Fabulosa capa, de um não menos fabuloso romance








"Acho a televisão muito educativa. Toda as vezes que alguém liga o aparelho, vou para outra sala e leio um livro."

Groucho Marx - Actor norte-americano






Vou-vos contar um episódio sobre esta mulher: uma vez, estava eu passando pelo Plateau, na cidade da Praia, e ouço alguém chamar-me. Era a Misá, que me cumprimenta com aquela doçura que nos faz acreditar não haver (assim tanta) maldade no mundo. Irradia, como sempre, uma energia positiva, solar, bem disposta. "Ouvi dizer que nasceu a tua segunda filha. Como se chama ela?". "Inês", respondi. "Pois, olha, tenho um quadro meu que quero oferecer à tua filha." 

O quadro é lindo, como a pessoa que o fez. Na dedicatória escreveu: "à Inês, nos Braços da Luz do Mundo. Que a Bondade e a Vontade sejam sempre os teus companheiros. Santigo, Cabo Verde."

Devia haver mais gente assim, como a Misá. Não percam a exposição dela, no I Gallery. Vão sair de lá cheios de coisas boas, de certeza.





"Tenho uma lua gigante a entrar pela janela da cozinha, passei a tarde em conversas nonsense, fiz do brufen o meu melhor amigo depois de um noite de gin, partilhei segredos, tenho o ego do tamanho do mundo depois de uma conversa à varanda e estou viciada em crepes com canela."










Duas belas imagens que falam por si (são as melhores), uma música que se ouve como se não houvesse amanhã, uma frase que resume um estado de espírito. Tudo retirado de um lugar onde impera o bom-gosto. Que mais se pode pedir?

Fotografias de Karen Collins e Brigitte Lacombe; Música: The National, Lucky You


Fonte: Sem Aviso






Fazendo o percursos das artes plásticas em Cabo Verde Misá surge como um dos nomes femininos mais activos nos últimos anos. Conhecida pelo seu trabalho junto à comunidade dos Rabelados e mais recentemente pelo projecto de residência artística e intervenção comunitária em Porto Madeira, Misá tem contudo um percurso mais vasto que abarca vestígios da sua jornada e viagem por vários países do mundo. Sendo inconfundível o seu estilo, tanto na literatura como na pintura, Misá assume a liberdade de nomear, escrever, pintar situar-se, identificar-se a partir de temas e expressões que lhe valem o título de artista polémica, controversa.

É a partir desta clara tendência universalista, com os pés e sentidos bem fincados na terra do seu umbigo, que Misá entra na programação da i.gallery com a exposição “Cap Vert L’Amour Vert”. Misá aceitou o desafio de se inspirar em Henri Matisse. Pintor francês que nasceu nos finais do Sec. XIX e marcou, juntamente com Picasso e Marcel Duchamp o inicio do sec XX, tornando-se numa das figuras incontornáveis da pintura universal. Matisse terá dito um dia que os artistas deveriam que ter olhos de criança, sempre olhar como se fosse a primeira vez. É nesse olhar que a obra de Misá e Matisse parecem casar-se. A consciente inocência que leva a eliminação dos filtros do politicamente correcto, os cânones que determinam como se deve ou não pintar, como se deve ou não tratar os temas. O resultado deste cruzamento é sem dúvida uma Misá mais consistente, ciente das possibilidades da pintura, da sua arte como poesia, como um lugar concreto de intervenção.

Em “Cap Vert L’Amour Vert”, Misá leva ao extremo a sua procura por uma pintura que explora a sensualidade, chegando mesmo a tocar o obsceno. Misá assume mais vez a sua condição de mulher, de artista, de activista para abalar os sentidos com novas composições, novas abordagens e renovadas variações de temas que mesmo sendo recorrentes no seu trabalho, ganham contornos entusiasmantes nesta colecção de 11 quadros.

Venham pois degustar quadros, e livros na i.gallery a partir do dia 1 de Abril pelas 19h.


[Texto publicado no blogue do I Gallery, que vale a publicação integral]






Escrevi sobre este filme aqui. Agora, vai a nova (e definitiva) versão de Kontinuasson ser apresentada na cidade da Praia e recomenda-se que não se perca esta bela obra que tão bem retrata o espírito musical do nosso povo. Imperdível mesmo.

