20/01/08

Ilha



Tu vives — mãe adormecida —
nua e esquecida,
seca,
fustigada pelos ventos,
ao som de músicas sem música
das águas que nos prendem…

Ilha:
teus montes e teus vales
não sentiram passar os tempos
e ficaram no mundo dos teus sonhos
— os sonhos dos teus filhos —
a clamar aos ventos que passam,
e às aves que voam, livres,
as tuas ânsias!

Ilha:
colina sem fim de terra vermelha
— terra dura —
rochas escarpadas tapando os horizontes,
mas aos quatro ventos prendendo as nossas ânsias!


Amílcar Cabral - Praia, Cabo Verde, 1945


Imagem: foto de João Barbosa, peça «Tertúlia», X Curso de Iniciação Teatral CCP



2 comentários:

  1. Olá João Branco

    Aproveito para beber do teu café margoso, enquanto espero ansiosamente por um sinal no meu telemóvel.

    O cheiro do teu café torrado me convida para entrar na ilha. E, logo, penso também num outro poema lindíssimo de que gosto tanto:


    Rosa

    Chamam-te Rosa, minha preta formosa
    E na tua negrura
    Teus dentes se mostram sorrindo.
    Teu corpo baloiça, caminhas dançando,
    Minha preta formosa, lasciva e ridente
    Vais cheia de vida, vais cheia de esperança
    Em teu corpo correndo a seiva da vida
    Tuas carnes gritando
    E teus lábios sorrindo...
    Mas temo a tua sorte na vida que vives,
    Na vida que temos...
    Amanhã terás filhos, minha preta formosa
    E varizes nas pernas e dores no corpo;
    Minha preta formosa já não serás Rosa,
    Serás uma negra sem vida e sofrente,
    Serás uma negra
    E eu temo a sua sorte.
    Minha preta formosa não temo a tua sorte,
    Que a vida que vives não tarda a findar...
    Minha preta formosa, amanhã terás filhos
    Mas também amanhã...
    ...amanhã terás vida!

    AMÍLCAR CABRAL


    Desejo-te uma boa semana!
    Um abraço
    Eury

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  2. Euridice: obrigado pela participação e pelo belo poema!

    Volta sempre.

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