Declaração Cafeana

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Uma vez o poeta Pablo Neruda confidenciou à escritora Clarice Lispector que a maior alegria que teve pelo facto de escrever foi "ler a minha poesia e ser ouvido em lugares desolados, como no deserto ou pelos mineiros do Norte do Chile." Esta é uma boa introdução para louvar esta história maravilhosa que, ao que parece, vai acabar em bem, do salvamento dos 33 mineiros presos há meses a centenas de metros de profundidade numa zona remota do Chile.

Claro que se pode constatar do aproveitamento mediático, e até político, das verdadeiras boas ou más intenções do Presidente da República do Chile, da onda de patriotismo que tomou conta do país, ainda por cima, surpresa das surpresas, não por causa de algum feito cometido pela selecção nacional de futebol, mas por causa deste episódio arrepiante pleno de coragem, persistência, espírito colectivo, solidariedade, esperança e amor, tudo o que mais falta nos dias de hoje à tão maltratada humanidade.

Muitas nações se juntaram, engenheiros, técnicos, figuras mais ou menos públicas, a própria Nasa deu uma colaboração decisiva para o bom desfecho da operação de salvamento que, neste momento, caminha para a sua fase final. Uma operação onde, o que mais se discutia entre os mineiros era qual seria o último a abandonar o barco - leia-se, o abismo - porque todos queriam dar o corpo ao manifesto e sacrificar-se pelos seus colegas.

Possivelmente esta extraordinária sequência de acontecimentos vai dar origem a filmes, livros, séries de televisão, mas por alguma razão isso acontece. Quem gosta tanto de defender que os mercados e a economia dominam hoje tudo e todos, devia perceber que o que nos resta de humanidade pode ser, enfim, também um bom negócio porque a lei da oferta e da procura nos diz que quanto mais escasso é um bem, maior é a sua procura. Andamos todos a precisar destas lições de humanismo. Ontem, ter ficado em frente às televisões por tanto tempo, não foi tempo perdido. Os 33 mineiros, um número que representa entre outras coisas a idade do cristo crucificado, são hoje, como escreveu Ferreira Fernandes no Diário de Notícias, uma poderosa metáfora de vontade e dedicação.

E também de esperança.


(Fonte: Jumento)



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5 comentários:

Bitim disse...

O trabalho nas minas é deveras miserável e de muita tristeza.
Em Cabo Verde, a profissão mais perigosa que existe e que se me permitissem fazer uma comparação com esses mineiros, são os nossos pescadores. Eles enfrentam uma vida de aflição, de perigo, de incerteza, para colocar-nos no prato o peixe, ganhando o seu dia.
Mas mesmo assim, não têm reconhecimento algum, o trabalho deles é muitissimas vezes desprezados. Acho que muitos pescadores por esse Cabo Verde fora, tem história de fazer livros, filmes, etc...

Anónimo disse...

RENASCER

“Não quero que me tratem como uma estrela de cinema. Sou Mário António Sepúlveda, trabalhador, mineiro.” (Esta frase devia ser inscrita no panteão das frases célebres. Guardá-la-ei como um tesouro.)
Copiapó - Minas de S. José / Deserto de Atacama – Chile 13-10-10

É preciso ir fundo para se chegar à alma. Para se tocar a alma. Para escutar o coração.
E nós, que vivemos em pleno sol no fundo de tanta mina, encurralados no fundo de nós mesmos, perdidos em túneis de orgulho, prisioneiros em catacumbas de vaidade, sem direito a resgate ou compaixão. Ele há tanta maneira de se ser pequeno. Ser ‘pequeno’, por estes dias, foi ser grande, e os últimos foram, por um dia, primeiros.

Hoje, a 700 metros no ventre do mundo, renasci de novo. Renascemos todos um pouco mais, com:
Alex Vega Salazar, Ariel Ticona Yáñez, Carlos Barrios Contreras, Carlos Bugueño Alfaro, Carlos Mamani Soliz, Claudio Acuña Cortés, Claudio Yáñez Lagos, Daniel Herrera Campos, Darío Segovia Rojo, Edison Peña Villarroel, Esteban Rojas Carrizo, Florencio Ávalos Silva, Franklin Lobos Ramírez, Jimmy Sánchez Lagués, Jorge Galleguillos Orellana, José Henríques González, José Ojeda Vidal, Juan Aguilar Gaete, Juan Illanes Palma, Luis Urzúa Iribarren, Mário Gómez Heredia, Mario Sepúlveda Espinace, Omar Reygada Rojas, Osmán Araya Araya, Pablo Rojas Villacorta, Pedro Cortés Contreras, Raúl Bustos Ibáñez, Renán Ávalos Silva, Richard Vallarroel Godoy, Samuel Ávalos Acuña, Víctor Segovia Rojas, Víctor Zamora Bugueño, Yonni barrios Rojas.

33 nomes de mim. 33 homens de mim. 33 rosas para Atacama. Sim, “Estiveram lá, mas todos contarão a vossa história.”.

Porque …

"É necessário amar,
qualquer coisa ou alguém;
o que importa é gostar
não importa de quem.

Não importa de quem,
nem importa de quê;
o que importa é amar
mesmo o que não se vê."

António Gedeão (Amor sem tréguas)

Gracias a la Vida!
ZCunha

Recomendo, com carácter de urgência a escuta de “Gracias a la vida”, por Mercedes Sosa (http://www.youtube.com/watch?v=0d_h5CZPyjQ)

Sobre o acidente, ver pormenores aqui: http://www.terra.com.br/noticias/infograficos/resgate-mineiros-chile/mineiros.htm

Lily disse...

Sou uma piegas, fico emocionada ao ver as imagens dos mineiros a renasceram da terra.
De facto, a esperança é última a morrer - foi ela que os manteve-os confiantes de que a salvação era possível.
Penso que todos nós nos sentimos "um pouco salvos" com esta operação. E a Humanidade precisa realmente de ser salva... e de ter esperança!
Desejo que corra tudo bem até à saída do último mineiro e da equipa de comando das operações.

Jorge Silva disse...

Realmente, o Mundo naquela madrugada esteve atento, emocionado com o início do resgate dos 33 mineiros! O mais CARICATO é que esse mesmo Mundo constituido por Senhores do Poder, Guerras, Assasinos, Suicidas estão COMOVIDOS com o que já foi chamado de "Segundo Parto", "Uma nova vida", e estes Mesmos Senhores MINUTOS depois estarão a matar mais 33 Homens, 66, milhares com armas bélicas ou Politicas Erradas, desemprego e depressão! Jorge Silva

mdsol disse...

Esperança, meu caro!

:))