Amanhã, dia 30 de Março, às 16h30, haverá uma exibição para imprensa do filme que contará com a presença do realizador e da equipa de produção. Para além do visionamento em primeira-mão do filme os jornalistas poderão entrevistar o realizador e a equipa de produção.

O filme estreia na próxima segunda-feira, dia 5 de Abril, às 18h30, no Cinema da Praia - Plateau. No dia 6 estreia na Televisão de Cabo Verde às 21h40.

Kontinuason assume-se como um documusical, conta a história de Betty - bailarina da companhia Raiz di Polon, mora na sua terra, Cabo Verde. De Lisboa, chega-lhe uma proposta para viajar e integrar-se num espectáculo de música caboverdiana e começar uma carreira em Portugal. Esta proposta desencadeia nela o sentir profundo e o conflito caboverdiano: a identidade construída pela diáspora desde há séculos atrás. As dúvidas, a saudade, o desenraizamento, planam sobre ela e acompanham-na na sua tomada de decisão. O mesmo dilema de todo o caboverdiano: o desejo de partir, o desejo de voltar…expressado em torno da música, senha de identidade de seu povo.

Participaram, neste projecto, vários artistas entre os quais: Beti Fernandes, Princezito, Samira, Tambla, Denti di Oro, Nasia Gomi, Codé di Dona, Nha Balila, Lela Violão, Sema Lopi, Daniel Rendall, Mário Lúcio Sousa, Cesárea Évora, João Branco, Bento Oliveira, Ferrogaita, Vadú, Grupo de Dança Raiz di Polon e Manu Preto.




“Não se pode estabelecer uma relação inequívoca de causalidade entre celibato e pedofilia, até porque há também muitos casados, até pais, que abusam sexualmente de menores. Mas também não se poderá desvincular totalmente celibato obrigatório e pedofilia, sobretudo quando, para chegar a padre, se foi educado desde criança ou adolescente num internato, aumentando o risco de uma sexualidade imatura. Em todo o caso, será necessário pensar na rápida revogação da lei do celibato.” 

Padre Anselmo Borges, Diário de Notícias (ver crónica completa, aqui)


Comentário Cafeano: depois dos mais variados escândalos, em vários continentes e diversos países que revelaram casos de pedofilia dentro das Igrejas e/ou praticados por padres, alguns destes casos abafados pela própria estrutura eclesiástica, se há algo que a Igreja Catolica já não pode fazer é vir dizer que esta história nojenta da pedofilia dos padres não é um real problema que deve - que tem - que ser enfrentado e resolvido de uma vez por todas. Acredito que terminar com o celibato seria um grande passo para essa mesma resolução. Aliás, sendo a família a base que sustenta muita da ideologia católica, e lembrando que alguns dos apóstolos de Jesus foram casados, se há algo que nunca percebi foi porque raio os padres não se podem casar e constituir família, como o mais comum dos mortais. Depois, dá nisto. Uma vergonha. Um horror. Deus pode até castigar os pecadores, na sua infinita sabedoria, mas o que eu gostaria mesmo era de ver estes criminosos de batina todos atrás das grades.






Dentro da cacofonia inconsequente que tem caracterizado o debate sobre a oficialização da língua cabo-verdiana, vão aparecendo algumas posições e ideias que, não só contribuem para o debate por trazerem ideias novas, como incentivam a investigação e a promoção de medidas válidas e concretas para o avanço que todos querem na dignificação do crioulo. Na última semana apareceram duas posições sobre esta problemática que penso serem interessantee condensar neste modesto café:

1. Germano Almeida, que tem sido um dos maiores críticos da forma como o processo de oficialização tem sido conduzido defende uma ideia que, aparentemente, é paradoxal com o que vem defendendo nos últimos anos. Germano Almeida defende o ensino do português como língua estrangeira, uma vez que entende que a língua corre perigo, ao contrário do crioulo. O escritor cabo-verdiano considera que a língua oficial não é falada correctamente, apesar de ser o instrumento que mantém o povo cabo-verdiano em contacto com outros países. Germano de Almeida, em entrevista à Lusa, afirmou que no arquipélago há a ideia de que a população é bilingue, "o que não corresponde a verdade". (notícia completa, aqui)

