Vai acontecer na Zero PointArt, na cidade do Mindelo, a inauguração da exposição de fotografia "The delicate sounds" do fotógrafo Joe Wuerfel.








«Vocês riem de mim por eu ser diferente, e eu rio de vocês por serem todos iguais.»

Bob Marley - músico, morreu no dia 11 de Maio de 1981





O Espantoso Mundo das Revistas Femininas

1. De tempos em tempos aconselho todos os homens a comprarem certas revistas (ditas) femininas. Há de todo o tipo, umas mais utilitárias do que outras, umas com mais classe que outras, umas mais elitistas outras mais populares, umas mais diversificadas outras orientadas para jovens e adolescentes. 

2. Aqui é preciso separar o trigo do joio, porque neste bloco editorial de que falo na presente crónica não cabem as marias, caras ou novas gentes, que são uma espécie de revistas buraco da fechadura, cuscam a vida dos famosos e dos menos famosos, colocam alguns em situações ridículas, quase sempre em posses inusitadas perto de móveis de gosto duvidoso mas sempre muito chiques.

3. As revistas a que me refiro concretamente são as que se dedicam ao mundo da moda, mas cujos conteúdos vão muito para além do que se deve ou não deve vestir em cada época Primavera - Verão ou Outono - Inverno, as cores predominantes, os acessórios respectivos e as maquilhagens mais aconselhadas em cada ocasião.

4. Como exemplos mais antigos temos a Marie Claire, a Elle ou a Vogue, pelo menos falando daquelas que tem edição própria em Portugal há bastantes anos. Todas estas revistas tem artigos de elevado interesse para as mulheres e, aqui está o busilis deste texto, para os homens que se interessam por mulheres, ou dito de outra forma, pelo seu bem estar (delas, das miulheres), ou ainda para aqueles que, como eu, ainda não desistiram de compreender o fascinante e misterioso mundo feminino.

5. Graficamente, as revistas tem uma relação qualidade preço imbatível. São autênticos calhamaços, cheios de páginas de papel de luxo e a cores, com não menos que trezentas páginas, publicidade incluída,  infindáveis brindes e amostras de cremes, perfumes, shampoos e outros produtos misteriosos, muito que ler e apreender, assimilar mesmo para aqueles que mais se interessam por esta ciência de melhor compreender as mulheres que por natureza foram feitas para ninguém entender ou alcançar de forma absoluta. O preço varia entre os duzentos e os quatrocentos escudos, o que, tendo em conta o que atrás foi dito, fica muito em conta. 

6. Pois bem, está bom de conversa fiada, vou passar agora ao exemplo concreto. Comprei o último número da revista Happy Woman, que custou 2,20 euros (mais ou menos 250 escudos) e tem trezentas e quarenta páginas e muitos assuntos de elevado interesse. A principal manchete do número deste mês diz assim: «mude de vida em 59 segundos. A ciência mostra que podemos alterar o nosso rumo em menos de um minuto.» Mais nada!

7. Que a possibilidade de mudar de vida em menos de um minuto possa interessar também um homem é algo que qualquer simples mortal pode entender, embora estes sejam bem mais fáceis de contentar (diz-se). Umas cervejas, uma vitória do clube de futebol de que é adepto e um despertar erótico, e está o assunto arrumado. Mas nem todos são assim. Vamos lá esmiuçar esta coisa um pouco mais. As surpresas são mais que muitas.

8. Vamos começar pela moda propriamente dita, com conjuntos de «tendências», todas elas extremamente criativas. Se não nas roupas e acessórios, pelo menos nas suas justificações. Estilo newspaper: «o preto e branco em peças cool com mensagens gráficas»; estilo navajo: «a tendência étnica é movimento em destaque»; estilo watch: «cores e reflexos metálicos marcam a tendência mais chocante da estação»; estilo military: «peças cool com tachas e camuflado completam um look army»; estilo juicy: «prints berrantes misturam-se com demim para um look ultra casual»; e finalmente, estilo cocktail: «peças sofisticadas saltam da passarelle para o mundo urbano». Como se vê, a imaginação é o limite.

