Para o pessoal de Cabo Verde, ou se interesse por estas coisas, e se estiver em Lisboa. A peça "No Inferno", adaptação que o Grupo de Teatro do Centro Cultural Português - IC fez do romance de Arménio Vieira, vai estar por aí, integrado no MITO - Mostra Internacional de Teatro de Oeiras. Não percam. As entradas são gratuitas. É só se organizarem e levantarem o bilhete com antecedência.





Quando: dias 03 e 04 de Setembro, pelas 21:30 horas
Onde: Novo Espaço Tio, em Santo Amaro de Oeiras.




Clarice Lispector é das escritoras mais fascinantes que conheço. Possuidora de uma densa personalidade, Clarice reconhecia com espanto ser um mistério para si mesma, e continuará a ser, certamente, também um mistério e um deleite para os seus muitos admiradores, entre os quais me incluo. Ela deixou textos, crónicas e muita poesia.

Este é um dos seus textos mais conhecidos e citados. Para quem já conhece, nunca fica mal reler, para quem não conhece, sempre se pode deliciar.

Então é assim:

"Rifa-se um coração quase novo. Um coração idealista. Um coração como poucos. Um coração à moda antiga. Um coração moleque que insiste em pregar peças no seu usuário.

Rifa-se um coração que na realidade está um pouco usado, meio calejado, muito machucado e que teima em alimentar sonhos, e cultivar ilusões. Um pouco inconseqüente que nunca desiste de acreditar nas pessoas.

Um leviano e precipitado coração que acha que Tim Maia estava certo quando escreveu... "não quero dinheiro, eu quero amor sincero, é isso que eu espero...". Um idealista... Um verdadeiro sonhador...

Rifa-se um coração que nunca aprende. Que não endurece, e mantém sempre viva a esperança de ser feliz, sendo simples e natural. Um coração insensato que comanda o racional sendo louco o suficiente para se apaixonar. Um furioso suicida que vive procurando relações e emoções verdadeiras.

Rifa-se um coração que insiste em cometer sempre os mesmos erros. Esse coração que erra, briga, se expõe. Perde o juízo por completo em nome de causas e paixões. Sai do sério e, às vezes revê suas posições arrependido de palavras e gestos. Este coração tantas vezes incompreendido. Tantas vezes provocado. Tantas vezes impulsivo.

Rifa-se este desequilibrado emocional Que abre sorrisos tão largos que quase dá pra engolir as orelhas, mas que também arranca lágrimas e faz murchar o rosto. Um coração para ser alugado, ou mesmo utilizado por quem gosta de emoções fortes.

Um órgão abestado indicado apenas para quem quer viver intensamente E contra indicado para os que apenas pretendem passar pela vida matando o tempo, defendendo-se das emoções.

Rifa-se um coração tão inocente que se mostra sem armaduras e deixa louco o seu usuário. Um coração que quando parar de bater ouvirá o seu usuário dizer para São Pedro na hora da prestação de contas: " O Senhor pode conferir", eu fiz tudo certo,

só errei quando coloquei sentimento. Só fiz bobagens e me dei mal quando ouvi este louco coração de criança que insiste em não endurecer e, se recusa a envelhecer.

Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por outro que tenha um pouco mais de juízo. Um órgão mais fiel ao seu usuário. Um amigo do peito que não maltrate tanto o ser que o abriga. Um coração que não seja tão inconseqüente.

Rifa-se um coração cego, surdo e mudo, mas que incomoda um bocado. Um verdadeiro caçador de aventuras que, ainda não foi adotado, provavelmente, por se recusar a cultivar ares selvagens ou racionais, por não querer perder o estilo.

Oferece-se um coração vadio, sem raça, sem pedigree. Um simples coração humano. Um impulsivo membro de comportamento até meio ultrapassado. Um modelo cheio de defeitos que, mesmo estando fora do mercado, faz questão de não se modernizar, mas vez por outra, constrange o corpo que o domina.

Um velho coração que convence seu usuário a publicar seus segredos e a ter a petulância de se aventurar como poeta."