2. O pessoal académico da Tertúlia Crioula, por sua vez, defende a necessidade urgente da implementação de um Instituto da Língua Cabo-verdiana. Por sua vez, José Luís Hopffer Almada, poeta e jurista, um dos defensores do projecto para uma língua cabo-verdiana, do grupo de trabalho que criou o alfabeto “Alupec”, para a sua escrita, lembrou os princípios da Unesco quanto ao respeito e aceitação das línguas maternas. Disse que “é necessário passar-se de uma diglossia para o bilinguismo” e que existe autorização legislativa para que o crioulo seja ensinado normalmente nas escolas em Cabo Verde. (reportagem, aqui)

Tudo isto é muito interessante e devo dizer que as duas posições acabam por ser até concordantes ou, no mínimo, caminham uma na direcção da outra. É que, se for implementado o ensino do português "como língua estrangeira", como afirma Germano, isso implicará necessariamente "que o crioulo seja ensinado normalmente nas escolas de Cabo Verde", como defende Hoffer Almada.










Uma imagem. Uma canção. Não é preciso dizer mais nada. 
Bom fim de semana.









"São as estrelas de Março das brumas secas, fazem brotar as sementes do amor e da felicidade e quem não grita de dor quando está feliz? Que as cabo-verdianas lindas como são brilhem no infinito das estrelas da humanidade. Feliz 27 de Março a todas."

José Maria Neves - Facebook

Imagem de Abraão Vicente







Comemora-se ohje, dia 27 de Março, o Dia Mundial do Teatro, criado em 1961 pelo Instituto Internacional de Teatro da UNESCO. Todos os anos, esta organização internacional convida alguém para escrever uma mensagem alusiva à data, Este ano, o convite foi feito à actriz inglesa Judi Dench.

Mensagem do Dia Mundial do Teatro 2010


O Dia Mundial do Teatro é uma oportunidade para celebrar o Teatro nas suas múltiplas formas. O Teatro é uma fonte de divertimento e de inspiração e tem a capacidade de unificar as numerosas populações e culturas existentes no mundo. Mas é mais do que isso e também oferece oportunidades para educar e informar.

O Teatro é feito por todo o mundo e nem sempre nos espaços tradicionais de teatro. Os espectáculos podem acontecer em uma pequena aldeia de África, no sopé de uma montanha da Arménia, em uma pequena ilha do Pacífico. Só precisa de um espaço e de público. O Teatro tem o dom de nos fazer sorrir, de nos fazer chorar, mas também deve fazer-nos pensar e reflectir.

O Teatro faz-se com trabalho de equipa. Vêem-se os actores, mas existe um conjunto extraordinário de pessoas que não é visto. Elas são tão importantes como os actores e são as suas competências diversas e específicas que permitem que o espectáculo aconteça. Devem receber parte do triunfo e sucesso que se espera obter.

O dia 27 de Março é a data oficial do Dia Mundial do Teatro. Mas todos os dias deviam ser considerados, de maneiras diferentes, como um dia de Teatro, pois temos a responsabilidade de continuar essa tradição de divertimento, de educação e de edificação dos nossos públicos, sem os quais nós não poderíamos existir.


Dame Judi Dench







Porque é que a probabilidade de ir ao Colombo e não dar de caras com um cabo-verdiano conhecido é mais ou menos igual à de acertar no euro-milhões?



À melhor resposta ofereço um café







Não percam, se estiverem em Lisboa. Depois vai haver lançamentos em Coimbra e no Porto. Já vi a revista Sete Palcos, totalmente dedicada ao teatro cabo-verdiano e está um espectáculo. Um precioso documento que, espera-se, possa também vir a ser lançado e apresentado, em Cabo Verde. Aplausos para a Cena Lusófona, em vésperas do Dia Mundial do Teatro. 