9. Mas vamos aos artigos de fundo. Além desse que faz manchete, o tal que muda a nossa vida num tempo recorde, um outro texto responde à questão metafísica «o que nos move? - a motivação pode fazer milagres pela nossa felicidade; descubra como acreditar sempre.» Um artigo de fácil leitura e bons conselhos, como aquele que diz para que elas, as mulheres, estejam rodeadas «de pessoas que a estimulem, que a incentivem, que sejam gotas de gasolina para o seu motor avançar.» Quem escreve assim não é gago!

10. Mais umas páginas à frente, dão-nos algumas pistas sobre os grandes testes da vida, ou seja, «como reagir perante as mudanças, as crises e as rupturas», onde mulheres testemunham casos de mudança brusca de desemprego ou a descoberta repentina de que tem um cancro. Alguns dos testemunhos são tocantes, as conclusões do articulista nem tanto.

11. As entrevistas não faltam, geralmente com estrelas, nacionais ou internacionais. Nesta revista é tudo em grande. Os dois entrevistados do mês são Leonardo DiCaprio (que sempre que está mais agitado publica poemas na net) e Diane Kruger que afirma ninguém saber as suas origens. Ah, e fiquei ainda a saber que Jessica Alba tem o corpo perfeito, segundo investigadores da Universidade de Cambridge, mas isso eu já desconfiava.   

12. E parece que nunca mais acaba. «Renascer aos 40 anos» (li com especial atenção); «como ser melhor» (um método de auto-treino); «os melhores refirmantes de corpo escolhidos por um júri»; «cirurgia da hora de almoço»; «barriga killer, como perdi a barriga em 20 dias»; «especial bronzeado perfeito»; «o que eles gostam & odeiam nas mulheres» (os homens preferem as que tenham sido casadas ou mães, pode ser ciumenta mas tem que ser fiel, claro); «a primeira vez com um acompanhante» (o que levou uma mulher atraente e bem sucedida a quebrar todas as regras?); «gosto de ser a outra» (quando elas escolhem ser a amante, histórias de um mundo tabu); e por aí fora. A lista é interminável!

13.  Um mundo fascinante, é o mínimo que se pode dizer. E muito se aprende, sendo que é preciso saber filtrar toda esta informação, porque nem tudo é pão pão queijo queijo. Vou continuar a comprar uma destas revistas por mês, a ler atentamente e aprender. Espero um dia que me expliquem como é possível que esta moda de os homens e jovens andarem a mostrar os seus truços e cuecas possa ter algum interesse real ou que esta seja uma mania que nos mostra, se preciso fosse, que o mundo anda mesmo louco.







Assim, sem ter dado por isso, reparei que o Café Margoso superou na semana passada as duzentas mil visitas. Nada mau. Obrigado a todos pelo carinho, pela força, pela participação, enfim, por tudo. Nunca se esqueçam que este espaço é um local de partilha e diálogo, mesmo que por vezes não pareça. Abraço.

A gerência





«Ã‰ necessário sair da ilha para ver a ilha, não nos vemos se não nos saímos de nós.»

José Saramago - escritor






Foi uma cerimónia emocionante. E geralmente é assim quando alguém que fez teatro em Cabo Verde resolve deixar o seu testemunho, mais a mais, em forma de livro. Lançado no passado Sábado em Lisboa, na muito simpática Associação dos Antigos Alunos Liceais de Cabo Verde, o livro de Valdemar Pereira intitulado «O teatro é uma paixão, a vida é uma emoção» provoca diversas perplexidades e convoca múltiplos estados emocionais. 

Em parte substancial desta obra, um documento precioso, o autor relata a criação do Conjunto Cénico Castilhano, criado com o objectivo de reactivar o futebol do Grémio Sportivo Castilho, que pela primeira vez no seu historial associativo, se viu metido em tais andanças teatrais, tendo sido percursor neste género de actividades. Depois do Castilho, seguir-se-iam o Amarante, a Académica, o Mindelense, a desenvolver actividades cénicas ligadas aos clubes desportivos, uma realidade que marcou décadas do teatro Sanvicentino e originou um novo tipo de comédia popular crioula (e em crioulo).

O livro foi apresentado por Joaquim Saial, numa sede pequena para tanta gente, de várias gerações. Associados, familiares e amigos assistiram com emoção a mais este evento, e homenageram o autor Valdemar, grande percursor e dinamizador deste teatro popular.

