Crónica Desaforada

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O Concurso que não foi

1. O Ministério da Cultura criou, por Decreto-lei, uma denominada Bolsa de Criação Cultural, que no seu primeiro ano, foi apenas aberto à área da música, com o justificativo de que este ano o Dia Nacional da Cultura era dedicado à musica.

2. Sou, como é evidente, a favor da atribuição de Bolsas de Criação por parte do Estado, mas achei o número de bolsas atribuído ridículo, apenas uma - e não caio naquela mentalidade de que "mais vale pouco que nada" - assim como também achei desprovida de bom senso a sua canalização apenas para a área da música.

3. Defendo que o Ministério da Cultura deveria promover Bolsas de Criação anuais para, pelo menos, 6 áreas de criação artística: música, teatro, dança, literatura, artes plásticas/fotografia e documentário. Em cada ano promoveria um conjunto de actividades, de forma descentralizada, onde cada vencedor teria que mostrar o resultado do seu trabalho.

4. Em todas as áreas, os serviços culturais do Estado teriam que proporcionar a possibilidade real de apresentação pública dos resultados dos vencedores, findo os prazos estabelecidos para a criação. Ao teatro, música e dança seriam disponibilizadas as infra-estruturas para espectáculos; o documentário seria visionado em vários locais; na literatura, a Biblioteca Nacional se responsabilizaria pela edição da obra resultante da bolsa de criação; o Palácio da Cultura ou ao recém inaugurado Museu de Arte Tradicional, por exemplo, ficariam com a responsabilidade de organizar as exposições de pintura ou fotografia vencedoras.

5. A data poderia ser, claro, o dia 18 de Outubro, Dia Nacional da Cultura, e a apresentação pública dos resultados, com um concerto de música, uma peça de teatro, uma coreografia de dança, o lançamento de um livro, a apresentação de um documentário e a promoção de uma exposição, de pintura ou fotografia, enriqueceriam, e de que maneira, as comemorações e fariam deste dia uma verdadeira festa da cultura cabo-verdiana.

6. Bem, o regulamento da Bolsa de Criação, tal como está, prevê a atribuição de uma bolsa de mil contos, após concurso, cujo júri deveria ser constituído por 3 a 5 elementos «de entre personalidades de reconhecido mérito no domínio da música.» O valor parece-me ajustado para a nossa realidade e exigir do júri alguma qualificação também. No caso da atribuição das bolsas para várias áreas, o júri deverá ser constituído por pessoas igualmente qualificadas em cada área.

7. Ficamos agora a saber, através deste post do Crónicas Sujas, que houve apenas 1 concorrente (!) à Bolsa de Criação deste ano, e que o júri, que por definição legal deveria ser constituído por «personalidades de reconhecido mérito no domínio da música», tinha como membros Eutrópio Lima da Cruz, Joaquim Morais e Fátima Bettencourt. Ficamos também a saber que o júri deliberou, por várias razões, não considerar a única candidatura como válida.

8. Estes acontecimentos implicam desde já alguns questionamentos: em primeiro lugar pergunta-se como é possível que tenha havido apenas 1 concorrente, ainda por cima com um concurso restringido à área da música, supostamente aquela que tem mais potenciais interessados?

9. Aqui colocam-se duas possibilidades. Ou a divulgação deste concurso - inédito, diga-se de passagem - foi uma lástima total, ou os potenciais interessados não se interessaram, cruzando so braços, porque ainda hoje se espera que os apoios institucionais caiam do céu, por obra e graça do Espírito Santo. Parece-me que é um pouco dos dois.

10. Por um lado, anunciar uma bolsa artística apenas com recurso aos classificados dos poucos jornais existentes, que praticamente ninguém lê, não será certamente a melhor forma de divulgar uma iniciativa do género. Por outro, continuamos a viver muito do espírito do peditório, da falta de apoio, quando na verdade são poucos aqueles que conseguem apresentar um projecto consistente, bem escrito e apresentado que mereça, efectivamente, ser apoiado.

11. Outra questão pertinente é perguntar que júri era aquele? Eu sou amigo pessoal de duas daquelas pessoas, nada me move contra elas, antes pelo contrário. Mas se há algo que sei delas é que não são especialistas na área da música, nem nada que se pareça. No máximo, são meros consumidores, mas isso não faz de ninguém especialista. Num país com tanta gente ligada à música, não se conseguiu arranjar três pessoas para fazer parte dum júri?

12. Aqui também há duas possibilidades. Uma delas é a incompetência do Ministério em arranjar um júri compatível com o texto do regulamento que ele próprio aprovou e divulgou; a outra é os eventuais convidados terem todos recusado fazer parte do júri por alguma razão em concreto.

13. Apontar o dedo ao MC neste caso é fácil: a ideia da atribuição de Bolsas de Criação é boa, mas a sua aplicação ficou muito aquém do mínimo exigível; não houve divulgação suficiente e o júri era totalmente inadequado. Mas a inércia dos potenciais interessados é, para mim, a maior surpresa e um sinal de preocupação profunda.


Mindelo, 08 de Dezembro de 2008




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6 comentários:

Anónimo disse...

João,

Concordo, praticamente, com todas as tuas considerações, mas há uma coisa que falta para que possamos avaliar ESTE caso específico com isenção (bem, com isenção total nunca é possível, mas pelo menos mais objetivamente) - o projecto em questão. Não acho que o Ministério da Cultura seja obrigado a atribuir à bolsa, necessariamente, a um candidato simplesmente porque se trata do único concorrente, mas só uma olhada à candidatura nos permitiria fazer uma avaliação justa dos factos.

Quanto ao resto, particularmente à atitude da maior parte dos artistas, estou plenamente de acordo (e não me isento de quaisquer críticas gerais que possam ser feitas!).

Jeff

Unknown disse...

Jeff, por isso mesmo não foquei esse aspecto. NÃO CONHEÇO a candidatura. Apenas referi que não foi aceite, mas não disse porquê, nem dei a minha opinião sobre se estariam certos ou errados. Simplesmente, porque não conheço o projecto, embora tenha a maior consideração pelo seu autor.

Abraço

Anónimo disse...

João,sobre este assunto, dissertei longamente na entrevista que se encontra inserta no livro «sodadi di cabo verde», do jornalista português Gabriel Raimundo, e também publicada em junho no blog do Abraão. Por estranho que pareça, não houve reacção às questões mais «quentes». Aliás, segundo acabei de saber, houve uma, no lançamento em s. vicente. E porque os dados apontados não são correctos, voltarei um dia destes ao assunto, embora ele fosse apenas um sintoma de uma determinada doença, e não a doença que eu queria evidenciar.

Unknown disse...

JLT, gostava só que me elucidasses sobre a questão dos dados apontados não estarem correctos. Quais dados? Algum que conste nesta crónica, numa outra fonte? Não entendi. Abraço fraterno.

Anónimo disse...

Não, João, são os dados do apresentador da obra a que fiz referência.

abraço, daqui de salvador da baía, enquanto tento rabiscar um poema

Unknown disse...

OK, JLT, continuação de boa estadia. Que a luz da Bahia te seja inspiradora - certamente o será!