Para o pessoal que anda muito preocupado com o meu stress, ou a salvação da minha alma, aqui fica a mensagem de que está tudo numa boa, tud kool tud nice, a gerência agradece a vossa preocupação, são coisas normais num evento que teve mais de 40 espectáculos em 11 dias. Isto sai-nos da pele, acreditem. Mas no final, vale sempre a pena. Sempre.

De resto, o pessoal da Praia que apareça hoje e amanhã cedo, porque só haverá 30 vagas para cada apresentação da peça «Os Amantes», do Grupo de Teatro do CCP - IC. No Instituto de Língua Portuguesa, hoje às 18:30 e 21:00 horas. Amanhã, apenas às 21:00 horas.

Ah, e mais uma vez se avisa que não publicamos comentários anónimos. Por agora, que ando numa fase de tolerância zero. Portanto, no stress e um abraço a todos. Até porque a Arte Cénica existe para nos fazer melhores seres humanos.

Foto de Nuno Andrade Ferreira







Tenho recebido várias mensagens de protesto, algumas mais desaforadas que outras, sobre a não actualização do Café Margoso em pleno festival Mindelact 2010. Tem toda a razão quem assim protesta e, com o pouco tempo que me resta, aqui ficam algumas impressões digitais da presente edição do festival Mindelact 2010.

1. Leo Bassi e as suas utopias, num espectáculo realizado depois dele e da mulher terem sido assaltados nas ruas do Mindelo, algo a que o radar mais conhecido do país achou muita piada. O espectáculo termina com um grito de revolta em plena rua do Mindelo, mas dúvido que alguém tenha pensado um pouco mais no que podia representar esse grito colectivo. A utopia casa bem com este festival, mas cada vez menos com a cidade que o acolhe.

2. Void e Clara Andermatt: um hino à cabo-verdianidade, como já li num jornal. Um momento grande desta edição feito de grandes momentos sobre a(s) vida(s) dos crioulos em terra estrangeira. Já disse e repito, é um trabalho feito com alma, com um espírito que se encontra hoje mais facilmente nos emigrantes do que nos residentes. A poesia do arquipélago torna-se mais premente quando nos falta este chão. 

3. Os Amantes, e a re-escrita de um crioulo que (ainda) não existe. A peça teve tanto de trabalho de mesa e de tradução como de encenação directa com os actores. Ao todo, um ano de trabalho. Um sotão velho a cheirar a mofo e a caca de pombo. Uma necessidade de procurar outros palcos, outras formas, outras dramaturgias. Uma peça que não tem medo. Nem sequer de errar. Ou desagradar. Uma peça que evoca e promove momentos de um silêncio espantado, como há muito não via no teatro em Cabo Verde.

4. Julio Adrião e uma das mais espantosas lições de interpretação de que há memória nos palcos deste festival. Com A Descoberta das Américas somos confrontados, mais uma vez, com a natureza pura da arte cénica. Feita de carne humana. E um espaço vazio. E uma história que comunica e nos faz sentir como parte do todo. Uma lição, esta sim, uma lição que os agentes crioulos deveriam gravar com atenção e urgência.

5. O experimentalismo do Elinga, o grupo angolano de Mena Abrantes, que não pára de surpreender dentro daquilo que é a identidade desta importante companhia de Luanda. Que nos mostra, e ainda bem que vem de onde vem, que ao teatro africano se lhe pode dar o direito de ser contemporâneo sem ter logo que ser tachado de emitação de teatro europeu, como tantas vezes se gosta de dizer por aí.

6. As malas com os figurinos e adereços do grupo espanhol ficaram na Praia, por negligência do próprio Ylanna e o trabalho, energia e vontades acumuladas para desbloquear a situação, por parte de múltiplas entidades foram tantas (incluindo da Cooperação Espanhola, que foi decisiva neste caso), que se perdeu um pouco o prazer de reconhecer a extraordinária capacidade criativa dos seus integrantes. Que chegaram no próprio dia, atrasaram a montagem 45 minutos (algo inédito) e regressaram no dia seguinte, por terem muitos outros compromissos. Estiveram num festival de teatro em Cabo Verde, mas nunca aterraram no Mindelact. 

7. Chuva, sol cascado, chuva, sol cascado. Stress porque peças do Festival Off tem que mudar de lugar. Generosidades, como as do Enano, do Miguel Pinheiro, da Verónica, do pessoal da  Craquinha. É preciso muito atrevimento para fazer um festival como este. Assim como é preciso muito atrevimento para vestir esta camisola, mesmo que para alguns seja apenas mais uma camisola. Degradação? Não sei, pode ser. Mas é da matéria orgânica originária da podridão que as naturezas se renovam.  E por falar em podridão, a má-língua do Mindelo, que não o espirito crítico, faz parte disto, como sempre fez. Já não mói.

8. Um buraco no lugar onde estava uma casa centenária, mesmo ali ao lado do Saudade, onde todos comem e quase todos dormem. Um outro grande buraco, esse provocado não pela acção humana, mas pela natureza, que leva uns bem-aventurados apoiar uma finlandesa fina e branca como cera a realizar uma performance dentro de um vulcão. Gente com coragem, esta. O Mindelact não existe? Deixem-me rir. Quem assim fala é que já sumiu do mapa e é pena. Dar o braço a torcer pode sempre ser uma virtude.