Clarice Lispector





De passagem pela cidade da Praia, onde fiquei apenas algumas horas, apanhei um taxi no aeroporto para tratar de uns assuntos no centro e no caminho assistimos a uma cena caricata (ou talvez não). Vindo da janela de um taxi que circulava na nossa frente voou uma quantidade enorme de papeis, que depois entendemos serem boletins do totoloto. que de imediato se juntaram à paisagem circundante. A reacção do meu taxista, resignada, foi curta e grossa:

"Praia ka ta limpa nunka más"

E portanto, aqui fica o mais óbvio dos óbvios. Não há equipa camarária, não há Presidente de Câmara, não há planos de emergência, não há dinheiro, não há Estatuto Especial, não há rigorosamente nada que se possa fazer pela capital de Cabo Verde se não se alterar a base das bases: a mentalidade e a cultura de desleixo que ainda reina neste país a nível de civismo. Até porque deitar a culpa para cima dos outros, principalmente se estes outros forem políticos, fica sempre bem, mas nem sempre são estes os principais culpados. Ou os únicos. Mas isto é tão óbvio que nem sei se justificou o presente texto.






"Gosto de porcos. Os cães olham-nos de baixo, os gatos de cima. Os porcos olham-nos de igual para igual."

Winston Churchill - Estadista britânico




Leio isto e só me vem esta frase à cabeça:

Grande novidade!






O Café Margoso acabou de receber mais duas distinções, a partir de uma mesma corrente. O blogue berdiano Ku Frontalidade e o blogue português Branco no Branco decidiram agraciar o Café Margoso com o prémio Este blogue é viciante. Fico sempre meio sem saber o que fazer quando recebo estas distinções. Por um lado, é sempre agradável saber que somos reconhecidos, por outro fica muito dificil nomear e continuar a corrente, porque os blogues cabo-verdianos não são assim tantos como isso e acabamos por nomear sempre os mesmos que, diga-se de passagem, nunca dão continuidade a estas correntes (e eles é que estão certos!).

Por isso, agradeço aos dois pela atenção e nomeio a blogosfera cabo-verdiana como merecedora deste prémio, sem excepções.



A propósito, um anónimo escreveu um comentário - aviso mais uma vez que por princípio, não publico comentários anónimos (a não ser de vez em quando) - para eu acordar, que o Café Margoso já não é o que era, para ir ver quais os post's mais comentados deste blogue e tirar as minhas conclusões. Fui verificar: os post's mais comentados foram algumas perguntas cafeanas (quase sempre relacionadas com sexo), polémicas relacionadas com o crioulo ou com políticas ambientais (nomeadamente o caso Murdeira, que agitou este café) e o caso dos elogios ao Vital Moeda, com uma petição à mistura.

Claro que nem sempre se tem disposição, vontade, temas, para lançar polémicas e incendiar a blogosfera, até porque eu tenho pouca vocação para pirómano, mesmo sabendo que por aqui quem diz o que pensa acaba inevitavelmente por lhe ser colada na testa essa etiqueta de incendiário social (ficou bem, este termo, não ficou?).

Vezes há que me apetece chorar os que foram, celebrar os que cá estão, apreciar as pequenas boas coisas de todos os dias, ler e partilhar poesia, imagens, dúvidas e inquietações. Mas gosto de ouvir e de me aconselhar com quem sabe. E quem sabe são vocês. Digam então, da vossa justiça: do que precisa o Café Margoso para ser (ainda) mais vosso?

Abraço, a gerência



Onde estás quando mais preciso? Será assim tão ridículo cantar o amor quando precisamos dele? O amor não se precisa, é. Resta seduzir a poesia, lembrar em Álvaro de Campos, que escreveu: todas as cartas de amor são ridículas, com mais razão escreveu que ridículas são aquelas pessoas que nunca as escreveram. Vem, meu amor. Um espaço vazio é um espaço puro pronto para ser preenchido, não é? Então vem, fica, aguarda, dá-me e dá-te, deixa resquícios de memórias que possam ser revelados em situações inesperadas com o leve sorriso das lembranças entrelaçadas. As lembranças entrelaçadas. Inesperadas. E preenche, preenche-me, volta, fica, aguarda, vem, lembra, viaja e me envia essa dávida única de quem sabe e pressente o quanto preciso de tudo, de tudo, de tudo. Mas é preciso ter calma, não é? Não vamos cair no ridículo, pois não? Mãos são mãos em qualquer lugar. Se encontram em qualquer estrada, se tocam em qualquer beco perdido, se deixam descobrir em qualquer instante. Em qualquer instante. Num beco perdido, em qualquer instante. Vem, fica, pensa, vive, vive-me.






        Os amantes sem dinheiro
        Tinham o rosto aberto a quem passava
        Tinham lendas e mitos
        E frio no coração.
        Tinham jardins onde a lua passeava

        De mãos dadas com a água
        E um anjo por irmão.

