Crónica desaforada

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Bons conselhos do lado de lá

1. A propósito da última remodelação governamental, que originou uma troca de Ministro da Cultura no governo português, o JL, Jornal de Letras, Artes e Ideias, publica um inquérito, onde questiona vários agentes culturais daquele país, dos mais diversos quadrantes artísticos, sobre quais as prioridades para a Cultura.

2. Nós, deste lado do Atlântico, que tanto gosto fazemos em imitar os confrades portugueses nas mais variadas aplicações políticas, sociais e económicas, bem que poderíamos seguir também alguns dos conselhos que ali estão publicados. É que, ao ler o que por ali se diz, não poucas vezes dei por mim a sorrir e a pensar cá com os meus botões: «olha que aplicado aqui, nem seria descabido de todo

3. Claro que deixo bem vincado que qualquer semelhança com o que se passa nestas ilhas da morabeza não passa da mais pura coincidência. A partir daqui, cada um que tire as conclusões que quiser, pois eu também já tirei as minhas. A partir do ponto 4, é como os tempos de antena: o espaço que se segue é da exclusiva responsabilidade dos agentes culturais que se predispuseram a responder ao referido inquérito.

Então é assim:

4. «Dotaram-se os distritos de equipamentos culturais, mas nunca existiu uma rede com uma programação efectiva. Os teatros foram abandonados à sua sorte e o Estado demitiu-se de proporcionar o mínimo de garantias para que a rede funcionasse». Américo Rodrigues, director do Teatro Municipal da Guarda.

5. «Fundamental é descobrir como as coisas podem funcionar com um orçamento tão baixo. E também não cair na tentação de fazer obras isentas de regime. Ou seja, iniciativas efémeras e inconsequentes que funcionam como uma espécie de fogo de artifícioAntónio Pinho Vargas, compositor.

6. «A cultura deve ser feita pelos artistas e pessoas do meio e não por ministros. E é absurdo dizer: “vamos fazer mais com menos dinheiro”. Ainda falta a revolução cultural em Portugal. E é necessário dinheiro para que a Cultura não se torne um peditório, mas sim um desígnioCarlos Martins, músico.

7. «Considero ser mais necessário reconquistar a confiança dos operadores culturais e explicar qual a linha de rumo do Ministério. Considero ser necessário explicitar aos decisores políticos a ligação intrínseca entre Cultura e desenvolvimento do País, entre cultura e identidade, entre cultura e redes comunitárias. Considero necessário a criação de linhas estratégicas duráveis que dêem estabilidade ao crescimento e sedimentação de projectos e instituições. Que se perceba que o Governo, sendo um protagonista e um motor decisivo, não é um Sol em torno do qual a Sociedade gravita. E que se dê mais atenção ao sentido de serviço público que ao da ditadura do gosto.» Jorge Barreto Xavier, gestor cultural.

8. «Queixas (que há sempre) valem o que valem cada uma delas, corporativa e individualmente, mas só é possível apreciá-las em função de uma definição teórica e prática (ou seja política) do Ministério (…). Em 2008, é casa sem pão, onde todos ralham e têm razão.» José Augusto França, historiador de arte e escritor.

9. «Primeiro há que fazer uma distinção entre arte e cultura. O que deve haver é um maior acesso da comunidade à cultura, criando condições para a criação. E para isso impõem-se introduzir – e logo no básico – os mais variados cursos de ensino artístico, porque a nossa cultura tradicional está a desfazer-se, invadida pela cultura de massas de que fala Adorno. Claro que isto implica que o orçamento da Cultura seja aumentado, isto se o Governo considerar prioritária a arte e a cultura do cidadão.» José Gil, filósofo.

10. «A nível global deve haver aquilo que não sei se alguma vez existiu entre nós: uma politica de fomento cultural, à semelhança do que existe na Economia, no Turismo, etc. Deve haver também aquilo que está completamente por fazer em Portugal: um diálogo activo e profícuo entre o Ministério da Cultura e o Ministério da Educação, capaz de criar públicos no futuro.» Luís Filipe Rocha, cineasta.

11. «É necessário que as políticas culturais sejam implementadas com serenidade, rigor, coerência e visão estratégica, de modo a potenciar os recursos e tirar partido das múltiplas sinergias que o sector comporta.» Maria Calado, especialista em Património.

12. «É fundamental revivificar o tecido cultural. É preciso proteger e acarinhar os criadores. O olhar do ministério para o mundo cultural tem que ser flexível e criar condições para acolher visões de pluralidade. Tem que haver uma política cultural de largo espectro que precisa de ser sustentada e criada com pluralidade, inteligência e criatividade. E os políticos devem ser criativos. É necessário um projecto de cultura para o Ministério da CulturaNuno Cardoso, encenador e actor.

