05/05/09

Tertúlia dos Mentirosos 63





Um crime exemplar num café ordinário


Começou a mexer o café com leite com a colherzinha. O líquido quase transbordava da chávena empurrado pelo movimento do utensílio de alumínio (o recipiente era vulgar, o sítio era ordinário e a colher estava arredondada pelo uso). Ouvia-se o barulho do metal contra o vidro. Tim, tim, tim, tim. E o café com leite girava, girava com uma cova no meio. Um maelstrom. E eu encontrava-me sentado mesmo à frente. O café estava à pinha. O homem continuava a mexer, a mexer, imóvel, e sorria ao olhar-me. Senti uma coisa subir por mim acima. Fitei-o de tal maneira que se viu na obrigação de se explicar:

– O açúcar ainda não está derretido. 

Para mo provar, bateu com a colher várias vezes no fundo do copo. Recomeçou a mexer metodicamente a beberagem, com uma energia redobrada. Voltas e mais voltas, sem parar, eternamente. Voltas e mais voltas e mais voltas. E continuava a olhar para mim, sorrindo. Então puxei da pistola e disparei.


Max Aub in "Crimes Exemplares"



4 comentários:

  1. em termos literarios muito bem... mas puxar da pistola e matar é Merda!!!!!!!!!!!!!!

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  2. O extraordinário de isto tudo é como se consegue contar uma estória com pricípio, meio e fim antes mesmo de alguém dissolover o açucar de uma café-com-leite...
    Zito Azevedo

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  3. Moral da história: Comecem a tomar café sem açúcar!

    a) RB, anónimo por obrigação

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  4. Tchale, mas por vezes dá cá uma vontade...

    Zito, por isso o melhor é não demorar muito.

    RB, Café Margoso, pois claro! hehehe

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