Soube por um amigo cabo-verdiano que vive em Lisboa que já há voos Lisboa - S. Vicente, que começam a voar no dia 30 de Abril, esgotados com meses de antecedência. Querendo vir para a ilha em Agosto, teve que ficar em lista de espera. E ainda nem começaram os voos directos. Só desejo que comecem rápido. Porque, sinceramente, nunca se entendeu esta lógica de deixar os passageiros em trânsito para a ilha do Porto Grande a penar pelos aeroportos internacionais. Deste vez serão (estão sendo) apenas e só nove horas de espera, para poder ir para casa. Haja paciência. Valha-nos a Internet! Ah e os lobbies, que nunca conseguiram fazer com que a gente ficasse menos tempo neste martírio. Incompetentes!







A propósito desta entrevista da Ministra da Cultura de Portugal, comenta um blogueiro crioulo: «e ai de alguém que se atrever a defender ideias semelhantes em Cabo Verde; todos os "especialistas" em políticas culturais (ou todos os ex-críticos do ex-ministro de cultura de Cabo Verde, Manuel Veiga) vão-lhe cair em cima.»

Achei piada a este comentário que não diz nada a não ser ligar, de forma velada e mais ou menos directa, os especialistas (com aspas, claro!) de política cultural a todos os ex-críticos de Manuel Veiga. Pelos vistos, os que elogiam o seu ministério, são os verdadeiros especialistas em Política Cultural (com maiúscula) e sem aspas. Está bem.

Quanto à entrevista propriamente dita, continuo a dizer o que sempre tenho dito: se aparecesse alguém a dizer as mesmas barbaridades sobre escolas, tribunais ou hospitais, aí sim, teríamos o que discutir. Ou de como a cultura continua sendo visto como bem de terceira e quarta necessidade, onde menos Estado significa melhor Estado.Será? Embora lá privatizar o Ministério da Cultura?

Imagem: João Paredela






O Poeta e o Contista

As coisas não andam fáceis para os profissionais das letras. Por essa razão, tanto o Poeta quanto o Contista tiveram de arranjar outra ocupação mais rentável do que escrever poemas e contos. Cada qual se arranjou com uma profissão afim. Acostumado a adornar e lapidar versos, o Poeta optou por ser joalheiro. E ao Contista, tendo em vista que era mestre na arte de encaixar palavras, ajustando e acertando-as, coube-lhe, portanto, o ofício de relojoeiro.

Após o que, procurou o Poeta e propôs uma sociedade.

Excelente parceria. O negócio vai de vento em popa. Sonham agora com filiais, franquias. Voltar às letras, jamais.

Wilson Gorj (fonte: aqui)





Há aquele velho ditado, tão velho que se tornou um lugar comum: «não podes  vencê-los, junta-te a eles.» Bem, ao que parece, é o que tem sido feito por bandidos e políticos, e isto é dito sem definir muito bem se estada nova estrada de comunicação, partilha e/ou entendimentos vai num sentido ou noutro, ou se é uma via de duplo sentido com várias faixas de rodagem.

Afinal, os criminosos mexem muito com a economia de um país. E nada mais justo do que começarem a participar. Pagando impostos, por exemplo. Oferecendo aos respectivos governos uma percentagem da sua "actividade comercial" assim tipo imposto sobre o tabaco ou assim. Por exemplo, no Rio de Janeiro, os traficantes de todas as facções criminosas ofereceram ao governo daquela cidade uma participação na venda de drogas no Estado. A decisão foi anunciada após uma reunião de cúpula dos bandidos na favela, uma espécie de Fórum ou mesa redonda sobre a problemática.

A justificação é simples: “o sistema é exatamente o mesmo do petróleo: a gente explora aqui e tem que dar essa compensação”, disse o traficante Dedé das Candongas, apresentando o slogan do movimento: “A economia do Rio não pode virar pó”. Em troca, os bandidos pediriam o fim das UPP (Unidades de Patolamento Policial). “É justo porque a gente tem que ter condições de faturar”, explicou o traficante, que usava o bottom da campanha “Mexeu com o Rio, mexeu comigo. Vai encarar?" (fonte: aqui)

Perto disto, o simples anúncio do nosso Primeiro-Ministro se encontrar com os thug's da Praia para diálogo em prol da paz social é coisa pouca. Peanuts, como diriam os americanos, peanuts.





«Quero inventar o meu próprio pecado; 
Quero morrer do meu próprio veneno.»

