19/02/09

Crónica Desaforada





O que os faz correr?


1. Nos últimos meses fomos agraciados com campanhas eleitorais acesas, disputadas e com alguma polémica à mistura, relacionadas com as juventudes partidárias cabo-verdianas. Ambas as disputas tiveram ampla cobertura na comunicação social, mormente nos jornais e envolveram meios financeiros nada negligenciáveis.

2. Candidatos investiram em outdours. Muitos viajaram pelo país tendo percorrido as ilhas de lés a lés. Encontros com a juventude. Com os millitantes. Organização dos Congressos. Cada uma das disputas teve três candidatos, algo nunca visto nos seniores.

3. Temos que aplaudir toda esta movimentação, se sempre nos queixamos do desleixo e do desinteresse dos jovens pelos problemas do país. Mas quando vejo os estudantes que temos (e peço desculpa desde já pela generalização, sempre injusta para com aqueles que estudam a sério), quando vejo que a grande maioria dos Liceus e Pólos Universitários não tem associações de estudantes, onde os seus interesses e direitos sejam defendidos, fico um pouco confuso.

4. Sabem, participei em campanhas eleitorais no Liceu e no Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa. Eram eleições disputadíssimas, com amplo debate, discussões de questões académicas, problemas dos estudantes, em particular e dos jovens, em geral. Era ali, no universo estudantil que se começava a "ganhar calo" para as disputas políticas, no bom e nobre sentido do termo.

5. Parece-me, pois, que a juventude cabo-verdiana está (ainda) pouco motivada para o debate político. Para discutir e debater os seus problemas. Quantos conhecemos entre os 16 e os 20 anos de idade, por exemplo, interessados em esgrimir argumentos sobre os reais problemas do seu próprio país? Quantos?

6. Se não houver nenhuma diferença na forma de fazer, na motivação, no conceito, nos alvos, entre as juventudes partidárias e os respectivos partidos, então tudo isso não passará de um grande circo mediático que pouco servirá ao país, muito menos à sua juventude. E quanta juventude temos em Cabo Verde!

7. O Amilcar Tavares, no seu blog, coloca-nos uma questão pertinente: segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, cerca de 60% da população de Cabo Verde tem menos de 24 anos. Aproximadamente 300 mil pessoas. Ora, o lider da JPD, Juventude para a Democracia, tem 32 anos e o lider da JPAICV, Juventude do PAICV, tem 33 anos. Estarão preparados para falar para - e em nome de - tanta gente?

8. Ao que parece o presidente da JPD assim que soube dos resultados do congresso do partido "rival", tratou de escrever ao recém eleito líder da JPAI, congratulando-se com os resultados e propondo encontros e debates sobre e com a juventude cabo-verdiana. Penso que foi uma boa maneira de iniciar um relacionamento que os distinga do algum radicalismo que caracteriza o existente entre os partidos maiores.

9. É urgente promover debates e encontros entre os jovens, dentro das escolas. Faz um bocado de impressão que estes se reunam e organizem apenas quando é preciso arranjar dinheiro para festas de finalistas. Ser estudante tem que ser mais do que isso. É preciso contestar. Para contestar é preciso estar-se informado. Para se estar informado, é preciso ter interesse. É tão simples quanto isso. Não havendo interesse à partida, toda esta cadeia de reacção fica comprometida.

10. Aqui entram, ou deviam entrar, as organizações de juventude, e não apenas as partidárias. Porque senão continua-se a pensar, provavelmente com alguma legitimidade, que estas disputas pouco tiveram de altruistas e foram apenas concretizadas para legitimar mais uma subida na escada do poder.

11. Finalmente dizer que não farei juizos de valor sobre nenhum dos dois candidatos vencedores, porque não os conheço, mas depois de tudo isto, apetece perguntar, o que faz correr estes dois rapazes?