Aliás, como sabemos, o teatro vive da sua própria natureza, ou seja, do contacto directo  entre quem vê e quem faz, e como arte do efémero, tem a sua historia dependente de testemunhos e documentos. Mais ainda se considerarmos o teatro de tempos idos, quando não havia forma de fotografar, filmar, enfim, registar, em forma de documento testemunhal, o objecto cénico. 

Essa será a principal razão porque este testemunho de Valdemar Pereira é absolutamente precioso. Explica o autor: «recorrendo ao pouco que restava nas abissais da memoria e com a ajuda de alguns amigos, consegui consagrar numa pequena brochura elementos que vos transportarão aos primeiros teatros do Grémio Castilho.» Modéstia do Valdemar, digo-vos. Isto que nos foi apresentado no passado Sábado é muito mais do que «uma pequena brochura», é uma peça nuclear para se entender o extenso e fascinante puzzle que constitui a história do teatro cabo-verdiano. Em Setembro, esperamos ter o autor no nosso festival Mindelact, para apresentar a obra e dar-lhe todo o valor e aplauso que eles (obra e autor), sem dúvida, nos merecem. 

Fotografia de Alexandre Conceição






Num país com a falta de produtividade e com a crise económica instalada como Portugal, fazer um feriado por causa da visita do Papa não é o mesmo que andar a brincar com coisas sérias?








Mais uma boa nova oriunda da I Gallery, situada na livraria Nhô Eugénio, na Achada de Santo António. A partir de hoje, podem lá ir e apreciar a exposição colectiva de fotografia “Ver”, concebida apartir de uma selecção das obras de alguns fotógrafos que participaram na Mostra de fotografia contemporânea Mosf09. Entre eles: Gisela Coelho, Abraao Vicente, César Schofield, Pedro Moita, Baluka Brazão e Jorge Marmelo. Vale a pena uma visita, além de que o ambiente nas inaugurações é sempre muito agradável.






«O facto de ninguém te entender não faz de ti um artista.»
Frase escrita na porta da casa de banho da Escola Superior de Teatro e Cinema







Vou vos confessar uma coisa que porventura já sabeis: sempre fui um puto atrevido. Agora sou menos puto, mas igualmente atrevido. Eu diria, em minha defesa, «atrevido no bom sentido do termo», se é que isso se aplica ao caso, mas não me querendo desviar muito do assunto que me trás a este texto, venho aqui falar-vos de um período glorioso do meu passado revolucionário.

Em Portugal, existiu um grupo musical de grande fulgor e impacto popular chamado GAC - Grupo de Acção Cultural - Vozes na Luta, no tempo em que a cantiga era realmente uma arma e atrás desse pessoal havia um autêntico exército popular. Um grupo que existiu entre 1974 e 1979 e segundo a reportagem do jornal I, o primeiro disco, gravado em 48 horas vendeu as suas cinco mil unidades em apenas um dia. O título? A Cantiga é uma arma, pois claro. E nessa época era mesmo.

Bem no ambiente da época, este foi um movimento cultural composto por anti-fascistas, pessoas que lutaram contra o colonialismo lusitano e algumas foram presas e torturadas por tê-lo feito. Entre eles estava José Mário Branco, meu pai, um dos integrantes do novo grupo musical. Para um puto como eu, aquilo era um mundo fenomenal. Adorava os comícios, as palavras de ordem, os congressos partidários, as reuniões intermináveis e, com certeza, os concertos e as digressões. Eu ia para o palco e cantava. «A cantiga é uma arma! Contra quem camaradas? Contra a burguesia! Tudo depende da bala e da pontaria!» Bons tempos. Andava ali feliz da vida.

Na foto, pode-se ver isso mesmo. O GAC passeando pelas ruas de Madrid. E eu lá estava, um puto completamente fashion, digam lá. A camisa aberta, o olhar directo para a objectiva, o colar que se adivinha no peito, um ciganito cujo futuro se poderia adivinhar, pelo menos, agitado. Infelizmente perdi um bom bocado do estilo e do sentido estético que me caracterizava nesses tempos idos da revolução dos cravos. O atrevimento, esse, foi ficando e ainda perdura.

Recordar é viver, dizem. Então vamos lá cantar. Em uníssono...






«No Dragão, só festejam os que de lá são!»

