Cafeína

1 Comments


"E enquanto tratava da minha vida

Andei-lhe a dar voltas à coisa. As mulheres não fizemos muitas revoluções, pois não, andávamos demasiado ocupadas. A coser-lhes as roupas e as feridas, a parir os filhos, a cuidar dos velhos, a enterrar os mortos, a tirar o véu, a encurtar a saia, a usar a pílula, a levar porrada do macho, a entrar sozinhas nos bares, a ser apontadas pelo pai, pelo irmão e pelo padre, a ser presas por abortar ou por abandonar o marido, a segurar os telhados, a caiar as paredes, a trabalhar no campo, a perder os pulmões e as forças nas fábricas, a ser a mula de carga, a companheira fiel, a amante fogosa, a mãe primorosa e incansável, a mulher-a-dias, a cem em um, a não faz mal que eu trato, eu faço, eu resolvo. Pois não, as mulheres não fizemos muitas revoluções, pelos menos para estes homens, colunistas, comentadores, taxistas e talhantes para quem as mulheres, com as suas lutas, as suas importantíssimas revoluções (domésticas, algumas, outras com cadáveres, muitas com demasiados silêncios) foram e continuam a ser invisíveis e pouco dignas. Ainda bem que andavam cá eles, a matarem-se uns aos outros. Isso é que eram grandes revoluções."


Rita Barata Silvério, aqui

Fotografia de Angie Chiara 



You may also like

1 comentário:

Tina disse...

Como mulher, não posso deixar de comentar, egocentricamente. Há que olhar também para o nosso umbigo!
Boa, Rita, há que dizer as verdades! Gostei da bandeira desfraldada pois nós, as mulheres, fizemos e faremos muitas revoluções, nem que tenhamos de enfrentar a pulso os nossos pais e irmãos.
Bem, confesso que tenho um filho com um carácter extraordinário, assim como os meus três irmãos. Por isso, não posso dizer que "eles" são todos iguais, haha.