Para você ganhar belíssimo Ano Novo cor de arco-íris, ou da cor da sua paz, Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido (mal vivido ou talvez sem sentido) para você ganhar um ano não apenas pintado de novo, remendado às carreiras, mas novo nas sementinhas do vir-a-ser, novo até no coração das coisas menos percebidas (a começar pelo seu interior) novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota, mas com ele se come, se passeia, se ama, se compreende, se trabalha, você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita, não precisa expedir nem receber mensagens (planta recebe mensagens? passa telegramas?). Não precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta. Não precisa chorar de arrependido pelas besteiras consumadas nem parvamente acreditar que por decreto da esperança a partir de janeiro as coisas mudem e seja tudo claridade, recompensa, justiça entre os homens e as nações, liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, direitos respeitados, começando pelo direito augusto de viver. Para ganhar um ano-novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade




Cada vez mais certo: não somos ninguém sem as pessoas que amamos. Parabéns, Inês.







Em jeito de balanço, José e Pilar


1. Acabei de assistir ao filme documentário “José e Pilar”, de Miguel Gonçalves Mendes, que mostra o dia-a-dia do casal José Saramago e Pilar del Rio, sua mulher, num retrato surpreendente de um escritor durante o seu processo de criação. Mostra-nos um Saramago nunca antes visto e, como se lê no texto de promoção do filme, prova que génio e simplicidade são compatíveis. Nestes tempos conturbados, estes 125 minutos de visionamento desta obra-prima foram a melhor forma de terminar o presente ano.

2. Se chegaram até este ponto e sobreviveram a um primeiro parágrafo que vos poderia induzir ser este um texto mais ou menos intelectual sobre uma obra cinematográfica, ficam desde já a saber que, como quase acontece com o que se escreve e com o que nos acontece na vida, o filme é apenas um pretexto para escrever sobre coisas outras, talvez aquelas que realmente interessam na vida, sobre as quais poucas vezes paramos para avaliar, pese embora a importância que têm nas nossas existências, como sejam o amor, o tempo, o espaço, o conhecimento, a evolução, a liberdade.

3. A jornalista Ana Margarida de Carvalho escreveu sobre este filme na revista Visão que o filme é um documentário, mas é também muito mais do que isso: “tem tantas histórias, tanto mundo. Tanta música, alguns inéditos. Tantos bons diálogos como nos bons guiões. Tanta vida e um bocado de doença e morte, também. Tanto riso, tanta ironia, tanto escárnio e veneno. Tanta mágoa, tanta amargura, tanto amor.” Sobretudo, este último, tanto amor, uma palavra gasta, que aparece anunciada com cada vez menos convicção, verdade, emoção. E ao contrario do que está citado, não concordo que o filme contenha amargura: ao contrário, é um filme cheio de luz. Pilar, essa força da natureza, diz mesmo qualquer coisa como isto: para quê ficar triste, deprimido? Não há tempo para isso. É seguir em frente e continuar a lutar, a batalhar, sem nunca esquecer que estamos no pequeno grupo dos privilegiados.

4. Comecemos pelo amor: quando encenei a peça “Máscaras”, e quis fazer do espectáculo, pelo menos do ponto de vista do encenador, um “hino ao amor”, chamei a atenção precisamente para essa forma plastificada de festejar o evento amoroso, o amor que vem em embalagens pré-formatas, o amor dos peluches e corações nas montras das botiques na semana do S. Valentim, o amor das novelas brasileiras ou das letras de zouke love. Ora, este é um filme iluminado porque mostra que o amor não tem fronteiras, nem culturais, nem geracionais e que está sempre pronto para nos bater à porta quando menos se espera. José Saramago revelou numa conferência em S. Paulo isso mesmo: que se tivesse morrido aos sessenta anos, um pouco antes de ter conhecido Pilar, teria morrido muito mais velho do que morrerá com mais de oitenta. O amor faz isso às pessoas: dá vida. É o verdadeiro e único elixir da juventude, a pedra filosofal que transforma em ouro tudo em que toca.