        Tinham como toda a gente
        O milagre de cada dia
        Escorrendo pelos telhados,
        E olhos de oiro
        Onde ardiam
        Os sonhos mais tresmalhados.

        Tinham fome e sede como os bichos,
        E silêncio
        À roda dos seus passos.

        Mas a cada gesto que faziam
        Um pássaro nascia dos
        seus dedos
        E deslumbrado penetrava nos espaços.

        Eugénio de Andrade






Imagem de Abby Ross, o fotógrafo da beleza onde menos se espera.


Fonte: aqui





"Todo adulto é livre para tomar decisões sobre o estilo de vida sem a intervenção do Estado." Assim começa o histórico acórdão da Suprema Corte Argentina que descriminalizou o uso de cannabis em pequena escala, ontem, terça-feira, abrindo caminho para uma mudança na política de combate às drogas nesse país a fim de centrar o foco nos traficantes e não nos usuários. A Alta Corte julgou inconstitucional abrir processos em casos envolvendo o consumo privado de cannabis.

Esta medida da Corte diz respeito apenas ao porte de drogas em pequenas quantidades, em situação de não ostentação ou risco para terceiros. Os argumentos utilizados para tirar a punição desses casos são: a protecção da intimidade e da autonomia pessoal (artigo 19 da Constituição); a necessidade de não criminalizar quem é doente e já é vítima do consumo da droga, e uma grande quantidade de tratados internacionais sobre o tema.

Esta não é uma ideia nova, antes pelo contrário. Na Europa, vários países já descriminalizaram o consumo das chamadas drogas leves e na América Latina, recentemente, Colômbia e México já o fizeram em relação ao porte de pequenas quantidades de drogas – o presidente mexicano, Felipe Calderón sancionou esta lei na passada sexta-feira. O Brasil e Equador estudam mesmo a possibilidade de legalizar determinados usos de droga.

Devo dizer que sou totalmente favorável a este género de medidas e que elas deveriam ser estendidas a outros tipos de drogas. Como se vem comprovando desde os longínquos anos 20 e a Lei Seca, a proibição do consumo de qualquer droga, incluindo o alcoól e o tabaco, só favorece traficantes, mafiosos e desregula um mercado que, se devidamente controlado, poderia proteger e tratar quem consome, e desmantelar redes que ganham fortunas incalculáveis à custa da desgraça alheia.




[num café com uma empregada de balcão (1) e uma de mesa (2)]

      Ela 1 - Vai ali atender o teu cliente.
      Ela 2 - Meu? Alguma vez ele é meu? Se fosse saltava-lhe já para cima.
      Ela 1 (virando-se para mim) - Olhe que ela é casada.
      Ela 2 - Sou casada mas o meu marido já não dá nada...
      Ela 1 - Dá sim senhora. Olha não dá...
      Ela 2 - Se dá é contigo. Comigo chega a casa a cheirar a vinho e adormece.
      Ela 1 - Credo, comigo não que me estou a guardar para o casamento.
      Ela 2 - Então também não interessas a ninguém que isso é só teias de aranha.
      Ela 1 - Pergunta lá ao teu cliente se quer alguma coisa.
      Eu - Eu queria uma água, por favor.
      Ela 2 (virando-se para a Ela 1) - Olha, este bebe água. Também não deve ser grande coisa...

      Bagaço Amarelo: fonte aqui




"Para atravessar contigo o deserto do mundo..."

Sofhia de Mello Breyner Andersen






Depois da visita fulminante da Secretária de Estado dos Estados Unidos a Cabo Verde, este arquipélago manteve-se nas bocas do mundo por causa do rocambolesco e inusitado caso do barco Arctic Sea que, oficialmente, é apenas um navio maltês com tripulação russa que transportava madeira da Finlândia para a Argélia. Desapareceu em finais de Julho e foi descoberto perto de Cabo Verde no passado dia 16 de Agosto por um navio de guerra russo. Confuso? Não há razão para isso, conhecendo apenas a versão oficial.

É que tudo indica ser a versão oficial apenas a ponta de um longo e sinistro icebergue. Pelo que tem vindo a público nos diversos órgãos de comunicação social, nacionais e estrangeiros, de curto ou longo alcance, este caso poderá eventualmente envolver tráfico de armas, incluindo misseis de cruzeiro, terroristas, agências internacionais de espionagem, manobras de diversão envolvendo vários Estados independentes e sabe-se lá que mais. Os piratas do mar, de várias nacionalidades, dizem-se "ecologistas" e vem-se agora descobrir que, afinal, um deles está morto há mais de três anos. Ou seja, um argumentista de Hollywood não faria melhor.

