Dôs com Hernâni Almeida

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Hernâni Almeida, compositor, instrumentista e director musical de múltiplos projectos da nova geração. Tem já um novo disco aí à venda e não se considera um homem do Jazz. Quanto ao resto, Hernâni  fala como toca: de forma directa e desconcertante.

Consideras que a tua música está dentro do que poderíamos chamar as fronteiras do Jazz - já de si muito largas - ou preferes não colocar qualquer etiqueta ao que fazes?

Hernâni Almeida: prefiro não colocar etiqueta, se bem que há na minha música o uso de improvisação e para isso é preciso ter o vocabulário jazzístico, para haver um discurso musical coerente.

Está bem, mas em que prateleira a gente poderia encontrar os teus discos numa Fnac, por exemplo?

Provavelmente encontrarão na secção do jazz, mas eu preferia que fosse em world music, é mais livre para mim. O jazz já pressupõe um pouco de swing, e eu detesto swing jazzístico no meu projecto, gosto nos outros, mas não enquadra no meu projecto.

Mas o que é isso, do swing jazzístico, explica melhor…

Tecnicamente falando, é o uso de colcheia pontuada com semicolcheia, uma frase rítmica que ao ser tocada, ainda por cima no contrabaixo ou na bateria, dá ao pessoal aquela vontade de estalar os dedos e seguir o ritmo!

Mas para quem não entende de música, como se pode definir essa sonoridade?

Não sei se explico bem, é complicado falar de música sem o demonstrar com o instrumento, é uma forma mais directa de tocar, as pessoas sentem logo.

Pois, mas é estranho, porque se há uma ideia que as pessoas tem do jazz é que faz muito uso de dissonantes e por vezes nem é muito fácil para o ouvido, nomeadamente no jazz contemporâneo. Não achas que a tua música se enquadra neste contexto sonoro?

Não, graças a deus que não. Pelo menos no meu próximo disco que já vai sair no mercado, fiz questão de não usar os acordes dissonantes, acho que estudei o jazz exactamente para evitar tocá-lo, não quero estar numa prateleira em que a maior parte das pessoas vão achar a minha música um tanto ou quanto chata de ouvir

O bom jazz nunca é chato...

Eu sei, mas a maior parte das pessoas não o sabem. Como te disse, não digo que não gosto, gosto muito de jazz. Tocado por outros, mas não por mim

Continuo completamente convencido que é o que mais fazes. Basta ouvir-te ou ver como tocas em palco. Se aquilo ali não é jazz tenho que ir rever todos os meus conceitos musicais...

Olha, às vezes estou em casa e dou por mim a tocar acordes dissonantes, mesmo fortes, mas passo por aí apenas como exercício. Quando volto para o meu projecto, prefiro resoluções mais naturais, pelo menos para já. Daqui a uns anos posso experimentar outras coisas. Seja como for, percebo perfeitamente o que dizes, e acredito que seja jazz se assim o consideras. Mas prefiro não pensar na minha música como jazz!

O que são resoluções naturais, falando de música?

Evitar acordes dissonantes que podem ferir a sensibilidade dos que não os conhecem! Se bem que há uma arte na composição que serve exactamente para pegar duma progressão harmónica forte e conseguir encontrar notas que ligam um acorde a outro para que possa soar natural…

Ok, vamos sair deste beco porque esta conversa está a ficar um pouco dissonante! Dizendo o que dizes sobre o jazz, achas que existe, hoje, um jazz cabo-verdiano?

Há uma banda de São Vicente que eu conheço e que fazem uma música que está mais dentro do jazz. A banda "OLINÔS", que tem como líder o saxofonista Swagato, e outros grandes músicos, como o Humberto Ramos. Eles sim, estão no jazz. De resto, penso que não!

Como definirias o trabalho do Princezito, por exemplo? Ou de um Vasco Martins no piano?