5. Há ideias, imagens, pensamentos ao longo de todo o filme que nos tocam profundamente. O homem público que se dá, de tal forma que acaba gravemente doente muito provavelmente por excesso de trabalho. Semanas antes desse grave problema de saúde Saramago era capaz de estar horas a assinar livros. No encontro na Sociedade Brasileira de Letras assinou mais de 450 livros. Narcisismo? Não, generosidade, apenas. De tanto viajar acaba confessando que numa próxima oportunidade, quer ser árvore, para poder ter raízes e nunca sair do mesmo lugar. “Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne e sangra todo dia”, disse. Mas não se esquece de agradecer a Pilar, “por não me ter deixado morrer.” O amor vencendo a morte? Com certeza.

6. Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo, disse um dia o até agora único prémio Nobel da literatura de língua portuguesa. E talvez seja essa a razão de ser desta crónica, nesta altura do campeonato. E que altura é essa? O final do ano, tradicionalmente para os balanços do ano. Ou ainda mais premente, a campanha eleitoral oficial que se aproxima a passos largos, mas que já está presente nas estradas nos cutelos, nos bares, nos passeios, nos cafés, nos discursos, nas preocupações, nas apostas, nos projectos de vida, nas tipografias, nas carreiras, nos outdours, nos jornais, na Internet, nas conferências de imprensa, as televisões, nas casas das pessoas, nas discussões, nas portas das casas, nas inaugurações e na má-língua. Façam as vossas lutas politicas, lutem pelas vossas convicções, mas não percam o norte para o que realmente importa levar desta vida.

7. Quando se perguntou a Saramago do que ele mais sentia falta, agora que pelos vistos já tinha tudo, ele deu a resposta que se esperava de um homem que sobretudo adora a viver: tempo e vida. Gostava de ter mais tempo para continuar o trabalho que tanto gosta de fazer e de ter mais vida, agora que no final de cada dia se tem a percepção tremenda de uma perda irreparável. “Deve ser isso a velhice”, afirmou. Mas abençoado quem, como ele, que descobriu o ofício de escritor já muito depois do meio século de idade, morre a fazer o que mais ama e também o que as pessoas mais amam que ele faça. Isso também demonstra que nunca é tarde. Nunca. Para descobrir uma vocação. Um caminho. Uma montanha. Uma canção. Um grande amor.

8. Continuamos especialistas em chorar os mortos que ignoramos em vida. Agora que a morte de Norberto Tavares está tão presente talvez poucos se lembrem do tempo não muito remoto em que este se encontrava gravemente doente, tendo sido o próprio irmão a oferecer um dos seus rins para que o músico conseguisse sobreviver. Deram o nome dele a um Centro Cultural em Santa Catarina, menos mal. E nem foi preciso esperar ele morrer para que tal homenagem acontecesse, ao contrário do que se fez com Ildo Lobo e o Palácio da Cultura que, a título póstumo, lhe foi confiado. Nunca é demais dizê-lo, que nos lembremos dos vivos, daqueles que tanto deram ao pais e que, por alguma razão, hoje passam por dificuldades. Na área da cultura os exemplos são mais do que muitos, num ano em que as perdas foram irreparáveis.

9. É esse, pois o meu apelo, neste final de 2010. Amem mais. Vivam mais. Sejam mais generosos e mais humildes. Isto pode vos parecer conversa de padre de freguesia, mas num ano em que tive a fantástica oportunidade de me cruzar com grandes mestres do saber na minha área de eleição, concluo que só tenho dois caminhos possíveis, no que à minha suposta e badalada vocação diz respeito: ou tenho consciência da minha infinita pequenez, do quanto tenho e preciso ainda de aprender ou acabarei a definhar no usufruto de uma suposta carreira de sucesso que não significará nada se não conseguir alcançar aquilo que Saramago mostra ser possível de forma tão espantosamente frágil e honesta neste filme assombroso: trabalhar sempre e amar melhor, a cada dia que passa. Subir a montanha e sorrir para os outros e para o mundo.