Tudo isto para dizer que já estivemos mais longe de Cabo Verde poder vir a servir de palco a um futuro episódio da mais famosa saga da história do cinema, a do agente secreto James Bond. Sim, esse mesmo. Publicidade não nos tem faltado, importância geo-estratégica também não, como estes dois últimos casos citados comprovam. Bond girls é o que mais há por estas ilhas afortunadas, projectos de casinos onde se possa beber um martini (batido, não mexido) idem aspas aspas e hoje em dia até já temos estradas em paisagens deslumbrantes, as tais de terceira geração, que não envergonhariam os carros ultra-sofisticados do mais famoso agente do mundo.

Já o estou a imaginar, em pleno casino num resort qualquer na ilha da Boavista, a falar com algum crioulo, e a dizer, "nha nome é Bond. James Bond." Já faltou mais, é o mínimo que se pode dizer nos (agitados) dias de hoje.





Quando uma mulher olha para uma segunda mulher de cima a baixo, é por inveja, por desejo ou é porque gostaria de desafiá-la para um duelo de morte, mas infelizmente estes não são tempos para confrontos do género?


À melhor resposta, ofereço um café






"Resta dizer que o que mais custa
é o silêncio dos nossos homens bons."


Abraão Vicente - Cocaína Ya





Levar-te à boca,
beber a água
mais funda do teu ser -

se a luz é tanta,
como se pode morrer?

Eugénio de Andrade






Que legenda para esta imagem?

À melhor legenda, ofereço um café



















O mês mais sagrado do Islão, o do Ramadão, inicia-se hoje começando para os muçulmanos um período de jejum e reflexão. Durante o mês do Ramadão os fiéis devem abster-se de beber, comer, fumar ou ter relações sexuais entre o nascer e o pôr-do-sol. Este mural é dedicado a este período e poderão ver a galeria completa com as fotografias aqui. [E pronto: muito provavelmente o Café Margoso acabou de entrar para a lista negra de alguns serviços secretos ou organizações especiais...)






Se há algo que a fascinante disciplina de Antropologia das Religiões nos ensina é o facto de o que separa e une as diferentes religiões e credos em termos de doutrinas ou costumes é muito maior do que o que as separa efectivamente, e que as múltiplas guerras, chacinas, atentados e crimes cometidos contra a humanidade em nome desta ou daquela religião pouco tem a ver com os reais ensinamentos que estas possam proferir. Claro que tudo isto é muito relativo e não poucas vezes nos questionamos: se colocarmos os aspectos maus e bons das diversas formas que o homem encontrou para se relacionar com o desconhecido, para qual lado cairá o prato da balança?

Não sei responder a esta pergunta mas a propósito do Ramadão que hoje se inicia para o mundo muçulmano, lembrei-me das vezes que entrei numa grande mesquita, naquela que é uma das cidades mais espantosas do mundo, Istambul. Tirarmos os sapatos à entrada, lavar as mãos e os pés, sentir estes últimos nos confortáveis tapetes do interior, sentir a frescura provocada por um arranjo arquitectónico de rara beleza, ouvir as suaves ladainhas árabes nas colunas estrategicamente colocadas ou observar as magníficas pinturas que cobrem todas as paredes e cúpulas destes sublimes edifícios cheios de luz, fazem de uma visita a uma grande mesquita uma agradável experiência para os sentidos. Compreende-se que um local como aquele seja de facto propício à meditação ou ao contacto com o divino através da oração.

E embora esta percepção possa chocar almas mais sensíveis, esta é precisamente a sensação contrária que sinto ao entrar numa daquelas gigantescas catedrais católicas europeias, onde a ostentação do ouro e pedras preciosas - vindos sabe-se lá de onde - a violência imagética do Cristo crucificado, os olhares dos muitos Santos e Santas que nos vigiam, a escuridão dos seus corredores e, ultimamente, as lâmpadas que se acendem a imitar velas, se colocarmos a moedinha na respectiva caixa, fazem com que esses locais me provoquem mais angústia que paz, mais sufoco que libertação.

