Declaração Cafeana

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Segundo foi anunciado ontem na comunicação social, o Festival da Gamboa, que terá lugar nos próximos dias 22 e 23 de Maio, vai custar cerca de 40 mil contos (ler notícia aqui), sendo que dessa verba, 15 mil contos sairá directamente dos cofres do executivo camarário e o restante será assegurado por patrocínios. Não deixa de ser espantoso que num ano de crise global, a maior crise económica dos últimos 50 anos, e num país com tantas dificuldades estruturais como Cabo Verde, se gaste tanto dinheiro numa festa musical de dois dias, por muito popular que possa ser.

Não é de hoje que contesto este modelo de implementação de uma política cultural municipal. Porque como sabemos não é só Gamboa. É Baía, é Santa Maria, Tarrafal, Boavista, Santa Cruz, S. Filipe, enfim, hoje não há município que se preze que não tenha o seu festival de música, com as vedetas habituais, e onde se estoura em poucos dias o curto orçamento das câmaras municipais para actividades culturais. Depois não sobra dinheiro para mais nada. Assim não há lugar nem dinheiro, para a promoção de actividades outras, ou para uma aposta na infra-estruturação cultural, nunca sendo demais lembrar que, tirando o caso da Praia e do Mindelo (e oxalá), nenhum outro município tem um centro cultural digno desse nome, com auditório minimamente equipado incluído. 

Bem que podem dizer que a grande maioria dos orçamentos destes eventos são cobertos pelos patrocínios, o que nem é verdade em muitos casos. Mas esses patrocínios são dados a troco do quê? De visibilidade, certamente. Mas não só. As câmaras municipais tem poderes e possibilidades de dar contrapartidas que nenhum produtor ou associação cultural independente pode almejar, e portanto estamos aqui perante um esquema de concorrência desleal no acesso ao patrocínio, porque esse produtor ou associação cultural não tem outro produto para oferecer que não seja a actividade que organiza e a visibilidade que esta consegue na comunicação social. É que depois, os produtores ou associações culturais vão bater na porta desse patrocinador e a resposta é indubitavelmente a mesma: o orçamento para os patrocínios já foi gasto. Onde? Claro, nos grandes festivais de música, organizados pelas câmaras municipais.

Quando se fala em mudanças de paradigmas não seria mau pensarmos um pouco nisto. Este modelo de festival está esgotado? Não está? Há que rever tudo, como parece que querem fazer na ilha do Sal? Não sou contra os festivais de música, mas defendo que há que reflectir sobre esta realidade. Se em tempos de crise como a que vivemos se gasta tanto dinheiro num festival de dois dias, depois não nos podemos admirar que não haja dinheiro para organizar uma exposição de artes plásticas, para um espectáculo de dança ou teatro, ou para apoiar os grupos e associações locais. Se há algo que sabemos de cor, e não foi preciso a crise para nos lembrar, é que o dinheiro não nasce do nada.




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9 comentários:

Anónimo disse...

Acho que o dinheiro dos contribuintes não deve ser gasto em forróbodó.

E esse modelo de grandes festivais à borla é puro despesismo.

Travões precisam-se!

M. Estevão disse...

JB e Amilcar, isso vai continuar, porque os Presidentes das nossas Câmaras, a sua equipa e os Vereadores municipais, estão sempre em campanhas eleitorais - esse cancro político.
A sua limitação em matéria cultural é tão grande que não vêem a cultura e as suas manifestações no seu todo e que todas merecem tratamento igual, é claro, sem despesismos e exageros, bem entendido.
Quantos desses senhores, que discutam e aprovam os orçamentos, na sua alínea para a cultura assistem um espectáculo de teatro ou de dança, visitam uma exposição de artes plásticas, vão ao lançamento de um livro, ou participam nos debates sobre a cultura? 10%? Não mais. Porque isso não dá votos e não podem passear o seu "charme" por entre o "povão".
Assim sendo, meus amigos, governados por esses senhores, vamos ter de nos habituar a conviver com esses "desvios".

velu disse...

INFINITAMENTE DE ACORDO JOÃO.
CV NÃO PRECISA DE 1.000 FESTIVAIS, NEM EM TEMPOS DE VACAS GORDAS MUITO MENOS DE MAGRAS. CV PRECISA É DE APOSTAR NA CULTURA EM TODA A SUA DIMENSÃO... E CONCERTEZA, QUE ESSA DIMENSÃO NÃO ESTÁ NESSES FESTIVAIS.....ENFIM........