E para o Café Margoso, o blogue cabo-verdiano do ano foi o 


Blogue de Rony Moreira (aqui)








«Apesar do Governo não ter decretado feriado nacional quando morreste; apesar de a CMSV insistir em não te homenagear; apesar da Zau insistir em dar a uma praça da cidade o nome de um Luís qualquer de Portugal; apesar de não haver uma rua com o teu nome no Mindelo que tanto amaste; apesar de não haver um busto teu na ilha onde nasceste, nós não te esquecemos no sopro do teu clarinete que por estes dias invadem as nossas vidas, na saudade, no aperto no coração sempre que ouvimos BOAS FESTAS. Mas também na alegria do teu sorriso eterno, nos milhares de abraços apertados ao som do teu clarinete. Ha! Da crioula linda no peito ao som de um bolero ou de uma cumbia. Não te esqueceremos, nunca… So mas um solim, Luis?»

Eduíno Santos - Jornalista


Comentário: o som do clarinete de Luis Morais nos últimos dias do ano fazem tão parte da paisagem sonora da realidade cabo-verdiana que estas músicas desaparecerem subitamente do nosso quotidiano seria tão espantoso como se, de repente, deixássemos de ouvir as ondas do mar no arquipélago. O Luís Morais foi um homem que deixou marcas profundas como músico e foi o primeiro professor de música de gerações de cabo-verdianos. Raro é o mindelense que não tenha uma história relacionada ou sobre o Luís Morais. Aquela que mais me marcou - além do facto de ele sempre que me encontrava nas ruas da cidade me dizer, meio a sério meio a brincar, que um dia haveria de me oferecer um clarinete, tivesse eu tempo e paciência para aprender a tocar o instrumento - foi um concerto que ele deu num dos momentos musicais de uma das edições do festival Mindelact, onde no pátio do Centro Cultural do Mindelo fez o seu célebre número de ir desmontando, peça por peça, o seu inseparável clarinete sem nunca parar de o tocar. Luís Morais deixa muitas saudades, mas nesta altura do ano está mais presente do que nunca.



Café dedicado às falas mais marcantes da história do cinema. Comentários sobre memórias do filme, onde foi visto, com quem e o que este trouxe às vossas vidas. Quem aceita o desafio?




"Dadinho é o caralho,
meu nome agora é Zé Pequeno porra!"


[Fala do filme A Cidade de Deus, dita pela personagem Zé Pequeno, interpretada por Leandro Firmino, naquela que foi, à época, a sua primeira experiência como actor.]






Caem pensamentos de amor dentro de vulcões extintos?*

À melhor resposta, ofereço um café




*[pergunta retirada do Livro das Perguntas, de Pablo Neruda]






Não conhecia este livro maravilhoso, pleno da mais pura e bela poesia, "Livro das Perguntas" de Pablo Neruda, com ilustrações de Isidro Ferrer. É uma obra que constitui uma experiência única dentro do panorama de todas as obras do grande poeta. Composto de 74 poemas curtos em forma de perguntas, sem título, é imbuído de um finíssimo humor metafísico que se aproxima da filosofia oriental. O poeta preocupa-se em propor incessantes questões - sobre animais, sobre ele próprio, sobre o transcorrer da vida - e convida o leitor a respondê-las ou, pelos menos, a reflectir sobre elas. Isso sem abrir mão de um magistral domínio da linguagem.

As próximas Perguntas Cafeanas serão inspiradas directamente neste livro magnifico. Um livro que não se lê, mas que nos acompanha, todos os dias.








Maravilhosas fotografia de Baluka Brasão (fonte: aqui)







Norberto Tavares
(1956 - 2010)

“Se ver as portas franqueadas pelos produtores deverá custar a perda da minha identidade e liberdade de criação prefiro mil vezes deixar as minhas composições na gaveta.”




E pronto. Para quem liga para estas coisas, cá vai: Feliz Natal, com muitas margozices!