Certamente, cada religião tem os templos que a História e os homens foi construindo, mas estes diferentes edifícios, por dentro e por fora, também não deixam de ser uma poderosa metáfora sobre as diferentes formas como o homem se relaciona com Deus, que é sempre o mesmo, independentemente do nome ou do mensageiro que lhe quisermos dar.







Por razões óbvias, o ritmo frenético do Café Margoso tem abrandado por estes dias. Além de que estarei nas próximas duas semanas em viagem com a peça "No Inferno" e em plena preparação do Festival Mindelact 2009, que está aí à porta. Nada que me impeça de vir cá sempre que possível para dizer, mostrar, revelar ou partilhar alguma coisa. Vou tentar ter algo para vos mostrar, pelo menos uma vez por dia. Portanto, não deixem de cá vir, sempre que vos apetecer. O café é vosso, como habitualmente.

A Gerência






Sim, nh'amor.
É fundamental luz voltá a entra na nôs kaza.




Imagens sacadas aqui




          Amigos, não consultem os relógios
          quando um dia eu me for de vossas vidas
          em seus fúteis problemas tão perdidas
          que até parecem mais uns necrológios...

          Porque o tempo é uma invenção da morte:
          não o conhece a vida – a verdadeira –
          em que basta um momento de poesia
          para nos dar a eternidade inteira.

          Inteira, sim, porque essa vida eterna
          somente por si mesma é dividida:
          não cabe, a cada qual, uma porção.

          E os Anjos entreolham-se espantados
          quando alguém – ao voltar a si da vida –
          acaso lhes indaga que horas são...

          Mário Quintana



Agradecimento ao Virgílio, do Terra Longe





O pior da morte não é vivê-la, é cheirá-la. A morte fede. Por isso entendo - hoje mais - o poeta Conde quando pede, para o seu final, a emulação pelo fogo. Só o fogo vence e supera o fedor da morte. Esta tem um cheiro que mistura produtos artificiais para conservar o que não mais existe, para alimentar um desejo mórbido de olhar para carcaças que não signifcam rigorosamente nada; de flores enviadas por amigos, inimigos, hipócritas, familiares, colegas, conhecidos, instituições, ministros; o sal das lágrimas e dos gritos contidos - porque aqui não se grita, para mal dos meus pecados -; a madeira do invólucro final e o cheiro a roupa lavada dos funcionários da funerária, dignos representantes do negócio da morte.

A morte não é natural. A morte cheira mal. O que é natural é o fim da vida. Tudo o resto são formas inventadas pelos que ficam para prolongarem a presença física dos que já foram. Esses, felizmente, já cá não estão para assistir - ou sentir - e o melhor mesmo, assim exijo quando a morte me vier buscar, é a celebração com o fogo. Ah e que dancem, cantem e celebrem os poetas que sempre amei.


P.S. Custa-me, naturalmente. Mas escrever aqui faz-me sentir menos só. Os meus leitores, os que me visitam e escrevem, são como companheiros de café, com quem me encontro para conversar sobre tudo e sobre nada, no fundo, para celebrar a vida. Por isso, continuo por cá e agradeço os que se manifestaram.


Image: pintura “As três idades da mulher” de Gustav Klimt





O que fazer com os sonhos que nos desarrumam?


À melhor resposta, ofereço um café


Pergunta inspirada em Goldmundo, aqui




E porque a vida continua...




Hoje é
Dia Mundial da Fotografia


Montagem fotográfica sacada aqui





"O Kula acabou de me ligar e me deu a notícia da colisão da contingência mais severa na rota do teu destino. A experiência da perda e do luto é provavelmente a mais significativa crise que a maioria de nós terá jamais que encarar em nossa ínfima e ignóbil condição. Talvez neste momento os dedos de tua alma não alcancem a consistência do mundo, talvez te sintas atordoado, desamparado, perdido. Talvez te resignes aos suspiros que te escapam sem que os possas conter. Talvez sintas o pescoço rígido e o estômago vazio sem que tenhas fome. Talvez te sintas simplesmente vazio e anestesiado. Não podendo (ninguém pode) penetrar a sombra que minha pálida noção imagina agora invadir-te, resta-me atirar-te daqui os meus ombros. Conta com eles para o punção das lágrimas, para a vociferação da revolta, para o sussurro da angústia ou simplesmente apoiar os teus braços se te aprouver. Minha própria experiência me sussurra (e me sussurrará eternamente) dentro do peito, como é atroz enfrentar e aceitar a perda, como magoa agitar a dor, como é bizarro adaptar-se a um mundo onde nos falta alguém, o desmedido esforço psicológico que é preciso despender para se reconciliar com o ente que se foi e levou consigo o não dito e o não escutado."