Mindelo, 18 de Fevereiro de 2008


8 comentários:

  1. Falta REBELDES neste país....

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  2. Não duvidando de que a associatividade nas escolas é deveras necessária, seria contudo interessante que o associativismo servisse apra algo mais que mero viveiro das juventudes partidárias, percursoras do "tacheiro-carreirista-de-partido" como é usual por ex. em Portugal. A avaliar pelo sucesso da mini-ilha de "riqueza" que é o Palmarejo na Praia, já muita gente ambicionará ser político, logo desde a escola primária. A ambição é uma coisa boa, quando desmedida já se sabe que trás problemas.
    Após 7 anos sem ir ao arquipélago, creio não andar muito longe da constatação de que Cabo Verde se "europeizou", sobretudo nas partes mais estranhas das Europas, ostentação, luxo inútil, aliás, creio que dificilmente numa cidade europeia se verá uma tão alta taxa de jipes de luxo como na cidade da Praia, onde o ordenado médio andará pelos 350/400euros e um nível de vida quase europeu ao nível dos preços dos principais bens e até alguns serviços.

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  3. Sara, nem mais!

    Arsénio, isso não está em causa.É evidente.

    João, não é de hoje que se diz por aqui que vivemos acima das nossas possibilidades. Ouço isto há mais de uma década. Um destes dias a bolha rebenta...

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  4. Tudu Prisidenti/ministro/directores...oras ki sai di poder tem casa na strangeru ó tem si propi empresa...ka da pa dodu k terra ilhadu sta xeio del e Largatichinhas tem mau exemplo! Por isso dexam manda um palavriadu:

    Corri na tempu

    É bunitu odja karru di marka
    Na strada ta desliza
    La dentu di fatu
    Director/Presidenti ó Ministro

    Djan kré bai
    Mas mi é um koitadu i xoloi
    Na kama sta nha mai
    Ki di mizeria ta grita ai

    Hurbanização novu
    È pa nós ministro
    Ki dja skeci passado
    Tempu di midju ladu

    Ministru/presidenti ki ta sukundi di familia
    Di familia ki dal vida
    Ministru/directores di relogio rolex
    Ki na TV ta apresenta relax

    Stadu diskombinadu
    di barriga fartu
    Tudu trapadjadu
    Di cabeça preokupadu
    Di divida ki tem peranti Supranu

    Tempu perdidu
    Tempu sem sentidu
    Ki sta ser uzadu
    Pa mundu di luxu

    Goci ta corri...corri na tempu
    Ki sta quardadu
    Na kaza padja sukundidu
    Na kaza padja trankadu

    Tempu era di bó
    Goci é di enfim
    Ki pa tem fim
    Bu tem ki bai arquivo

    Antes di corri pa li pa la..
    largatichinhas tem ki fazi alguma coisa pa morabeza!!!

    Kel abçom di coraçom
    ManuMoreno

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  5. Manu, agora quem quiser que enfie esta carapuça... poética!

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  6. O me engano ou o Manu é o António Aleixo da poesia Cabo-Verdiana, sem qualquer desprestígio para nenhum deles. Aqui deixo umas quadras do saudoso Aleixo:

    A ninguém faltava o pão
    Se este dever se cumprisse
    Ganharmos em relação
    Com o que se produzisse

    Há tanto burro a mandar
    em homens de inteligência
    que, às vezes, chego a pensar
    Que a burrice é uma Ciência!

    Tu, que tanto prometeste
    enquanto nada podias,
    hoje que podes, esqueceste
    tudo quanto prometias...

    Riem doutras com desdém
    Certas damas bem vestidas;
    Quantas, para se vestir bem,
    Se despem ás escondidas!

    Nas quadras que a gente vê,
    quase sempre o mais bonito
    está guardado pr'a quem lê
    o que lá não está escrito.

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  7. João, nem mais. Já me lembrei do Aleixo várias vezes, com esta poesia crioula do ManuMoreno, agora presença indispensável do Café Margoso!

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