13. E muito mais haveria por dizer, pois são tantos os desafios. Mas quantas destas opiniões do lado de lá não merecem ser lidas pelos nossos governantes do lado de cá? Há, pois, pano para mangas e portanto, mãos à obra. Vamos, de forma construtiva, dar também a nossa colaboração, aproveitando aquilo que é, e deve continuar a ser, o espaço blogueiro: um espaço de liberdade (e muita criatividade, que o nosso MC bem agradece).


Mindelo, 21 de Fevereiro de 2008


Imagem: «Ai Solidão Solidão», de António Manuel Pinto da Silva




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5 comentários:

Anónimo disse...

João dei já uma olhada neste post que coincidencia ou não tem o elemento 13 de novo.

Dava até jeito pensarmos aqui, já não imitando a metropole, em lançar uma lista com 13 frases sobre a cultura. o produto poderia até ser um manifesto ao encontro sobre cultura que vamos ter em Novembro.

Djinho

Unknown disse...

Eis uma ideia interessante. Que tal a preparação de um manifesto cultural, mad in blogues de Cabo Verde, para apresentação no tal Forum outonal? Eu alinho! Abraços, JB

Alex disse...

Pergunta maliciosa.
Ainda não há muito tempo atrás toda a gente zurzia forte e feio no Ministro, no Ministério, e na política cultural (que muitos diziam inexistente). Lembro-me até de um certo INQUÉRITO, promovido pelo 'João das culpas' (alguém tem que ser culpado) e até replicado noutros sítios, em sinal de aprovação, e como 'prova de delito'.
Pasme-se!! Falou o ministro, e calou-se o povão. Coincidências? Como é que é isso rapaziada??? Ninguém tem nada a dizer??
INTIMIDADOS, ou INTIMIDADES?????
Ab
ZCunha

P.S.- Quando comentei a entrevista, na "casa" do Djinho, tive o cuidado de ir ler o resto. Li tudo! Não encontrei razões para mudar de opinião, bem pelo contrário. Mas, senti-me no dever de apresentar de forma mais detalhada o que penso sobre a substância da mesma, e alinhavar duas ou tres ideias sobre o assunto: Política Cultural. Será o meu contributo pela positiva, porque o Ministro merece o meu respeito, e o Manuel Veiga a minha admiração. Discordar de ambos, com frontalidade e lisura, sempre que tiver de ser, são a melhor prova disso. Porque isto de se criticar, e de se mandar umas bocas não chega. É batota! Como prometi, darei brevemente nota das minhas poucas ideias, e do meu modesto contributo, ao próprio, e aos meus prezados amigos bloguistas, em espaço adequado para o efeito. Quanto ao MANIFbloguista, de acordo. Creio que já há algumas (muitas) boas ideias por aí à solta, a precisarem APENAS de coragem para serem discutidas abertamente.
Falamos muito de nós, e muito pouco ENTRE NÓS! Falamos muito, mas CONVERSAMOS pouco!
"VOTO OBAMA, VOTO NA MUDANÇA!!!" SERÁ DESTA??? Força João e Djinho. Não se esqueçam que Cabo Verde não é só ... cabo verde.
Do lado de cá da 'solidão', vosso ZCunha

Anónimo disse...

Eu também alinho.
E relevando bem alto o ponto onze.

Unknown disse...

Alex: compreendo o teu ponto de vista. Também li a entrevista, recebi um mail do Schofield a insurgir-se contra aquela retórica ministrial e apeteceu-me meter desaforo ao barulho. Mas fui com calma. Vou dando a minha contribuição, aqui também. Neste desaforo que acaba por ser mais «cómodo», porque são outros que falam d'outros. E como se aplica! Sempre é bom que, mesmo na miséria, não estamos sozinhos.

Fui ouvir o Leão Lopes falar sobre o Forum. Ele está ali como consultor e fui por ele, porque o considero um brilhante interventor, a diversos niveis. A ideia é interessante, mas o descredito dos artistas é ainda maior. Pareceu-me que é algo com pernas para a andar. Que tudo isto funcionou quase como um muito humilde pedido de socorro, tipo «ajudem-nos que nós ainda não descobrimos o que andamos aqui a fazer.» Só lhes fica bem. Eu quero participar, falar, ouvir, partilhar, contribuir, aprender. Espero que me convidem para esse café.