Chico Buarque






Na cidade grande há passatempos que nos fazem viver com um pouco de menos angústia o stress que pode provocar andar-se nessa mesma cidade, de carro ou nos transportes públicos. Mas principalmente, nestes últimos. E é interessante para quem, como eu, estava tão habituado a andar na rua numa pequena cidade onde toda a gente se conhece, deambular pelas ruas, paragens de metro, autocarro ou comboio e observar o mundo fervilhante que nos rodeia. A primeira constatação é que ninguém se olha. Ou estão a olhar os jornais que são distribuídos gratuitamente, ou estão a olhar para o chão, ou com o olhar perdido, ou quando muito para uma outra pessoa se esta for companhia, família, amigo ou namorado. E como as pessoas não se olham, posso-me deleitar neste exercício de observação sem ter que passar por indiscreto ou mal educado. Porque nos dias de hoje, olhar alguém nos olhos é sinal, no mínimo, de velado descaramento.

Mas não é apenas o olhar que se deleita. O ouvido também, se para isso estiver disposto. Uma cidade como Lisboa reflecte de forma exemplar o significado da palavra cosmopolita, e é comum estarmos dentro do metropolitano e apenas numa pequena viagem ouvirmos as mais variadas línguas, se entre-cruzando pelo meio do barulho das carruagens em andamento ou das portas abrindo e fechando. Num outro dia, um estranho casal, bizarro mesmo, de meia idade, falava uma língua esquisita, provavelmente um dos idiomas dos Balcãs, e pareciam saídos de um filme de Kusturica. Ao lado, um grupo de angolanos falavam uns com os outros como se não houvesse mais ninguém naquela cabine, ou seja, aos gritos e em festa. Um pouco mais à frente, espanhóis, ao lado um casal de namorados que fala em francês, também presente o típico sotaque lisboeta de um adepto do clube da Luz (andam a falar muito, esses!), dois brasileiros e, alegria suprema, uma crioula, ainda jovem, falando no telemóvel para Cabo Verde, com um delicioso sotaque de S. Nicolau!

Se nos deixarmos encantar pelo caleidoscópio urbano - e humano - de uma cidade como esta, as idas e vindas para o trabalho ou para a escola, ficarão certamente menos penosas. Na época das redes sociais informáticas, as pessoas olham-se nos olhos cada vez menos. É um paradoxo. Até porque continuo a acreditar que no meio de tanta violência e de actos ignóbeis, de tanta maldade e hipocrisia, há sempre algures, ao alcance de uma mão (ou de um olhar), uma réstia de humanidade. 







          Com pauzinhos de fósforo 
          podes construir um poema.
           
          Mas atenção: o uso da cola 
          estragaria o teu poema. 
           
          Não tremas: o teu coração, 
          ainda mais que a tua mão, 
          pode trair-te. Cuidado! 
           
          Um poema assim é árduo. 
          Sem cola e na vertical, 
          pode levar uma eternidade. 
           
          Quando estive concluído, 
          não assines, o poema não é teu. 
           
          Arménio Vieira, «construção na vertical» 

    Nota cafeana: Já me tinha referido a este poema aqui no Café Margoso, num dos primeiros post's da casa. E desde o dia de ontem que me apeteceu promover esta reprise. Espero que ninguém leve a mal.





    Depois de ler este extenso testemunho sobre o que deve & haver do anterior Ministro da Cultura,  Manuel Veiga, lembrei-me daquele célebre ditado que diz «quem dá o que tem, a mais não é obrigado.» E mais uma vez sou da opinião que o argumento de uma suposta vitimização de um auto-proclamado general da oficialização do crioulo que combateu na frente da batalha e que por isso foi sacrificado, é apenas (mais) uma forma de meter a cabeça na areia.  Além de que me parece que o testemunho revela, entre outras coisas, alguma falta de humildade política.

    Só me resta desejar-lhe boa sorte na sua vida profissional, sem qualquer tipo de cinismo.






    Hoje é Dia Mundial da Poesia, mas digo-vos daqui: isso não existe. Todos os dias ela, a poesia, está presente. Todos. Como diz no pórtico deste estabelecimento, são os poetas que se casam com a respiração do mundo. Sem eles, morreríamos asfixiados. Abençoados sejam, os poetas de todos os cantos e recantos do Universo.


