
Há espectáculos que não se esquecem. «Uma História da Dúvida» é, sem dúvida, um deles. Coreografado por Clara Andermatt, esta peça coreográfica única foi o resultado de uma residência na cidade do Mindelo e mais de metade dos participantes foram cabo-verdianos, entre músicos e bailarinos. Entre estes estava Orlando Pantera.
«Uma História da Dúvida» fica-nos pelo poder das imagens, das figuras, da música e da dança. Há momentos que não se esquecem. A longa fila dos intérpretes sentados no chão; o enorme cais de madeira movível; a imponente parede de metal, com as suas portas e varandas; Pantera cantando de tronco nú ao longo da varanda; Avelino pendurado no cais como um morcego; Voginha a correr pela plateia quem nem um louco com um violino na mão; o velho Malaquias com o seu violino, sózinho na varanda, vestido de branco, dizendo para o público num inglês imaculado «I'm a profissional», and so on...
Há finais que não se esquecem. E o final, oh Deus, o final de «Uma História da Dúvida», com músicos a tocar uma morna, agarrados pelos bailarinos, que pegam neles, que não param de tocar, e são voltados de cabeça para baixo, sempre tocando, sempre bailando, até ao chão, corpos, instrumentos, poeira, suor, poesia. E a morna que acaba com uma longa nota do violino de Malaquias, em pleno solo.
Como escreveu Clara Andermatt (essa força da natureza) «tudo se expressa através do movimento e da música. As palavras são fundamentais. Accionam pensamentos e emoções que formam e informam tanto o movimento como a música. Mas tudo o que é relevante do ponto de vista do significado, foi incorporado no som, no ritmo e no gesto. Os intérpretes falam a maior parte do tempo, mas as palavras que por vezes murmuram, outras vezes gritam ou cantam são como que explosões da alma, não podendo ser encaradas como um discurso perceptível e coerente. Por um lado as palavras são força motriz e focos de energia para o movimento dos intérpretes. Por outro, são ingredientes poderosos do som e do ritmo na partitura musical.»
Há espectáculos que não se esquecem. Tornam-se, pela sua qualidade, inovação, energia e criatividade, em objectos imortais. «Uma História da Dúvida» é um deles.
João, só de ver o título e as imagens de uma «Uma História da Dúvida» fiquei logo muito emocionado! É que recuei, praticamente, 10 anos atrás para recordar um dos espectáculos que mais marcou a minha vida. Sabes, além de assistir o espectáculo, tive o privilégio de assistir os ensaios desta peça, e claro fitava os meus olhos no Orlando Pantera e em toda a sua performance e criatividade, pois desde 1994 que o admirava muito. Nessa época «I'm a professional» marcou-me muito, daí ser a música do Pantera que mais gosto.
ResponderEliminarRecordar Voginha, Avelino, Malaquias, Jonh Luz, Nhelas, Kabum entre outros naquele palco é demais. E kéx maltas ta fazé pine d’um ponta a ot d'palque durante um data d minute, k paragens i tud, bo ta lembra João?
A peça foi apresentada num Sábado e Domingo e na 2ª feira fizeram uma tocatina memorável, lembras?
Há 7 anos atrás comprei o CD “DAN DAU”, cd de uma outra peça de Clara Andermatt - que assisti também mas pela televisão - que tem a participação de uma boa parte dessa malta que actuou em «Uma História da Dúvida», e tem o “batuko” e “I’m a Professional” do Pantera. Ouço-o com alguma frequência para recordar esses bons momentos.
A parte final é absolutamente incrível com os corpos dos músicos às avessas tocando uma morna. Enfim, coisa pouco comum mas lindíssima de se ver e apreciar.
Tens razão João: “Há espectáculos que não se esquecem”, claro, deixam marcas indeléveis!
Abraços,
Ruben.
Se me lembro, Ruben! Acompanhei os castings, a residência aqui no Mindelo, a montagem de perto, os ensaios e estive na estreia, em Lisboa. Que emoção! é um espectáculo formidável, merecedor de uma edição como deve ser em formato DVD...
ResponderEliminarPorra João! De onde veio esta ideia de 'ressuscitar' esse espectáculo marcante e estonteante como gosto de dizer das coisas que gosto muito! Mas, enfim, sou um pouco suspeito por ter feito um pouco parte desse espectáculo... que não se esquece mesmo!!!
ResponderEliminarE pr'alem desses momentos mágicos, fica este outro feito da peça 'Uma história da dúvida': levou muito da cultura, sons, ideias, filosofia e forma de vida, desse país 'desconhecido' para o mundo fora. Deixando uma muito boa imagem de Cabo Verde...
Um trabalho extraordinário para um espectáculo que não se esquece!!!
Tchá
A ideia veio do facto de ter sido dia mundial da dança e este ter sido, muito provavelmente, o espectáculo de dança que mais me marcou até hoje...
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