Poeta 42

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Retrato do Poeta aos Quarenta e Dois

Quarenta e mais dois são os contados
anos, de parcos milagres, nulas maravilhas,
créditos de quantos dias hipotecaste
ao fingido desvelo dessa mão afoita.

Partias. E eram já estendal de arroteado pó
as várzeas de vário verde, lêveda lembrança
de quando vós, senhora de navegáveis curvaturas,
vos arregaçáveis, estendida sobre um dealbado
chão de sargaços, para a impante glória
desse atamancado coração
rendido à ressaca que o rilha p’la calada.

Quarenta e mais dois, não de enganos tantos,
mas da certeza que estar vivo é soluço
que descamba em ruivos dessangrados versos,
suados colhões belicosos, inda tão lembrados
dos desvelos, amorios — ó mistério de leveza —
que lhes davam mãos perdulárias
à mesa posta da penúria.

Quarenta e mais dois, e eis-te desconforme
ao ar do tempo, cão que ainda se eriça
ao tartamudo rilhar do vento à flor das gáveas,
ao arfar recidivo e rombo,
à sílica golfando nos costados lacerados.

Céus de lua nova, dai-lhe um firme ombro
para os súbitos rasgões da saudade,
arte para quanta ginga a vida requeira
— embora a bigorna dos meses crepite
silenciosa nos alveólos, aos quarenta e mais dois,
dores, tirando certos avulsos cagaços,
apenas as poeticamente repartidas por alguns
celebrados livros que lhe não fizeram mais
refinado em meio a tanta cabronada.

Quarenta e mais dois, quase novo, quase velho
o rosto que sombriamente o espelho lhe devolve,
mas ainda não menos impoluto que o infante ranhoso
dos valados, por isso, ó vós castrados para a vida,
vós que tendes por expertise a salivante
arte do broche, tomai lá disto em forma de pum
e remoei-lo, ó vorazes milhafres do zunzum,
tal cautério para a vossa angústia de capados.

José Luiz Tavares (faz hoje, 42 anos)



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