    Não se perdeu nenhuma coisa em mim

    Não se perdeu nenhuma coisa em mim.
    Continuam as noites e os poentes
    Que escorreram na casa e no jardim,
    Continuam as vozes diferentes
    Que intactas no meu ser estão suspensas.
    Trago o terror e trago a claridade,
    E através de todas as presenças
    Caminho para a única unidade.

    Sophia de Mello Breyner Andresen






    «Nenhuma palavra é tão violenta como esta: tradição. Sempre que me falam nisso pergunto-me: quantos medos são necessários para criá-la? E para mantê-la?»

    Raquel Freire - Cineasta






    Nos dias de hoje, da globalização, dos comandos à distância, dos cento e tal canais de alta definição, da lavagem cerebral dos Gatos Fedorentos, desligar a televisão é um acto de coragem ou de inteligência?



    À melhor resposta ofereço um café






    Rony Moreira, autor do blogue Geração 20.j.73, abriu um novo espaço, desta feita mais literário e menos político, onde se podem ler prosas e poemas do próprio. Como no primeiro blogue, o bom gosto impera e vale uma visita. Visitem o Caderno de Exercícios, aqui. A imagem é da artista  plástica japonesa Chiharu Chiota.






    Porque nunca é demais, mais um apelo sentido sobre o Éden Park. Desta feita, do fotógrafo Jorge Martins, que reside em Portugal. Leiam, aqui. A imagem também é da sua autoria.






    Ser pai deu nisto. Que mais se pode pedir?






    Em comemoração do Dia Mundial da Poesia, a 21 de Março, vai decorrer na cidade da Praia um «cruzamento artístico» entre teatro, poesia, literatura e música. Parece interessante e merece participação ou, pelo menos, presença.  Uma performance itinerante que começa às 18 horas, na Pracinha da Escola Grande e segue depois para a Fundação Amílcar Cabral, a Praça Alexandre Albuquerque e o Liceu Domingos Ramos. Com Vera Cruz, Lúcia Cardoso, Fodja, Jacob Cullen e Sylvie Guellé. 




    «Qual ancestral fala através de mim? Eu não posso viver ao mesmo tempo com a minha cabeça e o meu corpo. Por isso não consigo ser uma só pessoa. Sou capaz de sentir infinitas coisas ao mesmo tempo. O grande mal do nosso tempo, é não haver mais grandes mestres. A estrada do nosso coração está coberta de sombras.»







    «Devemos ouvir as vozes que parecem inúteis… o cérebro está cheio de coisas aprendidas na escola, no asfalto, na prática assistencial… devemos ouvir o zumbido dos insectos que entram no nosso ouvido. Precisamos encher os olhos e os ouvidos de coisas que existem no inicio de um grande sonho. Todos devem gritar para a construção de uma pirâmide… Não importa se não a construirmos! O que importa é alimentarmos os desejos!»






    «Temos que esticar os cantos da alma como um lençol interminável… Se querem que o mundo siga em frente, temos de dar as mãos, misturar os chamados sãos, com os que são chamados doentes. E vocês saudáveis: o que significa a saúde? Os olhos de toda a humanidade vêem o precipício em que estamos a cair.»






    «A liberdade é inútil …se não têm a coragem de nos olhar nos olhos, e de comer connosco, e de beber connosco, e de dormir connosco! Os assim chamados sãos foram os que conduziram o mundo para a catástrofe! Homem escuta! Em ti água, fogo e depois cinzas. E os ossos dentro das cinzas Os ossos e as cinzas! Onde estão, quando não estão na realidade nem na minha imaginação?»





    «Faço um novo pacto com o mundo: que haja sol à noite e que neve em Agosto. Que as coisas grandes acabem e só permaneçam as coisas pequenas. A sociedade deve unir-se e não continuar fragmentada. Vamos observar a natureza, porque a vida é simples. Temos de voltar atrás, onde nós estávamos, ao ponto onde escolhemos a estrada errada. Devemos voltar às bases principais da vida sem sujar a água. Que raio de mundo é este? Se um louco tem de vos dizer, que devemos vergonha! Oh Mãe! Oh Mãe! O ar é uma coisa rápida que gira em torno da cabeça e se torna mais clara quando te ris!»