[Texto enviado por um amigo, a propósito do falecimento da minha mãe, Isabel Alves Costa]





Isabel Alves Costa
(1946 - 2009)


"Há assim pessoas grandiosas, que nunca hão de desaparecer, que nos inspiram, que nos iluminam, que nos transformam e educam. Há assim pessoas que que têm esse profundo dom de viver abraçando o mundo e a vida, tu serás para sempre uma dessas pessoas, e estarás com certeza para todo o sempre acompanhando os corações espíritos e mentes destes, que humildemente puderam receber esta dádiva. O Porto sem ti nunca teria sido o mesmo."

Comentário publicado no Público online (aqui)




Tenho um amigo, com quem gosto de conversar, que é militante do maior (e único) partido da oposição cabo-verdiano. Como grande parte das conversas acaba sempre por ir parar à análise de algum aspecto da actualidade, o que mais ouço é a sua postura crítica em relação ao actual estado de coisas. Há poucos dias fiz-lhe um desafio: "tenta lá encontrar um exemplo, um só, por muito pequeno e insignificante que possa parecer, onde possas dizer que o Governo agiu bem." Não foi capaz. Não porque não fosse pessoa para o dizer, se encontrasse algo, mas porque não viu, do seu ponto de vista, nada de nada por onde pudesse pegar para responder ao meu desafio.

Ora bem, tendo em conta todos os elogios que foram feitos ao país em geral, e ao Governo em particular, pela Sra. Clinton, actual Secretária de Estado dos EUA, a mais poderosa Nação do mundo, pensei cá com os meus botões que afinal de contas algo de bom há-de existir para se falar da situação actual dessa forma, até porque os serviços americanos, secretos e não secretos, são conhecidos por prepararem muito bem as suas lições para não falar ao desbarato. ou seja, algo não bate certo entre o que se ouviu nestes dias e a impossibilidade demonstrada para proferir um elogio que fosse.

Estas foram declarações que devem ter inchado de orgulho o nosso Primeiro-Ministro. E para ilustrar, aqui está uma das mais significativas: "se não querem ouvir os Estados Unidos, pelo menos olhem para Cabo Verde e vejam o exemplo do que é boa governação e esforço para o crescimento económico, respeito pelos direitos humanos e trabalho pela melhoria da qualidade de vida da sua população.” Esta é, está bem de ver, uma retumbante vitória diplomática do actual Governo e será utilizada vezes sem conta, está bem de se prever, como prova provada de competência a quem, como esse meu amigo, é incapaz de apontar uma medidazinha que seja como positiva em oito anos de Governação.

O certo é que 40 anos depois de pisar a Lua pela primeira vez, um outro importante cidadão dos Estados Unidos pisa um território mais ou menos parecido, a ilha do Sal, em Cabo Verde, e perante o mundo afirma que esta democracia insular pode parecer um pequeno passo para o homem, mas é certamente um grande passo para a humanidade. Ou se quisermos ser mais correctos, a Secretária de Estado disse que o que ouviu sobre Cabo Verde "foi música para os meus ouvidos". José Maria Neves não diria melhor! Ou se fosse de S. Vicente, talvez tivesse pensado, "uabá, sabe pa fronta. Agora é ke ninguém ta pode ke mim!"




"A cultura é uma forma de pensar e trabalhar sobre todas as coisas da vida, e não um berloque que se põe e tira de acordo com as circunstâncias."

Inês Pedrosa - Escritora portuguesa




Que legenda para esta imagem?

À melhor legenda, ofereço um café





Qual a verdadeira distância entre um crítico [de qualquer coisa] e um tipo armado em esperto, que tem a mania que sabe mais do que toda a gente [em qualquer assunto]?


À melhor resposta, ofereço um café



Excelente campanha que nos mostra como um simples preservativo usado no momento certo, pode evitar uma grande catástrofe. Para bom entendedor...













