- Não
O Cristo não morreu
Não pode ter morrido
Há dois mil anos
Como contam.
Ontem ainda
Ele foi assassinado
Em cenário
Latino-americano
Por actores nacionais
E estrangeiros.
Hoje mesmo
Ele é assassinado
Em versão internacional
Para uso mundial
Exportada em caixotes
Bem embalados.
Amanhã com certeza
Ele será assassinado
Na minha ilha
Na minha pequena - céus!
Como se fosse possível
Obrigar o sol a engolir a lua
Para a cuspir
Na latrina como um escarro
Impertinente
Drenar o leite
Nas mamas da fêmea
Cortar a água com a faca
De cortar o pão
Meter na prisão
A palavra dos poetas
Secar o mar
Impedir as estrelas
De dormitar no seio do universo.
Não
O Cristo não morreu
Não pode ter morrido
Há dois mil anos
Como contam.
Se o assassinaram
Há dois mil anos
Como contam
Como continuar a assassiná-lo
Em toda parte e no mesmo sítio
Dois mil anos depois de morto?
Quem é que nunca acaba de morrer
Que morto
Em toda a parte
Em todos os dias
A cada hora
A cada instante
Renascer
Em toda parte
Todos os dias
A cada hora
A cada instante
Barbado ou barbeado
Com outra ou a mesma cor
Segundo o país
O gosto
A moda
A época
As circunstâncias?
Não
O Cristo não morreu
Não pode ter morrido
Há dois mil anos
Como contam.
Crucificado
Linchado
Enforcado
Guilhotinado
Eletrocutado
Fuzilado
Segundo o país
O gosto
A moda
A época
As circunstâncias
O cristo não morreu.
Mário Fonseca – poeta
Fotografia de Dariusz Klimczak
