 100 por cento, porque conseguiu de facto ser independente nesta sua fina analise!

Veja la, nao repita a dose, porque sou mesmo capaz de o esfolar!

Al Binda

Unknown disse...

A minha alma está parva! Um dia histórico para o Margoso!

Anónimo disse...

Eu li o texto...................e pela primeira vez na minha vida senti vergonha de ser caboverdiana, apesar de reconhecer que este é mais um retrato da sociedade de S.Vicente do que do resto do país. Ainda assim podemos encontrar várias pessoas com a mesma atitude um pouco por todo o país.

Mas Na cidade da Praia, por exemplo, as pessoas são vaidosas, mas para uma pessoa como eu, de frora, vejo as coisas com outros olhos. Aqui vê-se que as pessoas trabalham, principalmente as mulheres que andam por toda a cidade a tentar ganhar algum com a vende de qualquer coisa.
Em são Vicente, por outro lado, muitas mulheres têm vergonha de sair à rua com um balaio na cabeça a verder.....preferem arranjar uma forma mais facil de ganhar a vida.

JB, Sei que vive em Cabo Verde há muitos e muitos anos e sei que conhece bem a realidade de Cabo Verde, e sei também que não é pessoa para tomar uma parte por um todo.......mas o texto apesar de ser muito bom, eu não acho que seja o nosso país, mas o que o conta realmente são as cidades capitais de Cabo Verde - Mindelo e Praia.

No resto do país as pessoas vivem da terra e dos resultados que dali vêm, apesar também de se dizer que muitos jovens não querem mais trabalhar na agricultura. Mas da onde eu venho, muitos vivem da terra e da pesca e anda com os pés desclaços e sem camisas e ninguem se importa com a falta de glamour.

Saudações.

Kurt Cobain

Bitim disse...

A politica educacional de "vida facil" referida neste artigo, na minha opinião diz respeito não só as crianças mas também as mulheres e homens.

Para ir mais longe diria que "a vida facil" é o espelho da democracia, isto é, a democracia de certa forma promove a facilidade, preguiça e malandriça nas pessoas. Isto porque hoje em dia as crianças são ensinadas a ter DIREITO, em vez de ser OBEDIENTE, e direito prevalece sobre dever. Em fim, nós vivemos uma pura lavagem cerebral.

Unknown disse...

Kurt Cobain, completamente de acordo. Tenho consciência e conheço esse "outro" Cabo Verde de que falas. Só espero que o tal "desenvolvimento" não chegue tão depressa a essas paragens!

Bitim, vivemos uma época de carneirismo militante...