9. A extenção na Praia provocou discussão, bocas, azedumes, apoios, palavras de incentivo, um pouco de tudo. Só por isso já valeu a pena. O mais importante é que está sendo feita graças a duas instituições que pegaram nesta ideia e transformam uma aventura em realidade. Para mim é, também, o Mindelo a dar o exemplo. De que se pode e deve parttilhar. Quem sabe se num próximo festival de Jazz se lembrem de trazer alguma coisa a S. Vicente. O país é múltiplo mas também é uno.

10. Como vai terminar? Em festa, espera-se. Com salas esgotadas, com invasão de crianças com aconteceu no primeiro fim de semana da programação Teatrolândia. Com partilhas, com brindes, com trocas furtivas de quartos de hotel, com teatro de rua, com o António Santos dando-nos mais uma lição de quietude e o António Simão, dos Artistas Unidos, de interpretação. A qualidade é garantida. Aprende-se muito por aqui.

11. Lamento informar os abutres da desgraça que o festival mindelact está vivo e recomenda-se. Que se renova a cada ano. Se ultrapassa. Que erra e vive bem com isso. Que sente de forma decisiva o carinho de uma cidade e de um país. Que tem perfeita consciência que no dia em que deixar de existir, lhe será dado o real valor e se terá consciência do que este evento representa. Como simbolo. Como atitude activa perante o risco. Como espaço de partilha e de afectos. Um enterro digno é coisa garantida, com elogios e palavras de circuntância.

Voltarei, dentro de poucos dias, com mais marcas deste festival. Feito, isso sim e também, de sofrimento, suor, muitas dores, gritos, abraços, beijos, palmadas na cara, reis e imperadores, pés no chão, crianças e velhos, dentro e fora, no centro e nas periferias, de lágrimas, de cerveja, de rumores, de rancores, de água e lama, de cadeiras coloridas e cenários de devastação. Uma festa única. O resto é digestão.



Mindelo, 24 de Setembro de 2010

(Fotografia de Nuno Andrade Ferreira)





O Espírito Mindelact

1. Há alguns anos, um amigo que nos visitou em Setembro para tentar entender o que era isto do festival mindelact, perguntava-me: «como é que vocês conseguem? Que família é esta e o que é que vos move?». Não consegui ter ali uma resposta, à mão de semear, para lhe oferecer. Mas cada vez mais penso que, embora possa haver algum misterioso denominador comum, o que move cada uma das muitas pessoas que participa, directa ou indirectamente, neste festival internacional de teatro, varia bastante e se alguns estão ali pelo teatro, outros estarão pelo convívio, outros pela partilha, outros pelos ensinamentos, outros pela sensação de se estar a participar na construção de uma grande obra colectiva, outros finalmente, por uma mistura de duas ou outras destas motivações parcelares.

2. Quando uma pessoa como Daniel Monteiro trabalha que nem um louco para o festival mindelact sem ser um grande amante do teatro, a gente questiona-se. O que move o director de produção do maior evento teatral do país? O Daniel é daquelas pessoas capaz de mover o mundo inteiro para encontrar uma cadeira especial que é indispensável para um determinado espectáculo e no entanto, na hora da apresentação do mesmo, raramente se senta para apreciar o resultado final. Para ele, o bom resultado, aquele que realmente interessa, é a satisfação dos responsáveis de cada grupo, que todos tenham as melhores condições possíveis na montagem das suas peças, porque quando mais satisfeitos estes tiverem, maior a probabilidade de termos uma boa apresentação. E com ela, um público satisfeito.

3. Quando os dois mais brilhantes técnicos de iluminação de espectáculos deste país, César Fortes e Anselmo Fortes, que tem o mesmo apelido mas são apenas da mesma família teatral, dão o sangue para garantir que as dezenas de peças do evento tenham as melhores condições técnicas possíveis, nós nos questionamos. O César, com uma capacidade de trabalho notável, investiu o que ganhou montando uma empresa de iluminação em Cabo Verde de grande gabarito, que é hoje parceira fundamental do festival. A empresa Faísca, nasceu deste húmus teatral de S. Vicente e eles não se esquecem disso. Não se esquecem. Nesse sentido, sempre estão presentes. Mais do que isso, eles fazem parte.

4. Quando os membros dos grupos de teatro nacionais gastam o pouco tempo livre que tem, mais a mais em pleno Verão, para ensaiar horas e horas seguidas, quando podiam estar a fazer outras coisas, entre as quais estar com a família, ler, ir à praia, ver televisão, descansar de um duro dia de trabalho, praticar desporto, entre muitas outras actividades possíveis e imaginárias, temos toda a legitimidade de nos questionar: porquê? O que motiva este homens e estas mulheres, a tantas horas de sacrifício? Os aplausos depois de uma hora e pouco de saudável confronto? E se corre mal? O que os faz correr? O que os faz investir tanto de cada um, para participar numa actividade onde não há dinheiro que pague ou valorize esse tremendo esforço? Poucos sabem responder, mas muitos sabem que querem estar. Viver o festival mindelact é um orgulho, dirão muitas destas pessoas. Orgulho porquê, para quê?


5. O que move grandes companhias internacionais para aceitarem participar neste festival em condições hoje consideradas inaceitáveis do ponto de vista da economia da cultura? Sem hotéis de luxo, nem grandes ementas ou cachet’s e muitas vezes sendo os próprios grupos a procurar apoio nos seus países de origem para conseguir o necessário para as passagens? O que faz esta gente aceitar vir, participar, dar do muito que tem, mostrar o seu trabalho, transmitir a sua experiência e conhecimento, apenas pelo prazer de estar, de partilhar, de conhecer outros iguais, de viver a experiência viva e única de participar nesta grande festa? O que os faz correr? Alguém sabe?

