Crónica Desaforada

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O que eu gostaria que acontecesse em 2008:

1. Que o Cine-teatro Éden Park fosse adquirido pela Câmara Municipal de S. Vicente e, após obras de remodelação e adaptação, fosse transformado em Teatro Municipal;
2. Que o Auditório Nacional fosse capacitado e entregue a uma equipa artística, com orçamento próprio do Governo de Cabo Verde, constituída por um produtor, um programador e uma companhia de dança e teatro residente, pagos pelo Estado. A experiência da Companhia Raiz di Pólon seria uma fantástica vantagem;
3. Que os artistas de Cabo Verde criassem plataformas de discussão, conversa, partilha, para melhor se conhecerem, como artistas, como homens e como cabo-verdianos;
4. Que a Lei do Mecenato fosse mais divulgada entre os agentes económicos e investidores interessados e/ou já como projectos para Cabo Verde;
5. Que o Centro Nacional de Artesanato fosse finalmente inaugurado, com todas as obras do seu espólio, numa cerimónia em que seriam também homenageados os seus grandes obreiros, responsáveis pela primeira (e única?) grande recolha etnográfica realizada em Cabo Verde;
6. Que por cada estádio de futebol anunciado (ou inaugurado), fosse anunciado (e inaugurado) também uma sala de espectáculos polivalente, para servir os grupos locais, porque a infra-estruração cultural não é (ou não pode ser) menos importante do que a desportiva;
7. Que abrissem livrarias em todos os concelhos do país, com oferta actual e diversificada e preços competitivos, que pudessem servir não apenas como espaços comerciais, mas também locais para tertúlias e encontros entre artistas e interessados;
8. Que se realizasse em Cabo Verde uma Bienal de Artes Plásticas e Design, com competência, criatividade e profissionalismo;
9. Que fosse incentivada nas rádios, locais e regionais, a realização de programas de música alternativa, onde se pudesse ouvir um pouco mais da dita música clássica e erudita ou conhecer um pouco mais da história do Jazz;
10. Que fosse implementada numa reforma do Sistema Educativo, a obrigatoriedade de aulas de Expressão Dramática, Expressão Corporal, Expressão Plástica, Expressão Musical, História de Arte e Cultura Cabo-verdiana, nos diferentes níveis de ensino. Ou seja, uma reforma de ensino compatível com a importância e a presença que todos reconhecemos à cultura, na sociedade cabo-verdiana;

O que provavelmente irá acontecer em 2008:

