Declaração Cafeana

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89 são os anos que separam 2011 do ano em que foi inaugurado o Cine-Teatro Éden Park. Com efeito, conta-nos a história que a ideia da sua fundação partiu do empresário César Marques da Silva, funcionário do telégrafo inglês, homem empreendedor de raras qualidades que, em 1922 avançou para este projecto, que viria a marcar gerações sucessivas de cabo-verdianos. 

E no actual estado de coisas, este é um assunto que já foi chão que deu uvas, como se costuma dizer. O Éden-Park já era. Esfumou-se e é apenas memória. Uma bruma seca que se vai desfazendo à medida que uma geração é substituída por outra. É também o resultado e a imagem de uma sociedade demasiado apática, permissiva e acomodada. Tivéssemos nós uma classe artística com os ditos cujos no seu devido lugar, passo o exagero do termo, e este seria um espaço e uma situação ideal para se transformar num cenário de uma invasão pacífica, pela arte e pelo direito à criação artística, uma tomada de posse sem selo oficial, em plena desobediência civil, com riscos elevados é certo, com actores amarrados às grades com cadeados, artistas plásticos a promover ateliers e a pintar paredes, grupos de dança a ensaiar, músicos em sessões de improvisação, dentro de um espaço que sendo privado, está abandonado e largado à implacável deterioração provocada pelo tempo e pela inércia absoluta. 

Se há quem lá entre todos os dias, impunemente, para roubar madeiras, materiais, espólio, nas barbas das autoridades, o que mais falta? Quem iria impedir? O proprietário está sumido na fumaça, não há projecto que se conheça, apenas desconfianças que muitos falam à boca pequena e ninguém tem coragem de gritar à boca grande.Alguém nos sabe dizer o que está projectado para aquele espaço mais do que nobre da cidade do Mindelo? Ou a imagem de um novo MindelHotel de vinte andares naquele enquadramento urbanístico só a mim provoca urticária, receio e pele de galinha? 

Contra mim falo, eu sei. Mas o Éden-Park, que neste momento já nem o "A" do seu nome tem como testemunha, foi abandonado e não é de hoje. O Éden-Park foi abandonado por nós todos. Sacudir a água do capote para cima do poder municipal ou central é muito fácil. Olhando para o que já não tem remédio nem remediado está, cabe-nos perguntar: e nós, o que fizemos para o evitar? A resposta é implacável: não fizemos nada e somos também coveiros deste triste desfile fúnebre que se revela perante os nossos olhos, oitenta e nove anos depois.

Prólogo: ver uma pessoa com o estatuto humano da Luísa Queirós a chorar, emocionada, depois do visionamento do documentário Éden, ontem aqui na cidade do Mindelo, doeu-me fundo na alma. "Como foi que deixaram isto ter chegado a este ponto? Como foi possível?", era o que perguntava incessantemente. Quem souber, que responda.



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1 comentário:

Anónimo disse...

E outra ...antigamente o povo de Soncent era mais reclamador ..embora já se fez uma peça de teatro em homenagem e pedindo a reabertura do cimena n vejo nenhuma iniciativa concreta de um bom crioulo ou da camera ou de qq outra entidade em reabrir o EDEN ou em abrir uma outra sala de cinema.