6. O que fez com que no passado, assim como hoje ainda acontece, o festival mindelact tenha sido apoiado, acarinhado e incentivado por responsáveis políticos de quadrantes opostos, num pais dominado pela luta fratricida entre dois grandes partidos? Parece uma questão menor, mas não é. Grande parte das maiores actividades culturais, nomeadamente os festivais de música, são organizados por câmaras municipais, e uma passagem por algumas entrevistas de Presidentes de Câmara aos jornais, facilmente induzem uma realidade de um país dividido a meio, entre o verde e o amarelo. O que faz com que este evento teatral, organizado fora destes círculos, tenha conseguido manter, mais do que a sua equidistância, a sua independência total, em relação aos diversos poderes políticos instalados?

7. O que faz com que um número significativo de homens e mulheres, jovens, crianças, pais e mães de família, se ofereçam para trabalhar que nem uns loucos durante onze dias em troca de uma camisola e um crachá, que ostentam de forma altiva e orgulhosa perante os cidadãos da cidade do Mindelo e seus convidados temporários, com a palavra mágica «organização»? O que justifica o suor, as marcas que o corpo guarda, as noites mal dormidas? A fome de teatro explica todo esse esforço? O que justifica o sorriso permanente nos lábios, a vontade de bem receber, a criatividade com que se resolvem os problemas mais bicudos?

8. Estas perguntas são pertinentes, muito pertinentes, nos dias que correm. Estamos na época do individualismo, do salve-se quem puder, do cada um por si e o resto que se lixe. Estamos na época em que se passam mais horas a conversar virtualmente do que olhando nos olhos do outro. Neste tempo em que nos vendemos por dá cá aquela palha, sempre com a desculpa, por vezes demagógica, de que precisamos colocar comida na nossa mesa, mesmo que na verdade o importante realmente seja ir para aquela festa badalada ou adquirir aquela roupa fashion que se viu na vitrina numa das boutiques da cidade. Continuo a achar que o segredo para todas estas questões se encontra no núcleo do que é o festival Mindelact e sempre foi: a própria natureza da arte cénica. O teatro é a arte que coloca o homem perante si próprio, sem desculpas ou omissões. É portanto, a mais humana das artes. E hoje, não tenho dúvidas disso, a mais necessária. E é daí que emana o tal espírito mindelact. 

Mindelo, Setembro de 2010 (foto de Marlon Fortes da peça Void de Companhia Clara Andermatt)






Mário Lúcio disse uma vez que Cabo Verde era um país surrealista, onde se podia ver uma cabra a comer os fios eléctricos na avenida contigua ao Palácio do Governo e com isso provocar um corte de luz e um colapso na máquina administrativa do Estado. Ora bem, neste momento, ouvir Júlio Iglésias e os ABBA a cantar em altos berros através dos altifalantes do mercado municipal, para delícia das vendedeiras de legumes, batatas, papaias, tomates e bananas, vem apenas confirmar o que as passeatas das vacas pelas ruas da capital nos dizem quase que diariamente: se Cabo Verde não existisse, teria que ser inventado!







44ª Produção do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português - IC. Adaptação livre em cabo-verdiano da peça Quartet de Heiner Muller que, por sua vez foi inspirado no romance epistolar de Choderlos de Laclos, As relações perigosas.

O dramaturgo afirmou uma vez que a peça Quartet é uma verdadeira comédia, um jogo sexual que mergulha de forma cínica na luta de classes, apresentando dois personagens ambíguos e intrigantes da Aristocracia Francesa: Merteuil e Valmont. A acção dramática oscila "entre um salão durante a época da Revolução Francesa e um Bunker após a 3ª Guerra Mundial", segundo escreve o autor na primeira e e mais significativa didascália da obra, já que nos indicia a sua clara imtemporalidade.

Os personagens da peça desdobram-se em quatro ou mais personagens, trocando de identidade e sexo numa brincadeira sem avisos. As sugestões cénicas são de forte cunho surrealista, com poucas didascálias, o que nos permite uma maior liberdade de criação. Assim, todo o espectáculo viverá do jogo entre dois universos paralelos, já que apesar da peça original ter apenas dois personagens, este espectáculo terá 2 actores e 1 actriz em cena, numa espécie de espelho cénico criado para confundir e baralhar os dados lançados pela situação criada.

Num ambiente extremamente intimista, uma linguagem crua, personagens em estado de decadência profunda em constante luta contra o tempo e a sua própria imagem no espelho, "Os Amantes" será um espectáculo que não deixará ninguém indiferente.

PALCO PRINCIPAL - dias 20 (às 21:30h), 21, 22, 23 e 24 (às 20:00h)
Armazém Columbim

EXTENSÃO PRAIA - dias 27 (às 19:00 e 21:00 h) e 28 (às 21:00 h)
Instituto Internacional de Língua Portuguesa (Palácio Cor de Rosa)







«Mayra Andrade vem, desta vez, cantar a Braga e, por isso, o Porto está outra vez contagiado pela luz morna que irradia dos cartazes que anunciam o espectáculo. O tom do anúncio é um pouco mais escuro do que é habitual, e Mayra tem no rosto um sorriso muito bonito e um pouco tímido, que parcialmente esconde com as mãos que tentam ocultar o rosto. Trata-se, pois, de um sorriso um pouco mais humano, como se Mayra quisesse, agora, apresentar-se como uma pessoa comum quando sabemos perfeitamente que ela não é deste mundo, que é como uma visão extraordinária ou um desses deuses gregos que, às vezes, por simples desfastio, desciam do Olimpo e se apresentavam diante dos mortais. Mayra Andrade é uma visão que canta.»