"Nunca houve tantas oportunidades para os jovens em Cabo Verde, o problema é que os jovens não as querem aproveitar porque estão interessados em fazer outras coisas "

Sidónio Monteiro - Ministro da Juventude e Desportos, em declarações à TCV por ocasião do Dia Mundial da Juventude (fonte: aqui)


Imagem: sacada aqui


Bem, esta frase não deixa de ser interessante e se a moda pega é uma chatice. Primeiro começamos todos a pensar que "outras coisas" serão essas que os jovens cabo-verdianos tanto gostam de fazer, e devem ser "coisas" fantásticas, fenomenais mesmo, para os fazer deitar para o cesto do desperdício todas as inúmeras estradas de oportunidades que são abertas a seu favor. E perguntando "que outras coisas gostam os jovens de fazer?", acabamos pegando numa célebre música do Pedro Abrunhosa, cujo refrão nem posso mencionar aqui correndo o risco de ser acusado de demasiado ordinário. Talvez, talvez...

Já estou a imaginar alguém do mesmo peso dizer "nunca houve tantas oportunidades para os artistas em Cabo Verde, o problema é que os artistas não as querem aproveitar porque estão interessados em fazer outras coisas." As "outras coisas" dos artistas, bem essa é fácil, como são todos uns parasitas que tem como única ambição viver à custa do Estado sem fazer nenhum e pior do que isso, quando não arranjam nada melhor para fazer ficam a mandar bocas ao ministério, essas outras coisas serão certamente de uma inutilidade total, resumindo-se a sua acção à célebre expressão tanto do agrado dos bloguistas, as "masturbações mentais".

Ou outro, "nunca houve tantas oportunidades para os pescadores em Cabo Verde, o problema é que os pescadores não as querem aproveitar porque estão interessados em fazer outras coisas," sendo as "outras coisas" dos pescadores, sei lá, jogar ao txintxon nas pracetas construídas no tempo do Onésimo Silveira em S. Vicente (isto para os pescadores desta ilha, naturalmente). Enfim, não é preciso continuar, porque acho que já entenderam a ideia, não é?

Sinceramente, assim como considero um pouco inadmissível que do lado da oposição não se ouça durante meses e meses a fio uma única ideia construtiva sobre o futuro deste país, também não deixa de ser um bocado claustrofóbica esta falta de humildade política, onde nenhum membro do Governo tem o pejo de admitir que algo não vai bem no seu sector e se há problemas, sacode a água do capote, e deita as culpas para cima do vizinho ou para cima de alguém, normalmente quem está ali mais à mão de semear. Com excepção talvez, da Ministra da Justiça, que disse numa entrevista "só faltar o criminoso convidar-nos para tomar um cafezinho" (e o café não tem nada a ver com isso, diga-se) referindo-se à legislação vigente que impede a justiça de ser mais célere nos processos de investigação.

Caramba, é tempo de cada um assumir as suas responsabilidades e a parte que lhe cabe, no bom e no mau que este país tem, como qualquer outro. Dá vontade de dizer também que "nunca houve tantas oportunidades para o Governo em Cabo Verde, o problema é que o Governo não quer aproveitar porque está interessado em fazer outras coisas." Eu nunca diria uma frase assassina como essa, porque fica chato dizer isto assim, não é?




E por falar em Porcos...




Judd Law fotografado por David LaChapelle




"Neste momento eu estou sendo vítima de uma cabala, uma imaturidade política de uns fedelhos que o PAICV tem aqui. Eu quero é que o tribunal me constitua arguida, então! Prefiro isso a ver o meu nome ser jogado na praça pública por um bando de imbecis que estão a tentar mostrar serviço."

(Mais à frente, na mesma entrevista)

"Se dependesse só da minha força e da minha coragem, eu até já lá tinha chegado [à Presidência da República] (...) Sim, reconheço em mim as condições todas para ocupar o cargo [de Presidente da República de Cabo Verde]"

Isaura Gomes - Presidente da Câmara de S. Vicente (entrevista completa aqui)


Comentário Cafeano: Sem querer julgar uma situação - a dos terrenos - que como se diz por aqui é um autêntico ninho de sampê, a verdade é que esta mulher tem o condão de não ter papas na língua e dizer sempre algo surpreendente. Agora, que seria interessante vê-la como candidata a PR, lá isso seria. Para já, garantia uma campanha bem animada.

Ilustração: Jornal da Hiena







O Café Margoso acabou de receber uma distinção internacional! O blogue Activismo no Sofá achou por bem atribuir aqui ao nosso estabelecimento com o prémio Comprometidos y Más 2009 (ver aqui). É um prémio oriundo da América Latina e visa premiar blogs comprometidos com a democracia e defensores da sustentabilidade ecológica. Agradecemos, com muito orgulho, a distinção de que fomos alvo, e como segundo a tradição se deve premiar também alguém, eis os meus blogues cabo-verdianos escolhidos, tendo em conta a temática:







Um Café para uma Felina!