1. O Éden Park será destruído, meia dúzia de vozes se levantarão indignadas, mas de pouco adiantará. O progresso e o desafio de Cabo Verde enquanto Pais de Desenvolvimento Médio não são compatíveis com nostalgias antiquadas. O país e a cidade precisam, com muito maior urgência de mais um complexo hoteleiro e/ou Centro Comercial;
2. O Governo de Cabo Verde continuará a atribuir uma verba praticamente simbólica ao Ministério da Cultura, e portanto, as infra-estruturas culturais continuarão a ser alvo de processos de privatização, ou melhor, de auto-sustentação concessionária;
3. Continuaremos a assistir, com grau de assiduidade variável, a discussões sem conteúdo, sem interesse e sem nexo, sobre badios e sampadjudos e a importância ou desimportância de cada faceta para o desenvolvimento de Cabo Verde. Dois ou três amigos de longa data ficarão alguns meses sem se falar;
4. Continuaremos a ver muitos agentes culturais a bater de porta em porta, a gastar fortunas nos telefones, a tentar falar com o «senhor Administrador», a propósito de um apoio para uma actividade cultural concreta. Continuaremos a depender da boa vontade e bom senso de uns quantos gestores bem intencionados;
5. Um representante do instituto responsável visitará a cidade do Mindelo, e anunciará com grande satisfação e gáudio geral, em conferência de imprensa realizada para o efeito, a inauguração do novo Centro Nacional de Artesanato, para data a anunciar brevemente.
6. Não se prevê a inauguração de nenhum teatro, ou cinema, ou sala de espectáculos, ou sala de ensaios para grupos locais, em nenhum concelho do arquipélago. Não está previsto, sequer, o lançamento de primeiras pedras para o efeito (sempre era uma esperança);
7. Provavelmente, vamos continuar que ter que esperar por uma ida ao estrangeiro – e à FNAC – para encontrar o tal livro, ou quando muito, aguardar pela Feira do Livro, e esperar que esse título esteja no grupo dos seleccionados. Livrarias continuarão sendo muito raras e havendo-as, tem os livros a preços absurdos, comparativamente com os do local de origem;
8. Vamos continuar a ir a exposições de artes plásticas – interessantes, algumas; apenas bem intencionadas, outras – mas com obras expostas sem qualquer critério e/ou preocupação estética. A esperança de ver uma exposição colectiva com a participação de alguns dos nossos melhores artistas plásticos, é bastante remota;
9. O tipo de música passada nas rádios continuará a ser o mesmo de sempre; se, por acaso, ouvirmos música clássica na rádio, com certeza que é porque alguém importante morreu;
10. Vamos continuar a ter alunos do ensino secundário e/ou superior a procurar artistas ou intelectuais para entrevistas, onde, entre outras banalidades, se pergunta o que é o teatro ou a música e como apareceram certas manifestações culturais em Cabo Verde. Felizmente, já existe bibliografia especializada sobre o assunto, o que torna tudo mais fácil.

Mindelo, 30 de Dezembro de 2007

Imagem: pintura de Manuel Figueira





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4 comentários:

Paulo de Lelinha disse...

Triste, porém, verdade!!! Esta tua "Utopia" infelizmente ainda vai esbarrar (e por muito tempo) na mediocridade daqueles que se dizem grandes mentes e que continuam a discutir as coisas pequenas e narcísicas. Diz o ditado que "uma andorinha só não faz o verão", mas eu tenho a certeza que, se ela aparecer no inverno, não vai deixar de ser notada, compreeendes? ;)

Unknown disse...

Paulo, por acaso, o ditado diz que uma andorinha não faz a Primavera, mas como estamos em Cabo Verde, vai dar ao mesmo! Obrigado pela colaboração e um abraço. João

Djoy Amado disse...

Uau! Simplesmente, uau!

Antes de mais, foste feliz em tomar a iniciativa de criar este blog. A participação de uma figura cultural de peso neste processo de transformação da atitude do mundo artístico vem reforçar a convicção de que é este o caminho, ou seja, os fazedores de arte devem deixar de ser apenas objectos de análise para serem sujeitos de análise e, porque não, com capacidade de influencia e de pressão.

Penso que só assim poder-se-á ter mais e melhor arte, mais e melhor produção artístico-cultural.
Quanto a este post, em particular, gostei muito do desejo número 3, em relação ao qual, no entanto, não sou assim tão pessimista quanto ao futuro do relacionamento entre artistas e manifestações culturais, pois acredito que a blogosfera poderá funcionar como um dos canais experimentais de entendimento . o que achas disto?

Para terminar, gostaria de reiterar que gostei deste blog, que conquistou, à primeira, um link no djaroz.blogspot.com

Desejo vivamente que, em 2008, não esmureça esta tua vontade de "servir" cafés, sejam eles doces ou amargos.

Boas entradas e feliz 2008.

Unknown disse...

Djoy

Obrigado pelo comentário. Só uma coisa rápida, a propósito do meu pessimismo. Propositadamente, a primeira parte da crónica está utópica, e a segunda parte da mesma, foi escrita de forma irónica. Ou seja, o pessimismo é mais ironia do que outra coisa. Vamos ver o que acontece. Tomara não ter razão em NADA no que diz respeito a este texto.

O teu blog também já lá está, nos meus links.

Um magnifico 2008!

João