Jorge Marmelo (belíssima crónica, ler completa, aqui)






Se estivesse vivo, Caio Fernando Abreu faria hoje 62 anos. É fundamental conhecer mais e melhor a obra deste grande escritor.

«A vida tem caminhos estranhos, tortuosos às vezes difíceis: um simples gesto involuntário pode desencadear todo um processo. Sim, existir é incompreensível e excitante. As vezes que tentei morrer foi por não poder suportar a maravilha de estar vivo e de ter escolhido ser eu mesmo e fazer aquilo que eu gosto - mesmo que muitos não compreendam ou não aceitem.»

E o melhor conselho de Caio:

«Estás desempregado? Teu amor sumiu? Calma: sempre pode pintar uma jamanta na esquina.»

Bom domingo.







A Margarida Fontes, não sei se como leitora atenta se como jornalista (se é que se podem separar estas duas vertentes), escreve no seu blogue (aqui) não saber ou não entender a natureza das entrevistas que tenho vindo a realizar para o jornal A Nação com outros criadores nacionais, confessando não descortinar se as entrevistas são feitas estando eu «como jornalista ou como alguém que entende de cultura.» O debate é pertinente e Fontes incentiva que este seja feito no âmbito dos blogues. Pois muito bem: vamos a isso.

Em primeiro lugar, como escrevi num comentário ao post da jornalista, o enquadramento destas conversas está perfeitamente definido no início da rubrica Dôs, onde se pode ler: «Uma conversa quinzenal entre João Branco e um artista cabo-verdiano, em tom descontraído, sobre a arte, a vida e as nossas pequenas inquietações.» e foi pena a jornalista ter escamoteado esta parte. Naturalmente, não faço as entrevistas enquanto jornalista, não o sou e nunca me assumi como tal. Faço as entrevistas enquanto criador. Por isso o título «Dôs». Dois artistas, frente a frente, falando de cultura e de criação artística. Inclusive, eu até prefiro o termo «conversa» ao de «entrevista» e penso, modéstia à parte, que o conjunto destes depoimentos podem dar pistas interessantes a quem se interessa por estas coisas da cultura. Incluindo a jornalistas competentes como a Margarida.

Agora, foi pena que não se tivesse comentado aquilo que realmente interessaria comentar, do meu ponto de vista: não a pergunta feita, mas a resposta dada pelo artista plástico Alex Silva quando este questiona a falta de preparação e especialização na área do jornalismo cultural. em Cabo Verde, onde artistas nascem quase que por geração espontânea nas antenas das rádios, nos ecrãs de televisão ou nas páginas dos jornais Certamente que não é com uma disciplina no meio de um conjunto vasto de outras disciplinas duma licenciatura de jornalismo que alguém se vai especializar seja lá no que for.

Por outro lado, se o jornalista tem que estar minimamente preparado para ser, por exemplo, editor de um caderno de economia ou de desporto, não vejo porque não o tenha que ser no que diz respeito à vertente cultural. A especialização faz-se também, mas não só, nas universidades. Hoje o que não faltam são mestrados em Jornalismo Cultural. Com o processo de Bolonha em curso, o normal , parece-me, é que haja um tronco comum na licenciatura e que depois cada um siga para o ramo para o qual sente que está mais vocacionado. Como na medicina ou na advocacia, por exemplo. O importante, creio, nesta como noutras profissões, é que haja uma vontade permanente de aprender, de ser cada dia melhor naquilo que se faz e não ficar apenas a olhar por cima do ombro em defesa de interesses corporativos que muitas vezes escondem mais os problemas do que servem a classe que procuram proteger.






Segundo o blogue do Amílcar Tavares Cabo Verde está classificado no 117º lugar no ranking anual do Relatório de Competitividade Global 2010-2011 do World Economic Forum num total de 139 países estudados. Um índice baseado em 12 pilares de competitividade, formando um quadro detalhado do cenário de competitividade dos países em vários estágios de desenvolvimento.Não é famoso.

Por outro lado, soube-se que uma das mais importantes personalidades deste planeta, o Papa, desejarque Cabo Verde «continue no mesmo caminho na senda do desenvolvimento.» Ainda nesta semana, da boca do presidente do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), ficamos a saber que Cabo Verde é o único país africano de língua portuguesa (PALOP) onde a maioria dos Objectivos do Milénio serão cumpridos, faltando nos outros um combate mais real à pobreza.

O que é que tudo isto quer dizer? Que vivemos num país de contrastes? Isso já nós sabíamos. Por isso, mais uma vez, não entendo os discursos cada vez mais pró-Paraíso da situação ou pró-Inferno da oposição, com os quais conseguem, mais do que nos convencer seja do que for, que tenhamos grandes dificuldades em olhar para a política como uma actividade nobre e altruísta, para o povo e ao serviço do povo, como tanto nos querem convencer, uns e outros.