Suzano Costa, politólogo, jovem quadro cabo-verdiano residente em Lisboa e principal dinamizador do grupo Tertúlia Crioula deu uma entrevista ao jornal A Nação da qual deixo aqui registado os "momentos" mais interessantes. Gostei do que li.

«Paira entre esta geração uma preguiça intelectual gritante, um espírito absurdamente acrítico, o facilitismo, a não valorização do trabalho árduo, a ausência total de compromisso, disciplina e espírito de sacrifício ancorado nos valores da ética e da meritocracia.»

«O caminho passará necessariamente pela participação dos jovens em iniciativas que estimulem o espírito crítico e fomentem a cidadania activa por forma a edificarmos um novo paradigma de acção e lideranças transformacionais susceptíveis de conduzir o arquipélago a novos patamares de desenvolvimento.»

«A extrema bipartidarização da sociedade cabo-verdiana reproduz-se mimeticamente na nossa juventude e estes funcionam, por vezes, como caixas de ressonância dos dois partidos hegemónicos que até agora dominam o espectro político-ideológico nacional.»<

«A postura da esmagadora maioria dos jovens não difere dos “dinaussauros” da política cabo-verdiana porque existem interesses instalados e lógicas particularistas de reprodução endogâmica da classe dirigente.»

«A sociedade cabo-verdiana é extremamente partidarizada e politicamente bipolarizada, havendo uma cultura bastante clubística em relação aos partidos, um carneirismo partidário e uma cegueira política que enviesa a analítica da actualidade.»

«As posições extremadas veiculadas por muitos jovens nos debates que promovo estão, em larga medida, ancoradas no ideário político dos partidos dominantes mas também obedecem a lógicas de instrumentalização e arregimentação política estimuladas pelos partidos políticos que pretendem, tão somente, maximizar o universo do seu eleitorado e alargar as suas estruturas de oportunidade política.»

«Nós os cabo-verdianos lidamos muito mal com a crítica e, não raras vezes, confundimos a crítica construtiva, interpelada e fundamentada com o ‘falar mal’ de que somos especialistas.»

«Como sabe, esse deficit de discussão e debate público é cada vez mais gritante por culpa manifesta da comunicação social, da elite política e dos partidos políticos porque a discussão e a reflexão expõe a nu as fragilidades do poder e da classe dirigente.»

«O maior desafio futuro que se coloca às novas gerações de cabo-verdianos é pensarem pelas suas próprias cabeças e agirem em conformidade com os seus ideais e o bem comum. Isto implicaria, necessariamente, ter espírito crítico, ser empreendedor por vocação, não ir a reboque da cegueira política, do carneirismo partidário e não subscrever a forma clubística, fanática e excludente como que se vivencia o político em Cabo Verde.»

«Desculpe a generalização abusiva, inquinada e, quiçá, descontextualizada mas a esmagadora maioria dos quadros cabo-verdianos em formação não está preparada. Existe, sim, uma minoria extremamente qualificada que assumirá as despesas no futuro, pagará as facturas e “carregará o piano”.»







        São feitas de lágrimas e de sangue e ainda de outras coisas. O coração bate à esquerda. 
          Umberto Saba, in "Poesia" (fotografia de Storm Thorgerson)




    O espírito critico é o melhor viagra mental que existe?

    À melhor resposta, ofereço um café






    Nos últimos meses aqui em Lisboa tenho tido a oportunidade de me cruzar várias vezes com a comunidade universitária cabo-verdiana. Nalguns debates promovidos - quase todos eles graças à fantástica dinâmica do grupo da Tertúlia Crioula, algo que seria vital reproduzir em território nacional - fiquei agradavelmente surpreendido com as intervenções do Rony Moreira, cujos textos no seu blogue Geração 20.j.73 aprecio bastante. 

