Crónica desaforada

9 Comments


Porque considero que
estamos longe do PDM cultural:

Participei, recentemente, num programa da televisão de Cabo Verde, denominado «O Grande Salto», onde se falava da passagem do arquipélago à tão falada graduação PDM (País de Desenvolvimento Médio), numa perspectiva da cultura, dos agentes culturais, do que foi feito e do que estará por fazer.

Confesso que tive algumas dificuldades, não só pelo alto nível dos outros participantes - Leão Lopes, Humbertona e Mário Fonseca - mas também porque cada vez mais me parece que estamos a flutuar num sonho concebido a partir de indicadores económicos e que, olhando para a chamada «realidade real» (em oposição a uma «realidade virtual»), deparamo-nos com um cenário deveres confrangedor, mais ainda considerando os diferentes sectores da nossa vida cultural e respectivas condições de formação, criação e divulgação da Arte em Cabo Verde.

Eis, pois, as razões porque considero que estamos longe de ser um país culturalmente PDM:

1. Porque não existe uma única Sala de Ciuema em todo o arquipélago;
2. Porque não existe, no presente momento, um único Museu em pleno funcionamento;
3. Porque não estão colocadas em prática medidas concretas que protejam a Propriedade Intelectual dos artistas cabo-verdianos;
4. Porque não existe nos primeiros níveis de sistema educativo uma aposta séria na Formação Artística;
5. Porque há deficiências gritantes a nível de Infraestruturação, para grupos de teatro e dança ensaiarem, pesquisarem e apresentarem os seus espectáculos;
6. Porque nenhuma das cidades cabo-verdianas tem um Teatro Municipal;
7. Porque muitas vezes a Edição é feita fora do país, havendo condições no nosso parque gráfico, devido ao elevado preço e a falta de incentivos, nomeadamente em questões alfandegárias;
8. Porque é quase tão improvável encontrar um jovem estudante que cultive efectivamente o Gosto pela Leitura, quanto descobrir poços de petróleo nas nossas águas;
9. Porque o Ensino Musical Estruturado é inexistente, apesar deste ser um país impregnado pela música, cujo povo respira música por todos os poros;
10. Porque o nosso Patromónio Arquitectónico é delapidado, sem qualquer assunção de responsabilidades e muitas vezes em nome de interesses escusos;
11. Porque não existe uma única Orquestra de Câmara em funcionamento, nem se prevê que possa haver nos tempos mais próximos;
12. Porque artistas do gabarito de um João Vário ou Vasco Martins continuam a ser vistos como uns Excêntricos Extraterrestres para a maiora da população nacional;
13. Porque não há uma Cultura Crítica no país, nem do ponto de vista de quem a possa fazer, nem na preparação dos artistas para a receber de braços abertos e de forma construtiva e descomplexada.

E porque gosto especialmente do número 13, fico-me por aqui. Algumas destas questões são do fôro político e institucional, outras são questões de mentalidade. Urge, na minha modesta opinião, fazer algo para que evitemos que a Cultura seja a flôr que colocamos na lapela, apenas quando temos que usar o fato de cerimónia, num qualquer evento internacional.

Mindelo, 07 de Janeiro de 2008


Imagem: pintura de Kiki Lima




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9 comentários:

Kafuka disse...

Ponto Final! Bem dito...

A mais chocante de todas é sem dúvida o facto de não haver uma única sala de cinema em todo o país. Eu julgava que isso tratava-se de um problema somente de países subdesenvolvidos, pelos vistos queremos inovar...

Eileen Almeida Barbosa disse...

Bravo João! Agora é ver no que podemos ajudar, nós, sociedade civil.n Quem sabe os governantes não vêm atrás?

Unknown disse...

Eileen

Para mim é muito claro de que as grandes conquistas culturais de Cabo Verde foram feitas pela chamada «sociedade civil», melhor ainda, pelos próprios artistas. O Leão Lopes dizia, com muita razão, no programa a que esta crónica se refere, quando lhe foi perguntado pelos destaques de 2007, que esse destaque só poderia ir para os próprios criadores, que mesmo num cenário amplamente desfavorável, teimam, lutam, continuam a produzir, por amor à Arte e ao país. Não fossem eles, os criadores (onde estás tu, onde estou eu), e o panorama seria, certamente, ainda mais desolador. Claro que nem tudo é negativo e há certamente importantes conquistas. Dois exemplos de trabalhos meritórios e que a mim pessoalmente me dizem muito: o festival Mindelact (responsabilidade da sociedade civil) e Biblioteca Nacional (responsabilidade do Estado). Mas esta crónica não era para falar sobre isso. Abraço.

velu disse...

Apoio total e incondicional para este teu post João. Adorei conhecer o teu "café".
Feliz 2008 para ti r tua familia.
Vera de Deus

Unknown disse...

E obrigado pelos votos e pela visita. Espero que venhas ao café sempre. As portas estao abertas, como é obvio, e quem quiser pode colocar café na sua chávena. Que é como quem diz: aqui não há censura! Um bom 2008!

Anónimo disse...

Adorei Oh João. Mas creio que estas a gritar nun deserto. Pois quem de direito, não quer nem ouvir nem mudar e talvez nem sabe como e porque e por onde começar?...
A nossa cultura, as ditas tradições culturais e os nossos artistas e artesões poderiam ser e formar a melhor industria do pais e por conseguinte uma fonte inesgotavel de receitas e financias mas...!?
A pobreza neste aspecto também gere.

Qual estória de País de Desenvolvimento Médio?

Xuxadera nen?

Eu tambem passo a gostar da cifra 13. Bravo.
Excelente Café este teu café.

Guy Ramos
Rotterdam

Unknown disse...

Guy

Eu compreendo o teu comentário, mas não estou aqui, neste espaço de cafeína livre, nem para gritar - um bom actor não grita, porque tem que aprender a colocar bem a voz para ser ouvido; nem para pregar - porque não tenho feitio para sacerdote (emnbora até goste do deserto como paisagem...)

Há muito por fazer e por isso mesmo todos seremos poucos. Fazendo ouvir a nossa voz, talvez consigamos que algumas (in)consciências despertem para alguns dos reais problemas que enfermam o nosso Cabo Verde cultural.

Mesmo que isso nunca acontecer, pelo menos teremos a satisfação de que não ficamos calados. Logo, temos direito à palavra e a sermos ouvidos.

Abraço

Albertino disse...

Muito força para todos que trabalham para um Cabo Verde de PDM Cultural.
Abraço

Álvaro Ludgero Andrade disse...

Só hoje leio esse comentário do meu ex-companheiro de sala de aula (embora seja mais velho) Kiki que acertou nos 13 pontos e, com certeza, deixou outros para a sua próxima tela.