Sem deixar de reconhecer a importância de estudos e estatísticas, estou um bocado farto de índices deste tipo, que podem ser sempre comentados e analisados de diversos pontos de vista, conforme se veja a tabela de cima para baixo ou vice-versa, que é como quem diz, conforme as conveniências demagógicas de cada um. O que eu queria era que se conseguisse medir o quanto a alma e a poesia do povo se está a perder no meio deste lamaçal competitivo, onde o que mais se sente, é a falta de seriedade e criatividade dos dois lados da barricada.

Um mestre das artes cénicas com quem tive o prazer de trabalhar disse-me uma vez: o público não é estúpido, não o tomes por parvo, porque és capaz de te surpreender. Se me permitem, actores do nosso teatro político das belas ilhas de Cabo Verde, deixem-me extrapolar este conselho para o campo da actualidade e do debate político: o povo não é estúpido. Por cada dia que continuarem a radicalizar o vosso discurso entre o oásis e o deserto, maior será a probabilidade de ninguém vos levar a sério.






«Recortei uma frase e colei em frente à minha escrivaninha: "Se o homem não vem ao encontro do destino, será soterrado por ele". Et voilá! (...) Não se pode ser infeliz, não se pode morrer em vida, não se pode desistir de amar, de criar. Não se pode: é pecado, é proibido»

Csio Fernando Abreu








Nada como o cheiro da terra molhada, num dia que começa cheio de luz. Abençoada chuva!







Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.

De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.

Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.

Clarice Lispector






Não sei se é por acaso, mas não deve ser. Em época pré-eleitoral os caciques de um e do outro lado saem das tocas e fazem o seu trabalho de toupeiras virtuais, comentando sempre em nome do anonimato os desaforos de quem (ainda) tem a coragem de dar a cara para dizer o que pensa. Nunca tive problemas de dizer o que penso. Este é o blogue Café Margoso que pela primeira vez vai passar pelo crivo venenoso da má-língua eleitoral. Vai ser interessante, no mínimo.

Hoje de manhã, recebi duas mensagens, anónimas, claro, que publiquei porque dizem mais sobre quem as mandou do que sobre o seu destinatário. No mesmo texto em que se faz alusão ao triste episódio de violência policial, comprovado por testemunhas e nunca desmentido, em vez de se criticar o sucedido ou comentar, quem sabe, sobre as dificuldades de ser-se polícia em Cabo Verde, mesmo considerando os esforços e melhorias dos últimos anos, nada disso, parte-se para o discurso do vai-lá-prá-tua-terra. Um deles comenta, com notável diplomacia: «Andas agora (e sempre) a fazer politica, invés de te ocupares dos teus afazeres?». Como quem não quer a coisa, esta é daquelas mensagens claras do tipo, mete-te lá na tua vida, vai aos teus teatros e deixa estes assuntos para quem sabe! 

O outro, que até pode ser o mesmo (isto dos anónimos nunca se sabe) aconselha-me, com generosa complacência: «se queres fazer politica e revolução, vai para Portugal, que bem precisa de mudanças.» como se o facto de estar em Portugal, na China, ou no raio que me parta pudesse fazer qualquer diferença sobre o que se escreve ou deixa de escrever...

Sou apologista da paz, vivo o amor como poucos, adoro a minha arte, entrego-me de corpo e alma aquilo que penso ter herdado dos meus antepassados. Além disso, orgulho-me de ser filho de José Mário Branco, e pretendo continuar a ser digno desta herança. Quem conhece a vida e obra do músico sabe o que isto quer dizer: podem vir aqui com os vossos recados, sejam eles verdes ou amarelos, que isso não vai alterar a postura e o espírito do Café Margoso.

Os próximos tempos adivinham-se animados.







«Os cínicos e os moralistas concordam em colocar a volúpia do amor entre os prazeres ditos grosseiros, como o prazer de comer e de beber, declarando-a, contudo, menos indispensável do que aqueles, visto que eles podem perfeitamente prescindir dela. Do moralista tudo se espera, mas espanto-me que o cínico se tenha enganado. Admitamos que uns e outros receiem seus próprios demónios, seja porque lhes resistam, seja porque se lhes entreguem, esforçando-se por aviltar o prazer a fim de lhe tirar o poder quase terrível sob o qual sucumbem, e diminuir o estranho mistério no qual se sentem perdidos.»

Marguerite Yourcenar in "Memórias de Adriano" [Imagem de "La Dolce Vita", de Fellini]







Que o Festival Mindelact 2010 sirva também para isto...



Fonte: aqui







Um senhor que aparece em grande estilo num dos semanários do país, certamente um digno representante desta fenomenal nova geração de dirigentes políticos da(s) nossa(s) praça(s) e que, ao que parece, é Director Geral do Turismo, disse, no alto da sua imensa sabedoria e do baixo da sua notável humildade, que Cabo Verde ainda gatinha no turismo. Não tinha reparado. Ele deve saber do que fala. Mas tendo em conta o tempo passado desde que o turismo foi anunciado, com pompa e circunstância, como principal alavanca do desenvolvimento nacional, já não era mais que tempo de o gajo (o turismo, bem entendido) estar a andar pelos próprios pés? Digo eu, que até gosto deste género de frases de belo efeito.







O facto de Cabo Verde ter a maior fuga de cérebros de África é um sintoma do estado do país ou uma prova de bom senso dos seus respectivos donos (dos cérebros)?