    No último encontro de José Maria Neves com universitários na capital portuguesa, Rony Moreira foi autor duma das interpelações mais originais da iniciativa, cujo teor não resisto em relatar aqui, de memória. O jovem recordou uma história que lhe acontecia quando chegava em casa: a mãe lhe pedia para que dissesse o que tinha feito de bom durante o dia ao que a criança respondia sem problemas. Fiz isto e aquilo, respondia orgulhoso. Depois, a mãe lhe dizia: agora fala o que fizeste de mal durante esse mesmo período. Era muito mais difícil.  Como admitir assim, do pé para a mão, os próprios pecados? Até no sagrado segredo do confessionário é complicado...

    Pois bem, usando esta história, Rony Moreira voltou-se para José Maria Neves e perguntou-lhe: «senhor Primeiro-Ministro, já ouvimos muitas vezes o que o senhor acha que o seu governo fez de bom para o país. Agora eu gostaria de ouvir o que o senhor pensa que fez de mal e poderia ter feito melhor. Porque é muito mais difícil admitir os próprios pecados do que amplificar as nossas virtudes."

    A resposta foi curiosa: "penso que na área da Cultura poderíamos ter feito um pouco mais." Lembrei-me imediatamente do Primeiro-Ministro português José Sócrates, que usou a mesma frase há uns meses atrás. Não me parece, em última análise, que a colocação da pasta da Cultura no mesmo ministério responsável pelo Ensino Superior tenha contribuído para melhorar esta performance e a verdade é que nesta área o vazio de ideias continua constrangedor. Umas das medidas imediatas da nova ministra foi a alteração do estado de coisas no Palácio da Cultura Ildo Lobo, na cidade da Praia, e os resultados foram visíveis e imediatos. O que vem comprovar que, se calhar, fazer mais e melhor, não será assim tão complicado. Ou é?






    Recebi de um cliente aqui do Margoso o seguinte comentário:

    «Amigo João Branco, sabias que um estatuto, um hábito custa muito a adquirir... vir aqui ao teu espaço tornou-se uma espécie de hábito diário! Porque tens abandonado o Café Margoso mas actualizas a tua página no facebook? Sabias que os hábitos também se perdem, de tanto vir aqui e não encontrar nada muitos vão apagar o seu link o que é um pena! Estás a silenciar a tua voz porque vem aí as eleições e estás comprometido com pude ver na última tertúlia com o JMN em Lisboa? É a nova paixão a falar mais alto! Fodas, a blogosfera crioula está uma merda e em boa parte a culpa é do margoso que já não tem tesão para motivar os outros! Se for o caso toma viagra.

    MC»

    Comentário Margoso: tens razão, caro amigo, na consequência mas não no facto que o provoca. Era só o que faltava ter essa preocupação de me amordaçar por alguma razão mais escusa. A verdade, como alguns mais atentos saberão, é que a formação académica em que estou envolvido ocupa quase todo o tempo que antes tinha para dedicar a este espaço e, sendo assim, a dinâmica do Café Margoso acabou por levar por tabela. Este foi um ano sabático, digamos assim. Escrever uma frase ou um recado no Facebook não tem rigorosamente nada a ver com o espírito que sempre reinou aqui neste blogue e portanto, não me parece que as coisas sejam comparáveis. Mas não vejam fantasmas onde eles não existem. Este tipo de raciocínio não deixa de ser fruto de uma extrema radicalização e partidarização da sociedade cabo-verdiana que urge combater, principalmente entre os mais jovens, para que este deixem de ser meras caixas de ressonância dos discursos oficiais dos dois maiores partidos cabo-verdianos. Leiam, assim que puderem, a entrevista que o Suzano Costa deu ao jornal a Nação e que será publicada nesta 5^feira. (Para quem não poder, tenciono publicar esta entrevista aqui no Margoso, na próxima semana.)

    A minha liberdade e o meu espírito crítico nunca estarão à venda.

    Fica aqui a promessa, desde já, de no próximo ano de 2011, o Café Margoso voltar com a dinâmica a que habituou os seus mais fieis seguidores.


    Abraço a todos e votos de boas festas




    Carlos Pinto Coelho
    (1944 - 2010)

    Morreu o senhor "Acontece". O jornalismo cultural ficou mais forte depois de tudo o que ele fez pela Arte.




