Café Fenómeno

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No passado fim de semana, na cidade do Mindelo, a Trupe Pará Moss, grupo de teatro recém-criado e oriundo do 14º Curso de Iniciação Teatral do Centro Cultural Português, apresentou uma série de 3 diferentes espetáculos, o que só por si, é um acontecimento. Mas não é sobre isso que vou falar hoje.

Uma das peças, "As Mindelenses", foi apresentada pela 10ª vez (as outras nove apresentações foram feitas seis no auditório do Centro Cultural do Mindelo - e nem por isso merece um cartaz na exposição que a instituição resolveu promover para lembrar os momentos que "marcam a história do Centro Cultural do Mindelo" - e três no auditório da Academia de Música Jotamont.) Esgotou sempre. Sempre teve uma procura muito superior à oferta, com um desespero na procura de bilhetes que por vezes roçou o surreal. Feitas as contas, neste momento, o espetáculo já foi visto por cerca de três mil pessoas. Notável, se tivermos em conta a realidade da ilha de S. Vicente!

O que faz com que a procura seja tão grande? Encontro três motivos: o primeiro, é a qualidade do trabalho, naturalmente. Se não fosse assim, não teria tanta gente querendo ver a peça. O segundo motivo, as opções de encenação, que passam por um registo cenográfico minimalista e uma construção toda ela sustentada num competente trabalho de interpretação. O terceiro motivo, é a identificação do público com o tema e, principalmente, com as personagens. Mesmo quando as histórias são estranhas, bizarras e surrealistas.

Inspirado no universo do dramaturgo Nelson Rodrigues, a peça retrata a vida de dez mulheres do Mindelo, de dez bairros diferentes da cidade. A separar as cenas, a intervenção do narrador que, com excelentes textos e interpretação de Carlos Araújo, nos leva a viajar por cada uma das zonas. Mas o que provoca esta atração das pessoas por estas dez estranhas mulheres?

Senão vejamos: uma é tão vaidosa que até as nódoas negras provocadas pela violência do marido são motivo de regozijo; outra é cleptomaníaca e polícia ao mesmo tempo; uma terceira tem tantos ciúmes que prende o namorado de forma a que fiquem juntos, para sempre, "como numa moldura"; outra é apresentadora de televisão que vira candidata a vereadora; outra uma beata que incomoda os vizinhos no domingo de manhã para dar catequese mas ao mesmo tempo tem uma vida paralela de luxúria e depravação; uma outra, excita-se irremediavelmente, só por ouvir o crioulo de Santo Antão; outra, só pensa em suicidar-se e ao verificar que o irmão gémeo morre primeiro fica furiosa com o fato; uma é noiva e só quer ser noiva, pelo que arranjar sempre forma de noivar e de romper antes de consumado o matrimónio; outra, é tão invejosa que chega ao ponto de convencer o namorado a matar uma terceira pessoa, para lhe poder roubar a pele e os olhos; e finalmente, uma mulher bonita que não se sente traída pelo fato de o seu marido a trair com outro homem e não com uma mulher. 

Estou cada vez mais convencido que nos cantos e recantos do Mindelo, nos becos, nos quartos, nos guethos, nos esconderijos, dentro dos carros, nas estradas e caminhos isolados, poderíamos encontrar muitas mais histórias destas, mais ou menos macabras e inacreditáveis. O sucesso da peça também se deve a isso: todos ficam encantados com a forma como lhes é permitido, de uma forma tranquila e divertida, espreitar pelo buraco da fechadura da sociedade mindelense. Melhor prenda que essa, não há!



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