À melhor resposta, ofereço um café











Artemísia absinthium

Uma das vantagens de ter um centro de produção artístico como este centro de documentação da Associação Mindelact, na parte superior de um mercado municipal, é este contacto visual arrebatador com as cores, texturas de dezenas de plantas e frutas. E os cheiros. Meu deus, os cheiros! Hoje, a propósito, aconteceu algo inusitado. Num intervalo, estava eu na varanda interna do mercado a tomar um fresco e sinto um cheiro poderoso. Poderoso mesmo. Soube depois o que tinha provocado tal sensação: um saco de losna tinha acabado de chegar ao mercado e sido despejado para preparar a sua venda. Quero esta planta abençoada nos meus ensaios, pensei. Dito e feito: já a tenho comigo.

Fui depois investigar. O abençoado Google nunca nos deixa ficar mal nestas situações. Que planta é essa? Primeiro, tem um nome científico deslumbrante: Artemísia absinthium. Uma planta medicinal também conhecida por bsinto, erva dos vermes, artemísia, sintro, alvina ou erva santa. O chá bem concentrado é bom para aliviar vermes. É disso mesmo que eu estava precisando, um chá para aliviar os vermes que por aqui andam a pairar, a tentar estragar-me os dias! Abençoada losna. Abençoada Artemísia, nome de mulher bem-amada!








A 16ª edição do festival internacional de teatro do mindelo - mindelact 2010, que deocrrerá entre 16 a 26 de Setembro, já está aí de vento em popa, na Internet.

O sítio oficial do mindelact é aqui
O Facebook do mindelact é aqui
O Twitter do mindelact é aqui


Em qualquer destes locais encontram muitas informações preciosas, incluindo o programa completo em formato PDF. Vem aí a grande festa do teatro!








Conversa com o artista plástico Alex da Silva, que depois de uma carreira na Holanda, resolver investir numa galeria de arte, a Zero Point Art, que é um oásis da cidade do Mindelo. Curiosamente, ou talvez não, o seu trabalho é muito mais reconhecido fora do que dentro do seu próprio país.

Aqui há tempos, houve um colega teu que veio a terreiro afirmar que Cabo Verde não tinha um pensamento voltado para a Arte. Foi logo trucidado, mas ao que parece o tempo veio dar-lhe uma certa razão. Do tempo que passaste por cá depois de tantos anos fora, qual é a tua percepção? Há um pensamento artístico sedimentado, em Cabo Verde?

Alex da Silva: Concordo plenamente com quem falou isso e elogio-lhe a coragem. Realmente, Cabo Verde não tem um pensamento voltado para a arte. Por uma razão muito simples: ainda não há no país trabalho suficiente que possa comprovar a existência desse tal pensamento. Da minha experiência pude concluir que em Cabo Verde não se aposta na cultura, e quando aparece alguém com uma aposta mais séria, as pessoas não aderem. Por outro lado, as pessoas mais cultas não tem poder económico para adquirir obras de arte. É paradoxal. Até porque sem esse poder económico não se pode adquirir obras, e dessa forma também não se pode estimular os artistas a investir e a pensar mais sobre a sua própria arte.

Mas como é que se resolve isso? Nós ficamos aqui a pensar no que é que terá surgido primeiro, se a galinha se ovo e não saímos do lugar. Na tua percepção o que é preciso começar a fazer para conseguir ultrapassar esse problema, que me parece ser sobretudo um problema de mentalidade, que são os mais difíceis de alterar...

Penso que na nossa geração esse problema não vai ser resolvido, para ser sincero. E perante a comunidade criativa considero que o mais importante é continuar a ter um espírito critico e trabalhar sempre. A única resposta que podemos dar enquanto artistas é trabalhando. É fornecendo material para que as gerações futuras possam ter elas algumas referências.

E existe, esse espírito crítico, dentro da própria comunidade artística?

Não, porque não há espírito colectivo. Há um forte individualismo, que acaba por estragar qualquer movimento artístico que possa estar a começar.

Dentro da área das artes plásticas, como é que se explica que a cidade do Mindelo não tenha ainda apostado na produção de uma grande bienal de artes plásticas, por exemplo? Porque é que isso nunca foi feito?

Em primeiro lugar porque não há artistas cabo-verdianos que o justifique, com percurso e material suficiente para mostrar. Além de que são poucos aqueles que se assumem verdadeiramente como artistas. Geralmente, têm outro trabalho paralelo e o processo criativo é considerado um hobby. Não é assumido. E falo por experiência própria, como galerista, onde fiz um levantamento dos pintores existentes e realmente, aqueles que tem trabalho podem ser contados pelos dedos de uma mão. Porque ter dez quadros não faz de ti um pintor ou um artista. Agora, em termos de espaço penso que Mindelo reúne todas as condições para concretizar uma bienal de arte. Um outro problema latente é o facto de ainda não temos uma economia cultural em Cabo Verde. Deveria haver uma intenção real a nível privado, político e governamental de estabelecer uma relação mais próxima com a cultura. A cultura, a economia, o património etc. deveriam ter uma ligação muito mais estreita. A relação entre o mundo empresarial e a cultura é um sintoma de desenvolvimento de um país. Essa relação provoca também uma dinâmica urbana e vivencial, tornando as cidades mais atractivas a vários níveis. Uma Bienal de arte no Mindelo tornaria a cidade mais atractiva e iria estimular um maior turismo cultural.