    Cortesia do Jumento






    Ficar "invisível" nos chat's é uma espécie de desonestidade?

    À melhor resposta, ofereço um café






    «Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?»

    Miguel Esteves Cardoso - escritor




    «Pergunto-me se a Wikileaks, na verdade compromete a segurança dos estados, ou a integridade dos estados. Cada vez mais me convenço que os estados, o nosso incluído, são corporações que servem interesses de outras corporações. Muitas das questões de segurança, de que se falam, têm como conclusão de fundo o interesse de alguma grande grande empresa ou país. Revelar estes temas, é o desmascarar do que de facto move os interesses desses politícos, aos biliões de cidadãos.Não defende interesses nacionais ou humatários, defende-se o interesse da economia, como se a economia não deve-se servir as pessoas e não o contrário. Vivemos camuflados por esta falsa democracia - votamos no preto escuro ou no preto claro, e achamos que temos escolha, mas pior, damos a quem escolhemos a noção que a responsabilidade das suas acções é nossa porque os colocamos lá. E assim somos livres! Mas o pior é que manipulam a nossa opinião. As agências de noticias são controladas por empresas que têm interesses, e servem-se a si mesmas, contornando a verdade em prole de si. Neste caso wikileaks manipulam de uma forma tão mal construida que ofende a inteligência de quem tem 2 dedos de testa. Gostava que o meu filho fosse criado num mundo melhor.»

    Sérgio Grilo - actor




    Eu, que nunca achei muita piada ao Natal (principalmente, desde que ele se transformou numa data dominada pelo consumismo), e que muito raramente publico vídeos aqui no Café Margoso, não resiste em publicar este trabalho, absolutamente genial, sobre o Natal e os novos tempos. Muito me diverti com ele, e espero que aconteça o mesmo convosco. Afinal de contas, uma boa gargalhada nunca fez mal a ninguém. Antes pelo contrário.





    Abraço natalício a todos.






    «O amor livre é uma contradição nos termos, que por antecipação mata o amor e por consequência compromete a liberdade.»

    Frase lida aqui (fotografia de martien mulder) 






    «Essa foi a coisa mais importante que me aconteceu na vida... A leitura convertia o sonho em vida e a vida em sonho. (...) Seríamos piores do que somos sem os bons livros que lemos, mais conformistas, menos insubmissos e o espírito crítico, motor do progresso, nem sequer existiria» (...) ler é protestar pelas insuficiências da vida.»

    Mário Vargas Llosa - Prémio Nobel da Literatura




    A ideia de Eric Cantona, ex-futebolista francês que ficou conhecido tanto pelas suas qualidades como jogador como pela indisciplina e agressividade, para paralisar o sistema financeiro é interessante, mas terá seguidores? Este defendeu numa entrevista a um jornal regional francês que são precisas formas de contestação alternativas às greves e às manifestações e que é necessário que se faça "uma verdadeira revolução".

    Como? Ele explica:

    "Não peguemos em armas para matar pessoas e começar uma revolução. Nos dias de hoje, é muito fácil fazer uma revolução. O sistema assenta no poder dos bancos, por isso tem de ser destruído através dos bancos",ou seja, o seu conceito de revolução é simples: "Em vez de irmos para as ruas, conduzir durante quilómetros, basta ir ao banco e levantar o dinheiro. Se houver muita gente a fazer levantamentos, o sistema colapsa. Sem armas, sem sangue."

    O maior problema desta ideia "revolucionária" reside no facto de a maioria das pessoas que estão tão revoltadas contra o sistema vigente que pudessem aderir a tão radical tomada de posição, provavelmente, não tem hoje nenhum dinheiro no banco para retirar. Essas sim, estão em colapso há muito tempo. E ao contrário do que aconteceu com o sistema financeiro, não há governo que os acuda.






    Para quem está em Lisboa... E isto em Cabo Verde, seria bom, não? Maijina...



