Declaração Cafeana

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A noite de ontem foi especial por dois acontecimentos que passo a relatar de forma resumida: primeiro, apresentamos a peça "Teorema do Silêncio" em Nova Sintra, ilha Brava, para um público atento, ávido de teatro, curioso e, à medida que a peça avançava, emocionado e generoso. Este não é um espectáculo qualquer. É um texto difícil, um tema actual mas sempre complexo, uma encenação que é tudo menos óbvia, onde o que parece não é e o que é nem sempre parece. A reacção de quem muito raramente tem acesso a este tipo de bem cultural foi surpreendente. No final, várias pessoas chegaram até nós, agradecendo, de lágrimas nos olhos, o facto de termos, com a nossa arte, quebrado o silêncio para um assunto tão delicado (o abuso sexual de crianças). O nosso trabalho saiu valorizado e de novo se demonstra da profunda necessidade de trabalharmos para uma universalização do acesso aos bens culturais, em todos os cantos do nosso Cabo Verde. Seja lá onde for, existem pessoas que querem, precisam e estão dispostas a personificar esta troca tão bela. Como a que aconteceu nesta apresentação inesquecível.

Um pouco mais tarde, pelas ruas de Nova Sintra, um grupo razoável de amantes da morna corporizaram uma belíssima serenata, com as mornas de Eugénio Tavares, cantadas de forma incrivelmente harmónica e afinada, principalmente pelas muitas mulheres do povo ali presentes. Foram horas inesquecíveis. Belas. Tocantes. Algumas mornas belíssimas que eu nunca tinha ouvido e que, segundo me informaram, nunca foram gravadas (para meu espanto!). A alma de Cabo Verde se revela quando a morna é cantada. E não só! Uma estrangeira que vive por cá há alguns anos, e assistia a tudo chorava ao ouvir o coro cantando em êxtase a morna "Força di Cretcheu". Perguntei-lhe porque chorava ela e disse-me: "não sei explicar o que é. Mas ouvir esta música faz-me sentir saudades de casa."

No Dia Nacional da Cultura de Cabo Verde a morna se revela, mais uma vez, o eixo que nos liga a todos, de ponta a ponta, de Sul a Norte, de Este a Oeste, que une todas as diásporas de todos os universos crioulos. Eugénio Tavares se revela, mais uma vez, o patrono ideal num dia que é um dos mais importantes de ser-se comemorado. E, mais uma vez, no cantinho deste querido arquipélago, sou tocado de novo de forma inapelável, por um povo generoso e belo, que transforma esta nossa passagem pela vida numa aventura mais do que fantástica.



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1 comentário:

CCF disse...

Eu que sou uma portuguesa nascida em Angola sinto essa mesma comoção ao ouvir a morna, mais...muito mais do que ao ouvir um fado. Também não sei explicar...
~CC~