Costuma-se dizer que Cabo Verde é um lugar onde os artistas nascem com demasiada facilidade por via da comunicação social...

A comunicação social tem uma grande responsabilidade no actual estado de coisas. Não sabem diferenciar, não há especialização, acabam por gerar mal-entendidos. Vê-se um miúdo a tocar e temos a comunicação social a dizer que é dos melhores guitarristas de Cabo Verde. Não há pessoas formadas nessa área cultural. Especializadas nessa área. Um jornalista que muitas vezes está a entrevistar um jogador de futebol é o mesmo jornalista que vai entrevistar um artista. Acaba por ser natural que ele tenha as suas limitações.

Isso passa pela falta de formação em jornalismo cultural...

Exactamente. Ou seja, existem uma série de elementos que são importantes e não são considerados hoje. Não basta haver produção artística. Não basta que esta tenha qualidade. Tem que existir todo um acompanhamento. Na comunicação social tem que haver gente especializada. Tem que haver ao mesmo tempo curadores, tem que haver críticos, quer dizer, faltam todos estes elementos que poderiam contribuir para que pudesse haver em Cabo Verde um pensamento voltado para a arte.

O facto é que vistas as coisas, não temos nada disso. Nada. Há uma educação artística que se está a tentar implementar agora. Os primeiros licenciados de Educação Artística formados em Cabo Verde vão aparecer daqui a dois anos. Está uma reforma curricular em curso que contempla a existência da educação artística mas ninguém sabe ainda quais serão os professores capacitados para dar essas aulas. Se falarmos então ao nível de curadores, de jornalistas especializados ou critica artística, ainda estamos muito mais longe das necessidades que estás a referir. Por onde devemos começar? O que pensa uma pessoa como tu, que fez toda a sua formação e percurso artístico num país muito mais avançado a esse nível? Voltas ao teu pais, cheio de sonhos e de projectos e o que se passa na tua cabeça quando chegas aqui e dás de caras com esta realidade?

É um sentimento ambíguo. Tem o aspecto positivo e um outro negativo. No sentido positivo, dá para sentir que existe alguma preocupação com estas questões. Há sempre pessoas a tentar fazer alguma coisa. A tentar, pelo menos, que se acorde a sociedade para estas preocupações. Fiquei muito contente quando verifiquei que no M-EIA estava o Irineu Rocha a dar aulas, uma pessoa preparada, conheço-o bem, estudamos na mesma faculdade, e é muito bom quando vemos que Cabo Verde consegue recrutar pessoas como ele. Isso já é um ponto de partida. Só que chegamos numa fase em que isso só não é suficiente. Já tem que ser algo mais pensado, mais sustentado. O problema que enfrentamos hoje tem que ser analisado como deve de ser. Temos que chamar pessoas capazes, vivemos num mundo global, há por aí muita gente que com a sua experiencia pode dar a sua contribuição nesta estruturação.

O que pode acontecer, dado o actual estado de coisas, é a desistência das pessoas que resolveram regressar...

Exactamente. O que é ainda mais doloroso. Mas eu cultivo um certo optimismo. Até porque me considero um exemplo desse optimismo ao abrir uma galeria de arte num país como Cabo Verde. Considero que com isso estou a dar o meu contributo. Mesmo que haja muita desilusão é sempre bom tentar. É um gesto de amor.

Foi essa amor pelo Mindelo e por Cabo Verde que motivou esse teu grande investimento pessoal no que é hoje a galeria Zero Point Art?

Para mim foi um pensamento muito simples: vou tentar dar aquilo que eu não tive a oportunidade de ter. E neste momento, vivo como pintor, exponho no mundo inteiro e, no entanto, no meu país, não tive qualquer tipo de apoio. É estranho. Não tive qualquer contacto mais directo com outros artistas. Tenho falado com o Manuel Figueira, um dos nossos pioneiros, mas não foram criadas oportunidades de partilha, algum workshop em conjunto, visitas aos ateliers dos colegas, nada disso acontece ou é motivado. É a falta do tal espírito colectivo.

Bem, se houve artistas que tiveram esse espírito colectivo bem enraizado foram precisamente esses artistas da geração do Manuel Figueira, que vieram para Cabo Verde no pós-independência e formaram a cooperativa Resistência, que depois havia de gerar o Centro Nacional de Artesanato. Mas depois o que aconteceu não ajudou a cultivar esse espírito colectivo, antes pelo contrário...

Pronto, olha uma justificação. Eles tinham esse espírito, e por causa disso foram praticamente ostracizados e muito maltratados. Quando o meu interesse pela pintura apareceu, ainda cheguei a fazer um curso de pintura no Centro Nacional de Artesanato, e nessa época já não se sentia essa vontade de trabalhar por objectivos comuns. Já estávamos numa fase de transição.

Qual é a tua percepção sobre a forma como a cidade recebeu a existência da galeria Zero Point, alguns meses depois da sua inauguração?

Em termos de cidade, as expressões vão desde o “muito fixe” ao “oh que bonito”, que podem ser simpáticas e bem intencionadas mas não te levam a nenhum lugar. O objectivo do espaço não foi entendido. Outro ponto é que mesmo quando contactas artistas para expor se nota alguma dificuldade em respeitar contratos com a galeria ou mesmo a necessidade de os fazer. Há pouco profissionalismo. É preciso as pessoas entenderem que um artista é um profissional tão responsável como qualquer outro.