    Ver vídeo de apresentação, aqui





    «Não há melhor negócio do que prometer potência e resistência sexual...  esperar que o efeito placebo faça o seu trabalho. O desejo de fomentar a dimensão erótica é tão antigo como o ser humano: os chineses consideravam o corno de rinoceronte o afrodisíaco perfeito, enquanto os romanos o encontravam nos beiços do hipopótamo ou nos olhos das hienas. À procura de imaginários potenciadores da libido, como o pénis de tigre, baseia-se no conceito antropológico da "magia simpática", isto é, a crença de que as coisas similares exercem efeitos similares dado que o homem vê o rinoceronte e o tigre como fortes e viris, acredita que, ao consumir certas partes anatómicas, herdará a sua virilidade.»

    Adriana Williams in Porque nos deixamos enganar?


    Margosice: o que será que os crioulos vêm nas tartarugas, tendo em conta o sucesso do grogue de pixim das ditas cujas? Responda quem souber!



    Pintura de Louise Peabody - absence (2008)





    Qual a verdadeira diferença entre um veneno e um remédio?

    À melhor resposta, ofereço um café











    Conversa com o fotógrafo Jorge Joe Martins, que se tem destacado no meio pela sua imensa paixão pela recolha de imagens antigas, possuindo hoje em dia um espólio de fazer inveja e que reflecte, através das fotografias, muito da história deste nosso pais. O que fazer com ele, esta é a grande questão do momento.


    Como é que te vês enquanto fotógrafo? Qual é o teu processo de criação na fotografia?

    Jorge Joe Martins: No meu caso é uma coisa que surge muito de uma forma intuitiva. Eu comecei na fotografia muito cedo, sempre tive essa paixão, desde miúdo. Comecei por brincar com umas máquinas pequenas, tirava as fotografias e depois abria aquilo que ver o que é que lá estava e claro, queimava o filme todo. Foi preciso o Djibla me explicar que a revelação era com ele. Eu só tinha que carregar no botão! Depois quando cheguei a Portugal, comecei a estudar, fui para a Universidade e nessa altura comecei a praticar um pouco mais. Acabei por ir parar a um estúdio de fotografia industrial e publicitária, como assistente. Era um local onde a fotografia era encarada de um ponto de vista estritamente técnico, ou quase. Reproduzes o que uma agência de publicidade te dá como tarefa e entregas-lhe o produto na mão. Aprendi muito lá. As bases.

    E como se passa do campo da técnica para a arte?

    ‪‪A técnica é pura. Ou sabes ou não sabes. Considero que podes ser um bom fotógrafo sem conhecer bem a técnica. Basta lembrar que hoje em dia a maior parte dos fotógrafos nem imprime nem revela. E a fotografia digital não vem mudar isso, ao contrário do que se possa pensar. Antigamente fotografavas, revelavas e imprimias. Agora, fotografas, não tens a revelação química mas tens todo o trabalho de produção em computador. E se não dominas as ferramentas que o computador tem não consegues fazer um bom trabalho.

    És uma pessoa que acompanha de muito perto o que se passa em Cabo Verde, nomeadamente nessa tua área de eleição, como é que tu vês o panorama da fotografia, hoje em dia, no arquipélago?

    A minha percepção dessa realidade não é muito clara. Mas penso que tenho uma ideia de como as coisas se processam: em Cabo Verde, há fotógrafos que exercem a profissão que passa basicamente pela chamada fotografia social, e que são aqueles que fazem as fotografias para os documentos, casamentos, baptizados e eventos. Há algumas figuras que estão a aparecer e que encaram a fotografia como um produto de criação artística. Depois há muita coisa onde se vê alguma deficiência técnica, porque lá está, tem-se aquela ideia de que com o digital toda a gente pode fazer fotografia artística sem qualquer preparação. E isso está longe de corresponder à verdade.

    E o aproveitamento, recuperação, arquivamento, catalogação das muitas imagens antigas que existem por aí, que sei que tem sido uma das tuas maiores preocupações?

