Pergunta-me

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          Pergunta-me
          se ainda és o meu fogo
          se acendes ainda
          o minuto de cinza
          se despertas
          a ave magoada
          que se queda
          na árvore do meu sangue

          Pergunta-me
          se o vento não traz nada
          se o vento tudo arrasta
          se na quietude do lago
          repousaram a fúria
          e o tropel de mil cavalos

          Pergunta-me
          se te voltei a encontrar
          de todas as vezes que me detive
          junto das pontes enevoadas
          e se eras tu
          quem eu via
          na infinita dispersão do meu ser
          se eras tu
          que reunias pedaços do meu poema
          reconstruindo
          a folha rasgada
          na minha mão descrente

          Qualquer coisa
          pergunta-me qualquer coisa
          uma tolice
          um mistério indecifrável
          simplesmente
          para que eu saiba
          que queres ainda saber
          para que mesmo sem te responder
          saibas o que te quero dizer


Mia Couto

Imagem: Kiss II, Klimt




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