Mas continuamos com essa mentalidade que nos diz serem os artistas uns tipos mais ou menos extravagantes, uns parasitas que tem como único objectivo viver à custa do Estado. Como é que podemos combater esse preconceito e essa necessidade de o Estado investir muito mais nessa área do que aquilo que investe actualmente?

Como é que o Estado vai investir nessa área? É preciso filtrar em Cabo Verde o que realmente existe de melhor, em termos conceptuais, e depois fazer as coisas com outro tipo de preparação. O mais básico é começar na educação, na escola, como é lógico.

Como lutar contra esse estado de coisas?

Tento fazer a minha parte. O que acho interessante é que eu, apesar de ser um artista convidado para expor em todo o mundo e para dar workshops, não sou convidado para fazer nada na minha própria cidade. Nem para dar aulas, nem para participar em encontros de educação artística, por exemplo. Tempo e vontade eu tenho, mas ao que parece essa contribuição não é bem vista.

Mas se estás disponível porque é que as pessoas do teu país não estão a aproveitar as tuas potencialidades?

É muito simples: santos da casa não fazem milagres.

É o chamado síndrome de Cesária Évora..

(Risos) É isso mesmo. O povo cabo-verdiano, em geral, e o Governo, em particular, não sabem acarinhar o que eles tem de melhor. Não sei se é algum complexo de colonizado, mas o certo é que para alguém ser reconhecido cá dentro tem que ser premiado lá fora primeiro. Podíamos evitar isso de uma forma simples, somos todos pessoas inteligentes para perceber as condições e as dificuldades que o país tem, não estamos a exigir além da medida nem a pedir a Lua, e nem esperamos muito. Mas pelo menos que facilitem o nosso trabalho. Que conheçam o teu processo de trabalho, que se informem sobre o que tens feito para depois irem ao teu encontro e te perguntarem: “o que é que precisas para continuar?” Já era um bom começo.

Publicado no jornal A Nação



Protestos em Maputo (fonte: aqui)






Uma música actual e que ainda arrepia. A propósito de tudo....















Há dias em que apetece mandar o politicamente correcto à badamerda. E já faltou mais para isto ficar tipo estado permanente. Haja paciência!







Não é por nada, mas depois deste relato do Redy Lima no blogue Ku Frontalidadi, a primeira coisa que me veio à cabeça foi esta: andamos a precisar de um Maio de 68, com carácter de urgência. Ai andamos, andamos. Ou será que em Moçambique é que estão certos, e aqui podemos ter pouca esperança de conseguir um valente safanão popular já que esta nossa apatia generalizada nunca será quebrada?






Há gente, com muita responsabilidade e um poder compatível com o próprio ego, que devia ter vergonha antes de abrir a boca para dizer certas barbaridades. Não nos honrar nunca com a sua real presença para ver as peças que ao longo dos últimos 15 anos se tem feito em S. Vicente, pelos grupos locais e  não locais, raramente aparecer no festival Mindelact, onde a qualidade superior das propostas é reconhecida de forma praticamente unânime, para depois querer vir dar lições públicas (e em público) sobre o que o teatro mindelense precisa ou não precisa de ver (e ter), revela um descaramento de quem fala e uma falta de respeito por quem ouve (e por quem tem feito teatro durante todos estes anos por cá, já agora).

Ir passear e não gostar da paisagem pode ser até aceitável. É apenas uma questão de gosto. E uns tem-no e outros dispensam-no. Agora, recusar-se, por vaidade arrogante, a olhar por cima do muro do seu imenso castelo e depois querer vir-nos dar lições sobre o que devemos ver do outro lado, já é demais. Shame on you, mister, shame on you. 

Em Setembro cá estaremos. Mais uma vez, como tem acontecido nos últimos 16 anos. Cá o esperamos, realeza.






Que o mês de Setembro vos traga luz, alegria e boas energias...










Caio Fernando Abreu, escritor que aprecio particularmente, escreveu uma vez que desejava ««que Setembro seja melhor e supere todas as angústias, medos, inseguranças e azar de um agosto fodido» e eu senti-me logo identificado. Agosto pode ser para muita gente sinónimo de férias, de praia ou de descanso. Para mim é apenas um mês demasiado longo e demasiado quente. E agora que acabou, até parece que o mundo ficou mais leve.

Vem aí Setembro, o melhor dos meses de Verão, e com ele, o anúncio de um Outono que é a época em que a natureza se renova, se transforma e nos permite contemplar os mais belos castanhos, amarelos e laranjas que o mundo já viu; é época das chuvas, das sementeiras, do retomar dos hábitos e rotinas e isto, para quem as tem boas, não é nada negativo, antes pelo contrário. Setembro é pois a época das reentrés, das novas grelhas de programação, das estreias absolutas, dos renovados votos de que a última parte do ano seja a melhor e, claro, o mês onde o teatro invade por todos os poros a cidade do Mindelo.

Esta é ainda a época em que a terra se junta ao céu, o pó se casa com a água da chuva, onde a natureza se mostra, vaidosa e altiva, mudando o seu figurino. É o mês dos encontros e desencontros, das certezas que nunca mais chegam, de um tempo que anda um pouquinho mais depressa, de uma aragem que passa e nos refresca. Que corra lesto, este mês de Setembro, que nos traga o festival de teatro e nos tire de cima dos ombros este calor e esta depressão húmida, por vezes, pouco suportável.