    Eu comecei a preocupar-me com isso há mais de vinte anos, porque via sistematicamente a Foto Melo fechada. Fechou e nunca mais abriu. E foi uma casa que, para começar, já era centenária quando encerrou. Tinha um percurso fotográfico invejável, com um espólio assombroso. E isso associado a outros fotógrafos como o José Vitória, por exemplo.

    Todo o teu arquivo pessoal de imagens relacionadas com Cabo Verde que foste acumulando durante esse tempo, corresponde hoje a quantas fotografias antigas recuperadas?

    Do projecto de recuperação do património fotográfico, devo ter cerca de mil e quinhentas imagens antigas. Além de todos os outros documentos que tenho, jornais, revistas e outros.

    Já houve propostas ou projectos concretos para a utilização dessas imagens, para que nós que estamos fora desses ambientes dos arquivos, as possamos conhecer também? É público que tens feito alguma divulgação utilizando as redes sociais da Internet mas há algo mais substancial previsto? Um livro, a entrega do espólio a alguma instituição pública como o Arquivo Histórico Nacional, por exemplo?

    Houve um projecto que foi oferecido à Câmara Municipal do Mindelo e que foi completamente boicotado.

    Que projecto era esse?

    Passava pela recuperação desse enorme espólio dos fotógrafos do Mindelo através de uma requisição da própria instituição Câmara junto dos vários herdeiros, não para posse da Câmara, mas para recuperar essas imagens da cidade e colocar uma importante mostra à disposição das pessoas, locais e habitantes. E é um projecto que se poderia muito bem estender a todas as ilhas, porque em todas as ilhas há uma história contada pelas fotografias que nelas são tiradas.

    E esse material seleccionado seria apresentado em livro e em forma de exposição?

    Nesse projecto em concreto estava prevista a edição de um livro e ainda a edição de um DVD. E depois juntar historiadores e sociólogos, para analisar essas imagens e potenciar toda a informação que elas contêm. Por exemplo, publiquei na Internet há algum tempo uma imagem que provocou alguma celeuma: era uma fotografia de um orfanato, vulgar, de muito má qualidade técnica mesmo para a época, só que adquire uma outra dimensão porque nela estava uma menina chamada Cesária Évora. Assim como fotografias do Liceu Gil Eanes onde podemos ver o Amílcar Cabral, Baltasar Lopes ou Aurélio Gonçalves, que por terem estas importantes figuras da nossa história, adquirem uma importância redobrada.

    E que importância achas que tem sido dada todo esse teu trabalho? Tens sentido algum interesse especial das autoridades, locais ou centrais, por exemplo?

    A responsabilidade é de todos. Há uma responsabilidade politica, como é lógico, porque quem está no poder tem essa obrigação de preservação do nosso património. Parte desse meu espólio originou, primeiro, uma exposição que esteve em S. Vicente. Depois, a Embaixada de Cabo Verde em Lisboa, nas comemorações do centenário dos claridosos, promoveu uma segunda mostra, que esteve numa das melhores galerias da cidade, na Praça do Município. Na época, o Ministro da Cultura ainda manifestou a vontade de ter essa exposição no encerramento do congresso dos claridosos mas o convite nunca apareceu. Também o Presidente da Assembleia Nacional, que visitou a exposição em Lisboa, manifestou o mesmo interesse, de levar a mostra para Cabo Verde. E a resposta era sempre a mesma: que fizessem o convite que eu estaria disposto a montar a exposição lá onde ela fosse solicitada. Mas tudo isso tem custos, não é? Toda a recolha do espólio tem sido feita por paixão, nunca para ganhar dinheiro, e o que eu mais queria era que todo esse material pudesse ser transformado num bem público.

    Para quando uma história da fotografia cabo-verdiana?

    Não sei. A verdade é que por vezes tenho a sensação que estamos a trabalhar para o boneco. As pessoas pura e simplesmente esquecem-se da importância da utilização deste material como ferramenta da educação, da promoção do pais e da preservação da sua história. Há muita coisa que existe sobre a história de Cabo Verde que está ao Deus dará.


    Publicado no jornal A Nação