O Princesito, já o disse antes noutra entrevista, é um grande poeta, que usa a música como meio de transporte das suas belas palavras. Em relação ao Vasco, não acho que seja um jazzmen, sinto que é mais livre do que isso, até porque um músico da craveira dele dispensa completamente o tal swing de que falava à pouco, ele tem uma linguagem muito própria e muito poética. Eu vejo o jazz como um estado de espírito também, e penso que nem um nem outro evocam o espírito jazzístico.

Tu trabalhaste com muitos músicos da nova geração. Alguns inclusive tragicamente desaparecidos. Como vês a música que se produz actualmente em Cabo Verde?

Hum, por vezes acho que Cabo Verde está parado musicalmente, há muitos festivais, de jazz até, mas sinto que não se está a criar nada mas sim apenas a repetir o que já foi criado há anos na música, em termos melódicos ou de poesia! Os nossos artistas copiam os espectáculos dos outros, é muito difícil, por exemplo, vermos algo novo num espectáculo hoje em dia, estão todos tão concentrados em ser originais que não se dão conta que estão a ser iguais!

Qual é a tua opinião sobre o novo festival de jazz da Praia, por exemplo?

Penso que a ideia é excelente, já fazia falta algo assim no nosso país. É um festival diferente em comparação ao que se passa com os outros, dá-nos a oportunidade de ouvir um repertório diferente. Está ainda em crescimento, ainda não é um grande festival, mas está a crescer, estive lá a assistir em 2009, tive pena de não poder ver o último dia, mas fora um ou outro artista, achei engraçado!

Faltou lá o Hernâni Almeida, digo eu…

Não sei, às vezes dá-me a sensação de aquilo ser tipo uma feira em que os artistas vão se expor. Prefiro para já fazer os meus espectáculos, organizados pela minha equipa, pois assim tenho por certo que só vai lá estar a ouvir quem sabe o que vai ouvir. Participar nestes festivais também pode constituir um risco, o pessoal pode não estar à espera e ainda podem pensar "tirem lá este Hernâni do palco, queremos música como deve ser!”

O teu disco de estreia nasceu a partir de um investimento pessoal. Não tiveste produtora, pagaste tudo do teu bolso. Já dá lucro ou ainda estás a pagá-lo?

Já consegui pagar quase tudo, o disco está praticamente pago. Consegui vender em Cabo Verde mil discos em seis meses, agora tenho mais para vender mas não tem vendido muito, ainda estou à procura de uma forma de distribuição lá fora. Mas com esta crise mundial, as pessoas tem receio de investir em algo novo. Seja como for, continuo a procura até encontrar. Prefiro andar devagar, mas seguro e com os meus pés!

Continuas sem produtor próprio...

Já trabalho com Lutz Meyer Scheel que é o meu produtor executivo, mas falta ainda encontrar um tour manager e uma distribuição no exterior. Mas o Lutz é mais um amigo que um produtor.

Quantas horas praticas por dia?

Pratico sempre que estou acordado. Não apenas na guitarra, pratico mentalmente, ando na rua, por exemplo, a pensar "hum, se eu juntar este acorde com aquela melodia, vai soar assim, hum, muito bom, se eu fizer assim vai ficar assim, boa!", e vou ouvindo as ideias que me passam pela cabeça enquanto ando neste mundo. Por vezes, tenho uma ideia bonita, e para não me esquecer, corro para casa para toca-la na guitarra.

Qual foi o último disco que compraste?

“The sixteen men of tain" de Allan Holdsworth.




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2 comentários:

Amílcar Tavares disse...

Conheci o talento musical do Hernâni quando ele participou num sarau cultural em Aveiro, organizado pelos estudantes cabo-verdianos, enquanto ele estudava no Conservatório de Música do Porto. Um músico brilhante! Boa sorte para a carreira.

Anónimo disse...

a musica do hernany tambem nao me soa a jazz.. mas tambe nao percebo muito de musica enfim..bjos titass