    "Nostalghia", de Andrei Tarkovsky





    Que legenda para esta imagem?

    À melhor legenda, ofereço um café 





    Os grupos carnavalescos resolveram reunir-se em associação para assumir as rédeas da festa do Rei Momo em São Vicente. Depois das críticas dirigidas ao júri do último Carnaval, as "escolas" querem elas próprias indicar os nomes dos jurados e gerir todo o evento.

    Esperamos que em finais Abril a Associação comece a trabalhar e a gerir o Carnaval em São Vicente. O objectivo é ter uma organização que mobilize fundos para pôr à disposição dos grupos, faça formações, nomeia um júri com pessoas capacitadas e idóneas e saiba fazer do Carnaval mindelense um elemento de atractividade turística e impulsionador do desenvolvimento da ilha.”

    Zeca Reis - Grupo do Monte Sossego (fonte: A Semana)

    Comentário Cafeano: já não era sem tempo. Mas nunca é demais lembrar que já houve uma Associação de Grupos de Carnaval de S. Vicente, não sei se legalmente constituída ou não. O que me parece é que este tomar das rédeas do Carnaval vem em boa hora, melhor, já vem tarde. Boa sorte para os promotores, é o mínimo que se pode desejar nesta altura do arranque da iniciativa.




    Falei-vos há poucos dias do novo disco de Bernardo Sassetti (Trio). Aqui fica um dos temas do novo disco, «Motion». Boa escuta.








    A este, nem o Santo Padre o aturava...







    "A análise de duas grandes pesquisadoras americanas, a National Longitudinal Study of Adolescent Health e a General Social Surveys (indicadores de QI de milhares de adolescentes e adultos dos EUA), feita por um especialista em psicologia evolutiva da London School of Economics, concluiu que homens com um QI mais elevado estão mais propensos à monogamia e a exclusividade sexual do que os homens menos inteligentes. O pesquisador alega que a correlação entre a inteligência e a fidelidade nos homens tem suas origens no desenvolvimento evolutivo. O mundo moderno já não confere tal vantagem evolutiva para os homens que têm várias parceiras sexuais - tendo em vista que, socialmente, a monogamia é mais aceite e possibilita maiores hipóteses de relacionamento amoroso.

    Entretanto, a mesma relação não é observada nas mulheres. Outras características evolutivas que são mais comuns entre as pessoas de inteligência superior, incluindo liberalismo e o ateísmo, segundo o estudo indicou."

    E esta hein?!

    Imagem: La Chapelle (só podia, com este tema)






    ...e de repente, assim tipo milagre de Fátima, descobriu-se que existem lobbies em Cabo Verde. Grande novidade!

     




    Nós não sabemos, mas é um facto que aproveitamos muito mal o tempo e as oportunidades de aprendizagem que a escola - no seu sentido mais lato - nos dá. Se há actividade nobre para o ser humano, aprender é uma delas. E a de ensinar também, já que é o seu complementar. E é pena que haja tantos a ensinar sem qualquer vocação, pois se estivessem a vender torneiras ou a gerir um restaurante, seria exactamente a mesma coisa, e também que haja tantos sentados nos bancos das escolas sem qualquer vontade de aprender seja o que for, como mutantes passivos, apenas à espera que o tempo passe para sair para algo que será, na sua perspectiva, sempre mais interessante.

    Quando se aprende com outros que sabem tanto mais que nós, só temos que agradecer a oportunidade de com eles poder crescer e não nos sentirmos diminuídos ou pequenos, eventualmente esmagados por mentes brilhantes. Saber aprender (e ensinar, claro) é, sobretudo, saber escutar. A aprendizagem efectiva para existir depende da escuta atenta, partilhada e crítica. Por isso é tão gratificante ter este tipo de oportunidades e só quando passamos muito tempo sem elas, é que conseguimos ter alguma noção do que deixamos passar, como quem deixa passar o vento, que um dia há-de voltar. Quando me dizem «bem-vindos, este é o lugar para errar», estou certo que vim parar ao lugar certo. Porque aprender é também saber lidar com o erro, reflectir e seguir em frente. 






