Ficção Cafeana

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Não te metas nisso. Como disse um poeta, os seres apaixonados tornam-se muitas vezes susceptíveis, perigosos. Perdem o sentido da realidade. Perdem o sentido de humor. Tornam-se nervosos, psicóticos, chatos, assassinos. Quero lá saber, vou mesmo escrever um romance, tenho que aproveitar este estado de espírito que num momento me coloca a voar entre-nuvens e num outro me dilacera nas chamas de um inferno que não consigo dominar (por isso mesmo se chama inferno), agora sei o que é ser enterrado vivo. Enterros? Romances? Mas quais romances, bo ta parvo?! Isto não está tempo para romances, amigo, deixa-te disso, é pura perda de tempo. Preocupa-te antes com a crise económica, com esses assassinatos brutais em plena via pública ou com o aquecimento global, pelo menos faz alguma coisa de útil na vida, vem, a sociedade precisa de ti. Pode até ser, mas agora não, deixa-me, deixa-me. Oh dor, vem cá depressa, dá-me uma melodia rápido!, que tenho aqui pronta para ser servida uma letra para uma morna revolucionária, tem tudo para ficar no ouvido, vai conquistar a juventude, vai ser uma morna no número um do top as dez mais, acredita! Vamos cantar juntos, sim? Bo ta dod, mim j'm bai. Preciso de ir a correr ler a biografia do Veiga e o Orçamento de Estado para 2010, não tenho tempo para essas mariquices. E como veio, se foi, com o vento. E o outro ficou, a pensar no quando, no como e no onde poderia começar a escrever o seu romance. Ou pelo menos um poema, concluiu. Afinal de contas "um bom poeta pode fazer uma alma despedaçada voar." É disso mesmo que ando a precisar, foi o seu último pensamento, antes de se estatelar no chão de pedra, directamente oriundo do décimo sétimo andar do prédio mais alto da cidade.




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1 comentário:

Unknown disse...

Escrever é intervir; quem se mata desiste! Escrever, é preciso!
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