Fotografia de Eugénio Recuenco para campanha da marca de café Lavazza





Quando estes #@§¶÷€# cortes de luz acabarem definitivamente com os aparelhos que tenho cá em casa, a quem devo entregar a #@§¶÷€# da factura?


À melhor resposta, ofereço um café





A Grande Conspiração

1. A grande vantagem das teorias da conspiração é que ninguém as leva a sério, pouca gente acredita nelas, por muita lógica que tenham.

2. Somos confrontados com factos, ligações, coincidências, meias verdades, depoimentos, que misturados de uma determinada forma e cozinhados a certa temperatura fazem do bolo resultante algo que, por um lado, tem um grau de atracção razoável (é difícil acreditar que tudo aquilo seja por acaso), mas por outro, se torna difícil de engolir (é difícil acreditar que se vá tão longe).

3. É como esta história das gripes, por exemplo. Sempre houve gripes. Chegavam no Inverno, curavam-se com dois dias de cama e chá de limão e pronto, estávamos prontos para outra. Só há bem pouco tempo se começou a falar da vacinação contra a gripe, e mesmo essa seria só para uma faixa da população mais vulnerável, como os velhos e as crianças.

4. Mas eis que de repente, começaram aparecer gripes especiais, mortíferas, ligadas a animais, porcos ou galinhas, que provocam pânico global. Metem-se no mesmo saco estranhos vírus criados em laboratório, multinacionais de medicamentos que produzem uma vacina com uma facilidade impressionante, nomes de tipos sinistros como Rumsfeld, que lucra biliões com a vacina e pronto, estamos prontos para começar a ver filmes ou, o que é mais grave, prontos para acreditar neles.

5. Acreditar, por exemplo, como já me foi dito, que tudo isto da gripe não passa, imaginem, de um plano maquiavélico para diminuir a população mundial, criando vazios geográfico-populacionais, com técnicas e metodologias cada vez mais afinadas.

6. Acreditar, por exemplo que o México, toda a América Latina, o Sul da Europa, a África e a Ásia, sejam as regiões a "abater" e lembrar que a filosofia e os princípios do Ku Klux Klan estão bem mais consolidados, afinados, refinados, infiltrados, escamoteados ou que o pior cego é aquele que não quer ver.

7. Ou finalmente, acreditar que a vacina milagrosa é, ao contrário, "uma vacina assassina" (para que conste o termo não é meu!) e que "segundo as pessoas que estão trabalhando arduamente para impedir este genocídio em massa do planeta, ela tem mercúrio e oleo de esqualeno, que são altamente tóxicos." Uma loucura, não é?

8. Pois é, há quem diga que sim, que é um grande disparate, como toda e qualquer teoria da conspiração. Mas há também gente, como a jornalista austríaca Jane Burgermeister, que protocolou um processo contra a ONU acusando-os de tentativa de assassinato em massa das populações do planeta através de vacinação compulsória, cuja vacina está cheia de agentes altamente letais e tóxicos, e contra a fábrica produtora da vacina também por genocidio e lucro com a venda de uma vacina que nem testada foi.

9. Detalhe: a gripe "apareceu" no México e, curiosamente, uma das fábricas em causa fica apenas a 50 km do local onde o primeiro foco começou. A jornalista foi despedida, mas até agora ninguém veio a público desmentir as suas graves acusações.

10. Recebi algumas mensagens de pessoas que tenho por certo não serem malucas nem doentes mentais que me avisam que isto não é brincadeira. Que me aconselham a ir ver este vídeo aqui (link) ou aceder ao site da tal jornalista, uma louca certamente, a precisar de internamento urgente, aqui (link).

11. As mensagens terminam como acontece sempre nas teorias de conspiração: "não acredite em nada"; "duvide de tudo"; "faça a sua própria pesquisa", avisam com os olhos esbugalhados. Claro que custa muito acreditar nisto.

12. Há certamente por aí muitos cientistas, médicos, políticos, investigadores ou jornalistas que são dignos, incorruptíveis, corajosos e que denunciariam de imediato se um esquema tão horrendo como este estivesse em curso. Mas é como diz o outro, yo no creo en bruxas mas que las hay, las hay.

13. Ah, e já agora convém que fique registado para o caso disto ser mal interpretado: esta é uma crónica de ficção e qualquer ligação com a realidade não passa de pura coincidência.


Mindelo, 12 de Agosto de 2009