Declaração Cafeana

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Nestes dias, em que mais um Verão está a ligar os motores e a entrar definitivamente em velocidade de cruzeiro, tenho dado por mim a olhar para as pessoas que invadem a cidade do Mindelo e verifico o quanto S. Vicente muda e se altera nestes quentes e agitados dias de Agosto. Não haja dúvidas que a proximidade de mais um festival de música da Baía das Gatas faz com que seja este o mês de eleição para que muitos emigrantes escolham ser esta a altura ideal para a marcação das suas férias e retornem à terra mãe para um merecido descanso.

Bem, merecido descanso é, naturalmente, uma força de expressão porque se há alguma coisa que caracteriza este mês na ilha do Porto Grande é a quantidade inacreditável de festas e comemorações, públicas e privadas que acontecem praticamente todos os dias nos hotéis, nas residenciais, nas empresas, nas ruas, nos bairros, nas casas, nos terraços dos prédios, nos quintais, nos becos, por todo o lado, o Mindelo transforma-se num imenso arraial, onde à tristeza é vedada a entrada. Talvez por isso esta seja uma campanha eleitoral que quase passa despercebida, tendo em conta que muitos dos comícios continuam a socorrer-se de grupos e bandas musicais, os mais variados, como chamativo para juntar as multidões indispensáveis aos discursos políticos e às imagens de televisão em tempo de antena. Então, esta sensação de festa permanente acaba por ser potenciada neste tempo de caça ao voto e não fossem os carros com anúncios sonoros em altos berros que nos furam os tímpanos anunciando as visitas dos candidatos presidenciais e os próximos comícios nos diversos bairros da cidade, e seriamos tentados a concluir que esta proliferação de concertos musicais seria apenas mais uma consequência do gosto particular pela folia e paródia que sempre caracterizou o habitante da cidade do Mindelo.

Mas não são apenas os imigrantes que animam as ruas e praças da urbe mindelense. Uma crescente presença de turistas, estudantes em férias, muitas pessoas que se viram obrigadas a ir trabalhar para outras ilhas, principalmente para a cidade da Praia, escolhem esta época para um regresso a casa e entram na onda festiva com a mesma naturalidade de quem bebe um copo de água fresca em tempo de calor. Os restaurantes e as esplanadas estão quase sempre cheios e o negócio recupera algum do fulgor perdido noutras alturas do ano. 

Pena que todo este ambiente de aparente alegria e leveza nos faça esquecer todos os problemas que assolam esta ilha, com uma taxa de desemprego absurda, uma inércia absoluta para a reivindicação e o exercício pleno de uma cidadania activa, um voltar para o próprio umbigo que faz com que cada um veja simplesmente a parte ignorando o todo. Que esta efervescência, que todas as noites sinto quando subo ao terraço do prédio onde vivo, e que me faz ouvir os ecos de múltiplas festas das mais variadas origens não nos faça esquecer de que um dia fomos uma ilha conhecida pelo seu poder criativo e reivindicativo e hoje nos limitamos a ser uma espécie de pátio onde todos atiram foguetes, esquecendo-se depois de que alguém tem que ficar para apanhar as canas e, mais importante do que isso, pagar a factura por tanta paródia.



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