    Sobre a operação de segurança realizada no Mindelo e relatada aqui, ficaram-me na retina duas frases:

    1. «Estiveram envolvidos na operação 40 agentes da PN e 30 da PM, num trabalho que não tem data para terminar.» (sublinhado meu)

    2. «Infelizmente só agem antes das eleições. Depois é a lei da selva. Eu já mandei comprar a minha bazuka.» (comentário de um mindelense)

    Não é de hoje que venho escrevendo sobre a insegurança e a violência urbana que cresce a cada dia no cidade do Mindelo. E muitas vezes já nem se rouba para comer, é mesmo por puro divertimento, e outras vezes sai pancadaria só pa felling, não chegando sequer a haver roubo, "apenas" alguns ossos quebrados em quem passou na hora errada no local errado. Gostei de saber que estas acções não têm data para terminar, mas espero que se aja antes que mais cidadaãos se lembrem de comprar bazukas.





    «O Teatro não é uma profissão, é uma opção de vida, porque te implica, na totalidade como ser humano - emocional, física, mental e espiritualmente.»

    Miguel Seabra - encenador





    O auditório da Reitoria da Uni-CV vai ser, nos dias 16 e 18 de Março, pelas 18:30 horas, palco da apresentação dos 10 vídeo-postais de Mito EliasNa fai minotu”.

    Mito Elias, como é sabido, é um artista cabo-verdiano com um marcante percurso nas artes plásticas. Muito multifacetado, a videoarte é das últimas especialidades com que vem brindando Cabo Verde e o mundo.

    Com obras com um vocabulário muito próprio, por vezes quase experimentalista, Mito já expos em diversos espaços em Portugal, onde vive, Estados Unidos, China, Brasil, entre outros. Em Janeiro, expôs na Uni-CV.

    Eu, se estivesse por lá, não perdia isto por nada deste mundo. 







    «Proposição do assunto do poema: a desobediência do homem, resultando-lhe daqui a perda do Paraíso em que fora colocado; a Serpente, ou antes Satã dentro da Serpente, motivou esta desgraça, depois que ele, revoltando-se contra Deus, e metendo em seu partido muitas legiões de anjos, foi expulso do Céu e arrojado ao Inferno com toda essa multidão por ordem de Deus. Depois lança-se logo o poema para o meio do assunto, e mostra Satã com seus anjos dentro do Inferno, descrito não no centro da criação (porque Céu e Terra devem então supor-se ainda não feitos), mas nas trevas exteriores mais propriamente chamadas Caos. Ali Satã, boiando com seu exército num mar de fogo, crestados todos pelos raios e perdido o tino, afinal torna a si como de um letargo, chama pelo que era o seu imediato em dignidade e poder, e que ali perto jazia; conferem ambos acerca de sua miserável queda. Satã brada por todas as suas legiões que até então se conservavam na mesma confusão e letargo: levantam-se elas; mostra-se o seu número e ordem de batalha; dizem-se os nomes de seus principais chefes que correspondem aos ídolos conhecidos depois em Canaã e países adjacentes. Satã dirige-lhes a palavra, anima-os com a esperança de ainda reconquistarem o Céu, e ultimamente noticia-lhes que vão ser criados um novo mundo e nova qualidade de criaturas, atendendo a uma antiga profecia ou rumor em voga pelo Céu (pois que, segundo a opinião de muitos antigos Padres, existiam os anjos muito antes da criação visível). Para achar a verdade desta profecia e o que se há de fazer depois, ele convoca uma plena assembleia. Procedimento de seus sócios. O Pandemónio, palácio de Satã, ergue-se subitamente construído no Inferno; os pares infernais ali se assentam em conselho.»

    John Milton - argumento do Canto I in "Paraíso Perdido"






    O Homem e a sua Sombra IV

    Um homem deixou de alimentar
    a sombra que carregava. Alegou razões de economia.

    Afinal para quê de sobejo levar algo que o duplicava?

    Sem sombra, pensou
    melhor carregaria o que nele carregava.

    Equivocou-se. Definhou.
    Descobriu, então, que a sombra o sustentava.

    Affonso Romano de Sant'Anna / Fotografia de Lourdes Castro





    Não sei porquê, mas esta imagem tem um não sei quê de poético...