Novo ditado popular











A montagem de um novo laboratório de investigação criminal na ilha de S. Vicente foi encarada com grande entusiasmo pelas autoridades locais e centrais, mais ainda por ter sido conseguida graças a um acordo de cooperação resultante de um apurado processo de negociação entre a PJ do Mindelo e os estúdios americanos responsáveis pelas mundialmente famosas e amplamente divulgadas séries CSI - Crime Scene Investigation. Trouxeram maquinaria impressionante, com computadores do tamanho de paredes, tudo movido com a fenomenal tecnologia touch screen, cenário ou realidade ninguém sabe ao certo, com alguns dos actores e actrizes mais famosos das diferentes cidades, Las Vegas, Miami e Nova Iorque, para um curso rápido de «como ser um CSI cheio de style e impregnado de fashion», tendo para o efeito convidado uns agentes teatrais locais para acompanhar o workshoop artístico e profissional.  Intervieram no processo ainda algumas agências internacionais de modelos, porque um investigador CSI que se preze, como se tem visto nos inúmeros episódios, tem que ter pinta de modelo, tudo no lugar, além de uma inteligência fora de série e altamente preparado em matérias tão díspares como química orgânica, engenharia dos materiais, sistemática de guerra ou anatomia humana. Se em relação a estas últimas características o caso ficou mais complicado, já que o pessoal não gosta muito de estudar, no que diz respeito ao aspecto físico, foi limpinho, uma passagem pela Laginha daria, sem muito esforço, para encontrar algumas dezenas de candidatos e candidatas dignos de aparecerem num cartaz do novel CSI Soncent. 

Tudo acabou por não resultar lá muito bem e os americanos como vieram assim se foram, quando depois de uma manobra de avaliação prática, resolveram fazer uma demonstração à população de como se podia confiar no trabalho desta recém formada equipa cheia de novas competências e ainda por cima extremamente agradável à vista para quem aprecia corpos jeitosos e caras bem compostas. Com efeito, num exercício surpresa, assim tipo prova prática de avaliação final, os novos agentes invadiram as instalações da Câmara Municipal e durante horas mantiveram todo o pessoal lá dentro, confiscando computadores, documentos e material outro não identificado. Conta quem lá esteve que tudo foi feito com muito glamour e simpatia, os funcionários nem se importaram muito com aquilo, o ambiente não era propriamente de cortar à faca, até se podia dizer que o pessoal estava ali mais ou menos na descontra.

Acabou por ser de todo inesperado, inclusive para os que vivenciaram aquele experiência multimédia por dentro, que algumas dezenas de pessoas, assim tipo figurantes mas trabalhando sem cobrar qualquer cachet ou gratificação, tivessem saído à rua protestando contra o facto de haver na cidade uma polícia fazendo o seu trabalho. «Não pode ser, não podem entrar assim, investigar desta forma, sem avisar ninguém, isto aqui não é a casa da Maria Joana», disse um indignado, como se não soubéssemos todos que a actual presidente da Câmara não carrega esse nome de baptismo, nem pouco mais ou menos. «Isto não pode ser», clamava outro, com sentida indignação, «estão aqui estão a prender gente, era só o que faltava!». Um antropólogo que se juntou à manifestação, dando um ar mais composto e académico à coisa, clamava que aquela acção punha «em risco uma das nossas mais preciosas idiossincrasias, uma das nossas maiores heranças dos portugueses. Isto não pode ser, é um perigo para o nosso património intelectual», além de que, defendeu, essa mania de imitarmos tudo o que se passa em Portugal nunca deu resultado: «não é por estarem lá a investigar o Sócrates que agora aqui temos que estar com estas coisas. Era o que faltava!», clamou outro individuo, um bem informado secretário de um dos departamentos visados. 

Foi assim que o pessoal dos estúdios americanos resolveu dar corda aos sapatos e ir embora, não valia a pena, mesmo considerando que aquela manifestação, com duas centenas de figurantes, ainda por cima actuando sem qualquer custo adicional, poderia dar uma boa ajuda para fazer-se um novo episódio inovador, quem sabe no arranque de uma nova temporada. Conta quem ouviu que um deles, penso mesmo que o pequenino actor do CSI Miami que parece uma cenoura, comentou como quem não quer a coisa, ao mesmo tempo que entrava no avião: «estes mindelenses são loucos!» E assim se foi, colocando os óculos escuros com um estilo que ninguém mais consegue sequer imitar.