Declaração Cafeana

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Nos últimos dias algumas pessoas entraram em contacto comigo perguntando se eu não teria algum "material", com exercícios de teatro, incluindo de expressão corporal, vocal, dinâmicas de grupo, improvisação ou informações compiladas de história da arte cénica. Fiquei curioso pela coincidência de, num curto espaço de tempo, receber o mesmo pedido, com poucas variações, sendo que o comum em todos eles era a urgência em poder ter algum material pedagógico nas mãos.

Claro que não era coincidência. Está a decorrer no sistema de ensino cabo-verdiano uma reforma curricular e em algumas turmas "experimentais" resolveu-se considerar a disciplina de Expressão Dramática. Essa é, sem dúvida, uma fantástica notícia. O que não se compreende é que não tenha havido qualquer formação em exercício para os professores que forem ministrar essa disciplina. E tirando uma ou outra excepção, estes professores não estão minimamente preparados para lidar com um conjunto de técnicas que podem ser valiosas ferramentas de ensino, mas que para o serem, tem que ter alguém com experiência, conhecimento e o mínimo de formação na área.

Sendo o teatro uma forma de expressão artística que mexe com o ser humano na sua globalidade - chamo-lhe a arte dos 3 "Cês" precisamente porque implica trabalhar com corpo, coração e cabeça - ter gente mal preparada à frente desta disciplina, é um ato da mais pura irresponsabilidade. Segundo informações que me foram dadas, temos professores formados em artes visuais, arquitectura, ciências sociais e até engenharia a quem foi dada a responsabilidade tremenda de desenvolver e experimentar a disciplina de Arte Dramática a adolescentes nos liceus de Cabo Verde. Não se percebe porque não houve uma formação prévia, uma preparação metodológica, uma abordagem pedagogicamente aceitável para que estes profissionais da educação possam fazer um trabalho nas mínimas condições.

Feito assim, às três pancadas e desta forma irresponsável, a introdução da Arte Dramática nas escolas de Cabo Verde pode vir a transformar-se num tremendo tiro no pé de todos os envolvidos, a começar pelo próprio sistema educativo. Já agora, coloquem-se licenciados em matemática a ministrar português, sociólogos como professores de educação física ou advogados a ensinar química-física. Se vale para o teatro não ser preciso saber o que se ensina, então que se estenda este criativo método a todas as valências do ensino e que o Google e a Wikipédia nos salve a todos! 

Que fique claro desde já para quem não sabia: ensinar teatro ka é brinkadera!




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3 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem observado e escrito. É assim mesmo João!!!Abraço solidário.

Raquel de Arruda disse...

joão! minha alegria da noite de hoje foi entrar aqui no blog e ver que as postagens voltaram!

Nita Faria disse...

Esse é o GRANDE MAL no Ensino, na Educação. E falo com experiência no que digo, sendo eu, docente no estrangeiro. Há muita gente, professores, que em vez de leccionarem as disciplinas que são da sua especialiade, preferem aceder a um "emprego", ensinando o que mal sabem pois, o intuito é tão-somente ganhar dinheiro e dizer que "ËNSINAM". Gostei imenso do teu desabafo e argumentação. Força, João!