Anónimo disse...

Duas pistas para o debate: ou os Festivais de Música pretendem ser manifestações de natureza cultural (mas a história mostra que serão escassas as centenas, atreveria mesmo dizer dezenas, as pessoas que verdadeiramente vão ao Festival da Baía para ouvir a música que aí se faz, alguma pelo menos de qualidade mais do que duvidosa), ou pretendem ser meros produtos turísticos para revenda (como "arraial popular", tipo Feira Popular de Lisboa).

Em qualquer caso o modelo terá que ser repensado, sob pena do esbanjamento de dinheiros não trazer qualquer retorno significativo.

a) RB, anónimo por obrigação

Manu Moreno disse...

Ó Djonsa ta parcem ma responsaveis municipais ka sabi kuzé ki é politica social/cultural ou és ta da pa dodu.

Que viva a declaração cafetana por muitos anos...!!!

Olhar para meta,
Não para o émulo
Porque perco o tempo
De cumprir a jura

1-A metafora politica social justifica-se pelo facto de, em muitos casos, a racionalidade estar ausente e o conflito de interesses ter de ser resolvido com recurso ao exercicio do poder. Ou seja é a força politica de interesses que predomina infelizmente a politica municipal que determina os criterios que devem prevalecer.
2-Dentro das camaras municipais existem também infelizmente a coligação dominante, que é um grupo que dentro da organização detém o poder de influenciar a tomada de decisões que afectam a estrutura da propria organização.Estas coligações no dia de hoje florescem(são como cerejas, para o ano há mais), devido a ambiguidade na definição dos objectivos para com a politica social/cultural.
1-Nas camaras municipais e entre as camaras, predomina o conflito de interesses que conduz a luta pelo poder partidario e, por isso, as organizações convertem-se em arenas politicas nos quais os grupos de interesses com diferentes graus de poder, concorrem pelo controlo dos recursos de modo a satisfazer as suas necessidades.
4-No paradigma de politica de eficacia, a enfase é colocada nos grupos sociais que podem condicionar a vida da organização. por essa razão a politica de eficacia está relacionada com o grau de satisfação dos diferentes contituintes, também a espectativa da satisfação de um grupo de interesses em detrimento da propria politica social visa contrbuir, dentro de cada instituição, para a degradação da eficacia organizacional.

Quem dá, e torna a tirrar
Ao inferno vai parar?
NÃO!
O poder de voto
Leva o Homem ao paraiso!

Kel abçom di kuraçom!
ManuMoreno

Anónimo disse...

Corroboro na íntegra a preoucupação aqui manifestada , na verdade , nunca percebi essa deriva festivalesca em Cabo-verde à custa de magros recursos do país que poder-se-ia e dever-se-ia alocar em actividades culturais decentes , bem haja , pessoas com outras perspectivas e bom senso como o nosso compatriota João Branco , continue assim com esta atitude crítica para o bem do nosso torrão. Desde de aqui de Lisboa , aquele abraço!!! Belmiro Lopes

Unknown disse...

Mais: penso que este é um assunto que deve estar na ordem do dia para ser discutido, debatido por todos que se interessam por estes fenómenos. Como está...

Anónimo disse...

Ninguém me tira da cabeça que o festival de Gamboa nasceu de motivações meramente políticas, e nunca culturais, diferentemente da Baía das Gatas que parece estar a fazer o percurso precisamente inverso...

Se se refectir sobre as condições do local onde é feito,as implicações ambientais e urbanas, o nível do espectáculo e o público que acode a esse festival, irão concerteza entender o meu ponto de vista. Esse momento festivo é aproveitado para fazerem-se ajustes de conta, dar largas a todo o tipo de vícios, mães abandonam crianças em casa para ir para vluntareza, enfim " engrandece em muito a nossa cultura e a nossa sociedade" esse Festival. Se perguntarem a minha opinião digo-vos acabava com ele imediatamente. Mas não cabe a mim decidir, infelizmente.

Pimintinha

Unknown disse...

Não tenho um parecer tão radical mas subscrevo muito do que comentou a Pimintinha.